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Under the Bridge


Não há muito tempo – aquele em que, nos anos noventa do século XX, o mundo aparentava a bonança possível de um sol enganador – alguns media contaminados pelos bons ventos de Porto Alegre e do Povo de Seatle, especulavam com optimismo da comunhão de interesses em se construir uma ponte entre as margens europeia e africana do Mediterrâneo.


«Ground Control to Major Tom»: era quase da igualha da linha de Bowie a verosimilhança que a ideia adquiria. Todavia, «Planet Earth is blue And there's nothing I can do». Quem adivinha os intentos que se movem nas correntes das águas profundas dos povos, dos decisores e do Espírito do Tempo? Quem acreditaria no advento da Perestroika e da Glasnost, escassos meses antes desse sopro de 1986 se transmutar a breve trecho demolidor de muros.


Mas não. A união geográfica das Colunas de Hércules não será para o nosso tempo. Das atávicas razões para afastamento e aproximação já Braudel e Predrag Matvejevic nos tinham avisado de suas clarividentes maneiras. «Ground Control to Major Tom». Para usar uma expressão braudeliana, numa perspectiva de longa duração aquele que temos por nosso mundo mudou abruptamente a partir de 11 de Setembro de 2001. Uma ponte no Mediterrâneo é hoje mais da dimensão eponímica da Utopia de Thomas Morus do que da natureza da real realidade das coisas (im)possíveis.


Que o seja. A este mote ocorre-me que divulgando publicamente os recentes achados da Lisboa Ribeirinha desde o Período Romano aos nossos dias, amiúde, me referi metaforicamente ao Tejo como «uma espécie de Pequeno Mediterrâneo». Uma frase rapace que a memória nas suas clepto-recorrências foi buscar a Orlando Ribeiro ou a um outro alguém? Não sei se a ideia é minha ou de outrem. Não me interessa isso. Interessa-me que me faz sentido, já que o estuário do Tejo se assemelha deveras a um fecundo e hospitaleiro Pequeno Mediterrâneo.


A ideia de que «se pensarmos Lisboa como a grande unidade de Lisboa e Vale do Tejo poderemos competir culturalmente com Madrid ou Barcelona, caso contrário estaremos a bater-nos com o Porto» não é minha. Ouvi a alguém e concordo em absoluto com ela. Mas vejamos, a propósito, o que se expressa na Carta Estratégica de Lisboa 2010/24 (CML), no articulado das conclusões do capítulo dedicado a Identidade e Cultura: «Lisboa é uma cidade diferente das outras capitais europeias, nessa diferença reside a sua atractividade. É uma cidade periférica, mas ao mesmo tempo central em relação ao Atlântico, sendo simultaneamente mediterrânica».


É certo que não teremos em vida uma ponte para o outro lado do Mar do Meio. Mas às margens do Tejo da Grande Lisboa; quantas pontes as já unem?



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