top of page

Rui Correia, vencedor do 'Global Teacher Prize Portugal' 2019


Nome completo: Rui José Antunes da Cunha Simões Correia

Local e ano de nascimento: Viseu, 1965

Principais interesses: Guitarra, Jazz, Literatura, Arte Contemporânea, Tecnologia Formação académica: Licenciaturas em História e História Via Ensino, Pós graduação em História Contemporânea, Mestrado em Estudos Americanos

Cargo actual ou último cargo desempenhado: Professor, Vereador

Onde está hoje e o que faz?

Sou professor de História na Escola Básica de Santo Onofre, nas Caldas da Rainha.

Como foi o seu percurso profissional? Por onde começou e por onde passou?

Comecei a dar aulas no Liceu Infanta D. Maria, em Coimbra, tive uma passagem pela Escola Secundária de Amarante, após o que fui colocado em São Martinho do Porto, Alcobaça e, finalmente, nas Caldas da Rainha, onde resido há um quarto de século.

Qual elegeria como o projecto profissional mais relevante que levou a cabo, até ao momento?

O actual. Depois de muitas experiências profissionais e cívicas que me conduziram durante três anos à direcção de uma revista nacional, nove anos na direcção executiva de uma escola e oito anos na vereação da Câmara Municipal do concelho das Caldas da Rainha; de todas estas experiências que me somam vinte anos de dedicação à comunidade, não tenho dúvidas de que ser professor continua a ser a experiência profissional a que mais relevância atribuo, sobretudo por razões muito narcisistas: o prazer que me proporciona permite-me voar muito alto. E sei do que falo porque fui praticante de Asa Delta.

O que o motivou a desenvolver um método pedagógico alternativo nas suas aulas de História?

Perceber que estava a falhar como professor. Sentia que, não obstante ser um razoável orador e preparar bem as minhas aulas, continuava a ter um ou outro aluno que não ligava nenhuma ao que eu dizia e que, além disso, me pedia desculpa e sentia-se realmente consternado por não prestar a atenção que as minhas aulas mereciam. Acresce a isto que sempre tive uma óptima relação com todos os meus alunos e o que todos os restantes alunos – a esmagadora maioria – diziam das minhas aulas não podia ser mais estimulante e encorajador. Senti-me num impasse. Um impasse que me fez mudar muito. Não posso dar aulas para 98% de uma turma. E o argumento pelo qual “se todos estão atentos e só dois não estão é porque a culpa é desses dois” não me servia para nada. Acredito que é impossível não estar atento a tudo o que merece verdadeira atenção. Assim, alterei grande parte das minhas práticas para garantir que trazia para dentro da aula mesmo o mais irredutível dos alunos. As estratégias que fui aplicando ao longo de dois ou três anos de trabalho piloto levaram-me a adoptar e a menosprezar uma multiplicidade de técnicas até chegar ao ponto de síntese em que hoje me encontro. Disponho hoje de uma carteira de técnicas que me permitem, com bastante simplicidade e sem depender de estruturas complexas, ter a atenção de 100% dos meus alunos. E bem sei que sempre que alguém diz isto soa a petulância e excentricidade. Chegámos a este ponto: o de achar irrealista obter a atenção de todos os nossos alunos. É isto que eu contesto. Se não temos a atenção dos alunos todos então não faz sentido que vão às aulas todos. Iriam só alguns. Se é para irem todos às aulas – e é –, é para que a todos sejamos úteis. De outro modo seria tudo um irresponsável fingimento.

Por outro lado, tinha alunos reservados e tímidos para quem falar em público constituía uma violência. A minha resposta como professor a estes alunos era a pergunta dirigida – dito de outro modo: obrigar o aluno a falar quando ele não quer, nem gosta de falar – ou então dar-lhe uma má nota porque o desgraçado não fala. E isto é tudo menos uma forma profissional de lidar com os miúdos e com a aprendizagem. Encontrei dois sistemas – uma muito low tech e outra com recurso a tecnologia que permite contrapor a esta tradicional condenação do aluno tímido, várias soluções que o ajudem a, não apenas respeitar essa inibição, mas mesmo superar esse poderoso embaraço.

Qual foi a receptividade dos alunos? E dos colegas?

A receptividade às técnicas foi difícil no início e depois entusiástica. Se numa semana estranharam as técnicas, na segunda perguntavam por elas. Tive apenas um aluno que resistiu mais do que todos os outros. Foi um aluno muito importante para mim porque me permitiu avaliar até onde chega o alcance didáctico destas técnicas. Tenho muita estima pelo erro. Acolho-o como oportunidade de diagnosticar e superar dificuldades que, por vezes, nem eu mesmo previ. Em educação tudo demora, mas em educação tudo resulta, se for feito com consistência e dedicação. Por vezes há coisas que parecem bonitas no papel mas que simplesmente não resultam. Precisamos nesse momento de ter o sangue frio para insistir, tal como a coragem de simplesmente deitar a toalha ao chão e passar a outra ideia melhor. É o que tenho feito.

Qual considera ser a mais importante consequência, para si e para a escola/região onde ensina, de ter ganho o Global Teacher Prize Portugal?

Para mim, é o reforço de uma cumplicidade que tenho construído com os meus alunos. Para a minha escola e para a minha região é a alegria genuína que me transmitem por o professor do ano pertencer a esta escola, a este agrupamento, a este concelho, a este distrito. Existe um regozijo autêntico que desenha um sorriso no rosto dos meus colegas, pais, pessoal não docente e alunos. E isso ilumina-nos os dias.

Qual considera ser o impacto do Global Teacher Prize nas escolas e no ensino em Portugal?

Falar de educação pela positiva. Dar a conhecer o que se faz por essas escolas todas do país. Recordar que se todo o país funcionasse tão bem e tão eticamente como se funciona em qualquer escola deste país, muito bem andaria o mundo. Fora da escola ninguém quer saber da tua auto-estima para nada. Isso não acontece dentro de uma escola. Sinto que a Mentes Empreendedoras, entidade que organiza o Global Teacher Prize, sabe exactamente o caminho que percorre, tem os pés bem assentes no chão e quer acompanhar o voo em que singram muitos alunos, escolas e professores. Fala-se muito de educação e os mais falazes são aqueles que não entram numa escola há décadas e julgam que a escola não evoluiu. É um erro crasso. A escola é provavelmente a instituição que mais se adaptou aos novos tempos, sobretudo quando a comparamos com outros sistemas da administração pública.

Se tivesse possibilidade de voltar atrás no seu percurso profissional, faria algo de forma diferente?

Assim, de repente, sim, teria adoptado esta conduta logo no meu primeiro dia de aulas. Mas como não sei se conseguiria chegar a estas conclusões sem os meus demorados anos de carreira, é risível falar do que podia ter sido. Foi como foi. Não sou muito de pensar que “se cá nevasse, fazia-se cá ski”.

Que conselho daria a quem está hoje ou pretende iniciar a sua carreira no ensino da História?

Que está no centro do mundo. A depreciação que a História conhece hoje, amarrada que vai estando a discursos políticos que pretendem transformá-la de novo num veículo conveniente para mercadorias políticas com um prazo de validade há muito ultrapassado, é o principal desafio dos estudantes e divulgadores da História. O Sting diz numa canção maravilhosa que “History will teach us nothing”. E essa visão precisa ser bem conhecida e divulgada. A história não nos ensina nada porque ela ensina-nos absolutamente tudo. A História é o primeiro palco do pensamento político. Sempre foi. Quando há uma mudança de regime político, os livros de história são os primeiros a serem revistos. Estudar história de forma científica é fazer o fact checking dos quotidianos. Nós, historiadores, somos oficiais do escrutínio da verdade. Com todas as limitações que temos e que são menos do que as que se julga, conseguimos distinguir o homem do rapaz, reconhecer a verborreia, desmontar hipóteses e descortinar a sensatez e solidez das teorias. Nesse sentido, conhecer história é uma bóia de salvação contra o atrevimento característico da ignorância.

Que medidas implementaria para melhorar o sistema de ensino em Portugal?

Não se responde a uma pergunta destas sem vagar. Mas posso dizer o seguinte: a escola não serve para preparar pessoas para o mercado de trabalho. A escola serve para criar cidadãos livres e cultos. É isso, de resto, que o mercado de trabalho cada vez mais procura. Dêem-lhes arte, obriguem-nos ao pensamento crítico, imponham obra em vez de conversa, mais laboratório e menos púlpito, mais exegese mediática e menos reprodução indolente, menos exames e mais viagens, mais Antiguidade e menos frivolidade, produzam instâncias de criatividade e de acção e verão o que os jovens farão pelo nosso país, pelo nosso mundo. Garanto-vos que eles farão o que todos desejamos que façam. Serem bem melhores do que nós somos.

As sugestões de Rui Correia:

Livros: Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa, Antero de Quental e Eça de Queiroz – ler tudo.

Música: Dirty Loops, Dave Weckl, Snarky Puppy, Hiromi, Vulfpeck – ouvir tudo.

Projectos: Sair de casa. Ir à procura de amigos antigos. Parar tudo. Brincar com os filhos. Fazer periodicamente figura de urso. Não temer o ridículo.

bottom of page