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O Património urge!


As não poucas atribulações, destruições, desmazelos, indiferenças por que passa o nosso património cultural não é uma realidade de hoje. É um fenómeno antigo ao qual as diversas comunidades, com maior ou menor celeridade, com maior ou menor indiferença, assumindo ou descartando responsabilidades, foram respondendo procurando minimizar acções “criminosas” já ocorridas ou, irremediavelmente, em vias de facto.


Por norma, os processos colectivos de demonstração de indignação às questões do património são quase inexistentes ou pouco reactivos, e só aparecem quando associados a lideranças fortes, à existência de momentos socio-temporais propícios a que aconteçam (o período do pós-25 de Abril é um bom exemplo disso mesmo), não poucas vezes associados ao surgimento de uma notícia que ganha dimensão na comunicação social, que por sua vez provoca uma reacção em cadeia e, com maior ou menor efeito, o despoletar de uma resposta comunitária que obriga a que as instituições com alguma responsabilidade no sector respondam, umas porque sentem esse dever outras porque não podem deixar de marcar presença.


O aparecimento de um sem número de Associações de Defesa do Património no final dos anos setenta e nos anos oitenta, foi fundamental na salvaguarda do Património Cultural e Ambiental, muitas mais vezes no seu policiamento, e deu resultados importantes na sua sensibilização e protecção. O caso de alguns processos de plantação de eucaliptos cuja reacção das populações obrigou a trabalhos de prospecção arqueológica e a salvaguarda de alguns monumentos megalíticos, são disso um bom exemplo.


No entanto, foi Sol de pouca dura e os resultados nem sempre foram consistentes, efectivos, até porque, o carácter não profissional destas estruturas não facilitava o seu funcionamento levando ao seu desaparecimento, muitas vezes porque visceralmente ligadas às autarquias locais, a lobbies regionais e a grupos de interesse conotados com forças políticas, tendo como tal, por um lado, de limitar as suas críticas quando entravam em campos de conflito de quem, de uma ou outra forma, os apoiava - fosse na cedência de instalações, no apoio financeiro ou na defesa e parceria em projectos de interesse mútuo, por outro lado, de resistir a pressões das próprias populações que viam nessas acções um entrave ao “desenvolvimento económico”, à criação de mais riqueza e de empregos... A par disso, os interesses dos governos que se iam sucedendo não tinham o Património como preocupação, e importante era privatizar para não assumir responsabilidades na sua salvaguarda. Passei pela experiência agridoce de estar na primeira linha da defesa da propriedade na esfera pública da vila/castelo de Noudar, episódio que teve um final feliz, mas não graças a um governo central cuja resposta era… se o querem, comprem, têm o direito de preferência…


No final dos anos 90 do século XX criou-se um vazio arrepiante, que chega aos nossos dias, tirando algumas raras e honrosas excepções, no que diz respeito à mobilização de estruturas de natureza associativa, ligadas às comunidades locais, que sejam básculas na mobilização, sensibilização, educação dos cidadãos na importância da defesa dos seus “patrimónios”. Não há estruturas de natureza cívica a intervir nestas áreas e as que existem (sobreviventes ou não daqueles momentos históricos dos anos setenta e oitenta), resistem, sabe-se lá como, suportadas por dois ou três carolas, que dando a cara e lutando pelo interesse colectivo, depositado nos elementos (documentos) construtivos da memória, são fruto de perseguições, de incompreensões, de acusações injustas e impropérios. A nível profissional e social.


O ataque ao nosso Património histórico e arqueológico, é uma prática diária. Veja-se o exemplo dos detectoristas que continuam sei rei nem roque a sistemática destruição de contextos arqueológicos importantíssimos para o conhecimento e entendimento da evolução da ocupação humana no nosso território. Ou os sítios arqueológicos que são destruídos com o crescimento irresponsável de alguns projectos agrícolas; ou com a indiferença na construção indiscriminada de projectos turísticos subvertendo totalmente o conceito de restauro e recuperação arquitectónica que deveria estar implícita na intervenção em determinados edifícios, ou do crescimento urbano, da ampliação de estruturas industriais e ou mineiras. Há autarquias locais que retiram ou não actualizam as listas de Património nos processos de revisão de PDM’s, para que estas não funcionem como hipoteca (?) ao “crescimento”…


A imaturidade desta Democracia de pequenos caciques em que vivemos, não perdoa a quem não se coloca de joelhos. Mas, felizmente, há actores que, pelo prestígio, pela coragem, pela estatura humana e intelectual não viram as costas e são para nós uma referência.


Um desses protagonistas desta irreverência e coragem tão necessária é o Professor Vitor Serrão. E algumas das suas posições públicas que essa plataforma maravilhosa chamada Facebook nos vai permitindo conhecer são de quem não virou costas a uma guerra que tem de ser diária em defesa da nossa memória; a uma reflexão que tem de ser participada; a uma acção de divulgação que tem de chegar a todos os cidadãos sem excepção, para que cada um de nós tenha de assumir a sua responsabilidade numa tarefa que é de todos.


É por isso que, neste momento tão importante ao nível institucional nas áreas do Património, que pego em algumas das suas perguntas publicadas no passado dia 26 de Junho na sua página no Facebook e as partilho numa perspectiva de que é dever de todos nós, técnicos da área, tomar posição, envolver-nos nesta batalha que não é apenas ideológica, mas é também social e cultural. Tomando partido!


Urge reforçar o peso interventivo do Estado democrático na área da Cultura;


Urge agilizar o diálogo entre instituições públicas e privadas dentro do sector com sensibilidade para as suas diversidades;


Urge criar condições para melhorar os canais de intervenção célere e séria em casos como os enfraquecidos serviços dos museus e palácios ou os casos de ruína ou destruição de bens;


Urge descentralizar mais competências nas direcções regionais;


Urge fazer tudo isso equilibrando melhor as distintas áreas do sector (Museus, Monumentos, Palácios, Arqueologia, Conservação e Restauro, Artes do Espectáculo...) sob um programa comum, claro e unívoco.


Perante estas questões que consideramos fundamentais para a reflexão em torno do país que queremos, acrescentamos a importância da (re)criação das Associações de Defesa do Património dado o papel importantíssimo que poderão ter no envolvimento das populações na defesa do seu Património, para conhecer, valorizar e potenciar o papel formativo e educativo dos nossos patrimónios.


Urge sensibilizar e voltar de novo à rua para o conhecimento e a valorização da nossa memória! Para o requestionamento dos fenómenos de “esquecimento” que parecem estar a adormecer-nos!



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