Nome completo: Filipe Artur Campos Martinho
Local e ano de nascimento: Lisboa, 1989
Principais interesses: História, Cultura, Arte, Urbanismo, Química, Investigação Cientifica, Viajar, Aprender, Meditar, Desenvolvimento Pessoal
Formação académica: Licenciado em conservação-restauro pela FCT, pós-graduado em Arquitectura de Igrejas pela UTL.
Cargo actual: Técnico Superior na Direcção-Geral do Património Cultural
Como foi o seu percurso profissional? Por onde começou e por onde passou?
O meu interesse por cultura e património surge muito cedo, por isso ainda antes do término do curso, desenvolvi trabalhos em regime de voluntariado que, apesar de não remunerados, contribuíram para o meu crescimento profissional. Da gestão e reformulação das reservas e acervo do Museu da Marioneta, à inventariação, restauro e apoio da museologia no Museu Nacional do Azulejo, ou em empresas de referência como a Teixeira Duarte ou a extinta ARGO.
Profissionalmente o meu percurso começa, ainda no final da licenciatura, no Instituto Tecnológico Nuclear e no CENIMAT. Frequentei uma faculdade de ciências e tecnologia, o que me permitiu um desenvolvimento em técnicas de exame e análise que muito me interessavam e para as quais tinha particular aptidão. No último ano de curso candidatei-me a um concurso nacional para atribuição de uma bolsa de investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia, no âmbito do programa Early metals. Este projecto de investigação pretendia conhecer melhor a pré-história em território português, submetendo-se para esse fim colecções de artefactos a diferentes técnicas de exame e análise (não destrutivas). Tive a sorte de trabalhar com os melhores recursos e encontrar na colecção uma nova fase, ainda não conhecida, nas ligas cobres-estanho, o que levou a um enorme entusiasmo. Por essa razão, no final do período de bolsa surgiu hipótese de continuar a desenvolver trabalho neste campo. Embora o trabalho suscitasse um grande interesse, senti estar a percorrer um caminho muito espartilhado numa fase muito inicial.
Procurava crescer e desenvolver outras valências, nomeadamente no campo da intervenção directa sobre património, o que me fez abraçar outros projetos em conservação e restauro. Nos dois anos seguintes trabalhei como freelancer, integrei equipas de intervenção com as quais participei em projectos no Palácio Nacional de Queluz, Convento do Carmo, Palácio Nacional da Ajuda, Mosteiro dos Jerónimos, bem como outros palácios, igrejas e edifícios históricos em Lisboa.
Durante o ano de 2015, surge novo concurso nacional para atribuição de bolsa através do programa PEPAC, concurso que, depois de um longo período de interregno devido ao cenário de crise, reabria nesse ano, pelo que houve um grande afluxo de candidaturas. Tendo ficado colocado na 1ª posição, tive oportunidade de escolher o lugar a estagiar, um sítio que sempre me foi particularmente caro, que senti sempre ser algo esquecido e não devidamente valorizado, o Palácio Nacional de Mafra.
Sinto que cresci muito nesse período, sendo o único conservador restaurador, foi particularmente entusiasmante aplicar os conhecimentos académicos que fui adquirindo e que fui desenvolvendo na prática ao serviço do edifício, do seu espólio e da sua história. Tive a oportunidade de planear e orientar objectivos, desenvolver rotinas, cuidados de conservação preventiva e intervenções, contornando as dificuldades de fundos de maneio que mesmo num monumento nacional, hoje património mundial, infelizmente existem.
Em 2018 sou convidado a integrar os quadros de uma empresa para desenvolver a vertente de conservação e restauro, coordenando e fiscalizando diversos projectos; tanto em tipologia (património móvel e imóvel), quanto a escala ou localização, de palácios e igrejas em Lisboa, Sintra ou Coruche, às fortalezas abaluartadas de Elvas e Campo Maior. Também durante este período desenvolvi trabalhos por conta própria, nomeadamente o restauro do banco azulejar de Jorge Barradas, na Fonte Luminosa, para a CML.
No final de 2019, abre um concurso para integrar os quadros da Direcção-Geral do Património Cultural ao qual me candidato e venho a ser seleccionado.
Onde está hoje e o que faz?
Desde Junho de 2020 que passei a fazer parte dos quadros da DGPC, o que possibilitou reintegrar o Palácio Nacional de Mafra.
Assumi assim as minhas funções de tudo o que envolve Conservação e Restauro. Tanto no campo da Conservação Preventiva, avaliação e acompanhamento do estado de conservação do edifício e das colecções; implementação de normas e rotinas; bem como intervenções de restauro quando se revelam necessárias.
Em simultâneo tenho procurado restituir peças que pelo actual estado se encontram em reserva, ao percurso museológico através do seu restauro.
Qual elegeria como o projecto mais relevante que levou a cabo, até ao momento, para o sector do Património?
Com 31 anos e 11 de experiencia profissional, estou ainda no início do meu percurso. Felizmente, tenho tido a oportunidade de participar em muitos e diferentes projectos, tanto em termos de escala, como de função.
Cada um teve um espaço, um tempo e uma importância muito equivalente na construção do meu percurso. A variedade dos projectos e as pessoas que fui conhecendo permitiram-me ganhar um léxico muito maior, que não raras vezes recordo e se revela útil.
No entanto, destaco dois projetos particularmente marcantes.
O primeiro, a reabilitação do Palácio dos Condes de Tomar. Uma intervenção integral do palácio e artes decorativas que compreendia: estuques, madeiras, revestimentos parietais, pinturas murais, cantarias, azulejos, capela, guadamecis, vitrais, escadarias, fonte, lareiras, espelhos...
Um desafiante projecto pela escala e diversidade de materiais que me proporcionou um enorme crescimento. O contacto com todas as funções envolvidas numa intervenção desta natureza fez-me evoluir, não só a nível técnico e de coordenação mas também logístico e burocrático, de gestão de projecto, de tempo, de recursos e de pessoas. Tive a felicidade de formar uma equipa e completar, garantindo a preservação e correcta intervenção dos vários elementos num cenário de reabilitação a novas funções, um trabalho do qual muito me orgulho.
O segundo, obviamente Mafra, por representar um enorme e aliciante projecto e simultaneamente um privilégio poder prestar um serviço público e contribuir para a preservação, valorização, estudo e divulgação daquele notável monumento.
E qual ‘aquele projecto’ que ficou por fazer ou completar?
Muitos! Por agora todos os que ainda não fiz no PNM, mas também ligados à DGPC e ao património cultural de forma mais abrangente.
Destaco dois que, não obstante os constrangimentos de 2020 e o andamento errático que sente no país e no mundo, tenho vindo já a implementar:
Por um lado, a criação de um pólo de oficinas de restauro do PNM, projecto que esbocei ainda em 2016, e que agora como funcionário tenho vindo a desenvolver. Ambiciono ainda que estas possam no futuro vir a compreender uma vertente de centro didáctico de artes e ofícios.
Por outro lado, criar projectos e abrir concursos de intervenção com base em sondagens que tenho vindo a realizar ao edifício e que em muito beneficiariam o PNM.
Qual a experiência humana que mais o marcou ao longo da sua vida profissional (colega, chefe, grupo de trabalho…)?
Grande parte do meu percurso foi feito em equipas e cruzei-me com muitas pessoas com as quais aprendi. Destas, algumas marcaram-me particularmente, as quais guardo como referência tanto de um ponto de vista profissional e técnico como de ser humano e forma de lidar com os outros.
Por outro lado, em muitos dos trabalhos que realizei foi interessante ver a forma como a comunidade interagia com as intervenções. Apreciar a apropriação do património cultural pelas pessoas que tinham curiosidade, espreitavam e procuravam ver o que se fazia com o “seu” património.
Se tivesse possibilidade de voltar atrás, faria algo de forma diferente?
Se olhasse para trás e não identificasse coisas que faria de forma diferente seria sinal de que estava parado no mesmo lugar e que algo teria falhado no meu desenvolvimento. Contudo as decisões que tomei foram fruto das ferramentas de que dispunha num determinado espaço/tempo. Melhores ou piores, cumpriram o propósito de me fazer crescer, aprender e melhorar.
Olho para trás com sentido crítico e de crescimento e procuro incorporar sempre os ensinamentos possíveis, ambicionar voltar atrás não me parece profícuo, fez tudo parte.
Que conselho daria a quem está hoje a iniciar a sua carreira profissional na área do património cultural?
Sendo relativamente novo, esta mensagem terá o peso que tiver que ter, mas diria sobretudo que lidar com património cultural é um privilégio. Que tem que ser uma paixão, que deve merecer o nosso maior respeito, dedicação e integridade. Ter a consciência que o legado que hoje nos chega materializa o esforço, as expensas, o génio e as crenças de muitos. Encerra a memória de outros tantos que o fruíram, que prestaram culto e que o preservaram. Estar consciente da importância para a comunidade presente, que nele se revê e encontra estes e outros valores tomando parte activa na construção de uma identidade colectiva. Que para lá dos valores materiais que reconhecemos devemos preocupar-nos sobejamente em reconhecer estes outros imateriais que agregam e constituem a comunidade e a unem aos seus antepassados e às gerações vindouras, a quem devemos garantir que cheguem. Reconhecer o nosso papel de mediadores e de que prestamos um serviço, que é o património cultural quem deve guiar, indicar o que deve ser feito e nunca o contrário. Conhecer os nossos limites e saber parar no momento certo quando assim é necessário. Tal como referido nas Normas de Quito “O restauro termina, onde a hipótese começa…”
Por outro lado, falo em paixão também num sentido mais pragmático. Trabalhar no sector da Cultura exige uma resiliência a toda a prova, saber lidar com inconstância, precariedade e estar preparado para o pouco retorno económico. Infelizmente, ainda hoje o trabalho equivalente em muitas outras áreas permite muito maior desafogo e estabilidade mesmo numa fase inicial da carreira. Falo por mim, por muitas pessoas dos diversos ramos culturais que conheci e por muitas que investem nesta área e acabam por desistir. Não que com isto baixemos os braços e não lutemos pela dignificação deste crucial sector, pela valorização do legado e dos seus intervenientes, e pela criação de postos de trabalho não precário e melhoria das condições.
Em suma, faz sentido investir se conhecidas estas premissas e os desafios que se encontram pela frente a chama persistir intensa e inexpugnável!
O que deseja para o sector do património em Portugal?
Que nos reinventemos! Agora ainda mais do que antes.
Que se incremente a aposta na Cultura e na sua salvaguarda. Que a marcha que vinha em curso por 1% do OE para a Cultura não abrande mas pelo contrário prossiga, a passos tão largos quanto possível, e conduza a uma viragem nas políticas culturais.
Que se criem condições de estabilidade de forma transversal, com a substituição gradual do trabalho precário por postos de trabalho a contrato e se criem condições para o desenvolvimento de carreiras.
Que se preserve, estude e divulgue, mais e melhor. Que aumente, melhore e se diversifique a oferta cultural e se consigam cativar cada vez mais públicos. Que cada vez mais se perceba que o património cultural é feito de pessoas e para pessoas, que por elas deve ser apropriado e lhe reconheçam e exponenciem as potencialidades como elemento agregador e de desenvolvimento das comunidades.
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