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Um “roteiro de bordo” para os museus, palácios e monumentos do Ministério da Cultura


Luis Raposo

Faz agora pouco mais de um ano, escrevi no jornal Público um texto de opinião intitulado “A prova dos factos, antes do que terá de ser”, referente à avaliação da reforma dos museus do Ministério da Cultura (MC), então em perspectiva. Iniciava-o assim: “Digamos com clareza: não obstante as limitações, o novo regime de autonomia de gestão dos museus do Ministério da Cultura é positivo.” Este é e continua a ser, pois, o meu quadro referencial de fundo e nisso sei que me distingo de muitos outros colegas e amigos, mais negativos do que eu.


Apontava, no entanto, também naquela ocasião, o que considerava constituir uma anomalia grave: “a formação em paralelo [em paralelo ao Conselho Geral de Museus e à própria secção de museus do Conselho Nacional de Cultura] de um grupo de trabalho absurdo… chamado pomposamente de "museus no futuro", grupo que “revela tudo o que de pior existe na política e na administração pública: uma conjugação entre ‘burocracia’ (aqui na versão da ‘interdepartamentalidade’ bacoca e espúria), ‘afinidades’ (partidárias, académicas e de corredor) e ‘deslumbramento’ (típico dos jovens que enxameiam os gabinetes ministeriais), tudo com o resultado ofensivo de, em catorze membros, apenas dois estarem no terreno, ambos directores — como se entre os profissionais dos museus em referência, ou dos seus representantes associativos, não houvesse quem com muito maior propriedade esteja habilitado a reflectir sobre o futuro.”


Mantenho agora tudo o que então escrevi, corrigindo somente, e para pior, o perfil da composição do grupo, que nos exactos termos da Resolução do Conselho de Ministros que o criou (n.º 35/2019, de 18 de Fevereiro) seria composto somente por 11 membros (seis do MC), tendo a adição dos dois únicos no terreno acima indicados sido feita (importaria saber com que suporte legal) por despacho da ministra da Cultura (nº 4.527/2019, de 3 de Maio). E tornar-se-ia também instrutivo reler aquela Resolução e aquele despacho para saber em que sótão ficaram as “personalidades de reconhecido mérito e representantes de entidades, públicas ou privadas, incluindo das organizações representativas do sector da museologia” a serem, não apenas ouvidas, mas convidadas “a participar nos trabalhos”.


Compreende-se, dado este intróito, o cepticismo político com que encarei a criação deste Grupo de Projecto Museus no Futuro (adiante Grupo). Nasceu torto, de tal modo que, quando sondado para o efeito, recusei-me a com ele colaborar uma atitude que tomei, penso que pela primeira vez que me lembre, desde que trabalho em museus... ou seja há mais de quatro décadas. Tudo nele me parecia equívoco, uma daquelas encenações em que os políticos de turno se comprazem, rodeando-se de venerandos e obrigados, às vezes amestradamente críticos, para disfarçar, já que os verdadeiros críticos, nomeadamente aqueles que obtém os lugares não por nomeação superior para por representação da base, esses, são deixados ao longe, embora se diga que são também ouvidos, porque até o periquito o foi.


Dito isto, conhecendo a capacidade e competência de alguns dos membros do grupo, é claro que esperaria que dele pudessem sair ideias interessantes. E lamentaria que, sendo assim, as mesmas pudessem ter o mesmo destino que as de grupos de ungidos anteriores (em parte os mesmos, porque circular em corredor e estar atrás da porta é muito antiga harpa, que os florentinos souberam bem tanger), ou seja, a gaveta. Até que governantes e quem em seu redor volteia não entendam que a melhor garantia da perenidade das boas intenções em que se afadigam é o envolvimento democrático da chamada sociedade civil, e dentro dela, em domínios de especialidade, do respectivo movimento associativo, todos os “agora é que é” do presente, converter-se-ão a prazo breve num “agora já foi” que não terá empaticamete defensores independentes.


Visto agora o Relatório apresentado pelo Grupo, devo dizer que espero sinceramente que não lhe aconteça como destino a gaveta. Mantêm-se, é claro, todos os vícios de fundo e o Grupo não fez aparentemente nada para os superar. Pelo contrário: encapsulou-se ainda mais em si mesmo e dentro de alguns amigos do peito. Seguiu uma metodologia previsível, diria académica (pesquisa bibliográfica, estado da arte, alguma auscultação do meio), intensamente suportada na recuperação de dados e obtenção de outros novos por parte do Observatório Português das Actividades Culturais (OPAC), mas de facto não abriu portas e janelas nas direcções que se requereriam e eram até apontadas pela Resolução do CM que o constituiu. É verdade que se diz ter havido “reuniões presenciais” com representantes de várias entidades europeias, “contactos” com outras e “apresentação de comunicações” em encontros nacionais e internacionais; diz-se também ter havido algumas dezenas de entrevistas, principalmente de directores de Museus, Palácios e Monumentos (MPM) – tudo estimável, por certo, mas longe, quiçá contrário, ao que estabelece a Resolução do CM que diz dever este Grupo “promover o diálogo com os cidadãos, sobretudo os visitantes frequentes, garantindo a sua participação na definição de medidas a apresentar ao Governo, nomeadamente através da realização de inquéritos, sondagens e encontros participativos”. Nada disto foi feito, com o angelical argumento de que se interpôs a Pandemia e tal impediu concretizar uma plataforma em linha e organizar fóruns temáticos – como se qualquer destes recursos não nos tivesse precisamente entrado pelas portas dentro, aliás em excesso, nos tempos de confinamento. Ouviu-se a APOM e o ICOM PT, acrescentando-lhe a Acesso Cultura (curiosa e sintomática escolha)… mas omitiram-se incompreensivelmente alguns dos parceiros associativos mais importantes para esta temática: o ICOMOS PT, o Colégio de Património Arquitectónico da Ordem dos Arquitectos, o Fórum do Património, a Associação dos Arqueólogos Portugueses, o Centro Nacional de Cultura, etc., etc… e, já agora a Federação dos Amigos dos Museus de Portugal, sendo que estes, os amigos e utilizadores dos museus, constituem uma espécie de ruidosos ausentes em tudo isto.


Estas insuficiências democráticas revelam-se em numerosos aspectos do Relatório, que parece ter sido cuidadosamente elaborado para constituir almofada de conforto do actual poder político e do ambiente sociológico fechado do sector da Administração Pública em que se situa. O exemplo mais chocante deste comportamento é o de nunca se ter reflectido na enorme, abissal, diferença institucional e de projecto que existe entre “museu” e “monumento”. De resto, o alargamento do âmbito focal do Grupo de museus a monumentos também, que eu defendo, constitui como que um “milagre dos pães” e, por ser milagre, nem sequer é procurado explicar. Ora, as realidade são muito diversas e tal deveria ser encarado com a frontalidade e “coragem” que obviamente daqui estão arredadas, porque “não convém”: afinal os monumentos são para aqui chamados principalmente porque sem eles o mecanismo de autonomia, baseado em redistribuição de receita solidária, não funcionaria. E no entanto, informa-se, fruto da parceria com o OPAC, que os museus possuem cerca de 70% dos recursos humanos, executam cerca de 70% da despesa e contribuem com somente menos de 25% da receita de bilhética do universo observado, sendo este composto por 37 “unidades” (curioso termo…), das quais 25 museus, 3 palácios e 9 monumentos. Causa profunda estranheza que estes dados, entre outros, não sejam usados para exprimir o quanto os museus (que não são meras “unidades”) requerem tratamento administrativo autónomo diferenciado dos “monumentos”, devendo estes ser usados para o equilíbrio financeiro global do sistema. Não havendo “coragem” para afirmar isto, mais não resta do que quase pedir desculpa quando se referem (e bem) os mecanismos de redistribuição solidária de receita. Na mesma linha de falta de “coragem” (na realidade falta de independência social) para colocar questões políticas difíceis, causa assombro que se antecipem já, defensivamente, possíveis cenários de retirada do conjunto observado de mais algumas “unidades” produtoras líquidas de receita (o fantasma de Belém paira sempre no ar… agora quiçá acrescido do de Guimarães e alguns outros, no contexto da pseudo-regionalização em curso) e em relação a algumas das que já saíram, como em Sintra, se sugira apenas, timidamente, o regresso aos respectivos órgãos societários, sem colocar frontalmente ou a regressão da alienação dos principais palácios (pelo menos estes) ou a opção de revisão do leque de contrapartidas financeiras… ou até, somente, a reclamação da revisão dos critérios muito discutíveis adoptados pela administração daquela entidade societária quanto a constituição de reservas para exercícios vindouros – as quais finalmente as Finanças começaram a controlar, mas sem glória nem proveito do MC.


Referi antes alguns dados obtidos pelos estudos do OPAC e esta é uma das grandes mais-valias do Relatório, embora tivesse sido desejável ser mais selectivo na amplitude de dados fornecidos e menos prolixo no comentário, que amiúde parece balançar entre o exercício académico (é tipicamente o caso do primeiro capítulo: Da sociedade para o património) e a eventual justificação de custos (caso do segundo: Indicadores de caracterização), num contexto de Grupo que se diz ser totalmente benévolo (e onde somente um membro, a coordenadora, se lhe dedicou a tempo inteiro) e deveria apenas, nos termos da Resolução de CM que o criou, “solicitar a colaboração, a título gratuito, de quaisquer serviços ou organismos públicos, bem como de entidades, instituições, associações ou personalidades de reconhecido mérito.” Esta ligação umbilical, promotora do dito pendor académico excessivo, tendo como disse um lado bom, possui, pois, os efeitos secundários do aprofundamento de certas matérias pôr em maior evidência a superficialidade no tratamento de outras (não é um “livro branco” previne o Relatório, et pour cause…).


Ilustremos através de dois exemplos, um positivo, outro negativo, esta sensação de desequilíbrio, onde quem é do meio percebe bem agendas favorecidas quer pelo poder político, a quem cumpre agradar, quer pelos membros do Grupo, a quem cumpre satisfazer.


No primeiro caso, a relação a estabelecer entre todas estas “unidades” (mais uma vez, sem referência especial aos museus, como deveria ser o caso) e as áreas da formação superior e da investigação científica. Tudo o que neste sentido se propõe é positivo e merece grande aplauso. Mas sabemos como se trata de abrir porta já pelo menos entreaberta. Eu mesmo participei em reuniões com a ex-secretária de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Fernanda Rollo, no sentido da abertura de linhas de bolsas FCT para pós-graduações e projectos de investigação apropriados para cada museu, a serem sediadas nos mesmos, que deveriam ser equiparados a centro de investigação (como aliás o Museu Nacional de Arqueologia, por exemplo, chegou a ser há anos atrás, quando ainda o dirigia). Haverá algum ingénuo que não entenda como estes objectivos, justos em si mesmos, soam também como música celestial a quem vê condições de a curto prazo fazer um brilharete político (é elucidativa a selecção de benfeitorias deste Relatório apresentadas pela ministra da Cultura, nas suas declarações à agência LUSA)? E, já agora também, a quem vê aqui oportunidades (legítimas, de resto) para arranjar ocupação para “os seus meninos”, pós-graduados em risco de desemprego?


Sendo assim para o Ensino Superior e a Investigação Científica, constata-se que para o caso dos Ensinos Básico e Secundário quase nada é dito de concreto. Azar do Grupo não ter tido nenhum membro com efectivo conhecimento destes graus de ensino (aquele que o Ministério da Educação indicou, vá-se lá saber porquê…, não o tinha e parece que até abandonou intempestivamente o lugar). Esta quase omissão choca tanto mais quanto se verifica pelos dados do OPAC que as visitas aos museus guiadas por professores têm vindo a diminuir desde 2010 e não conseguem (nem devem) ser compensadas pelas visitas dos serviços educativos dos museus. Claro que a páginas tantas se fala em “acordo de cooperação como Ministério da Educação”, em recomendação desdobrada em três sugestões interessantes, mas com inegável sabor a muito pouco e vago. A frente educativa dos museus deveria merecer outra atenção e não parece ter havido nem no Grupo, nem nos seus mandantes, quem tivesse defendido esta dama.


Outras áreas praticamente a descoberto são as que se relacionam com o conceito de “museu nacional” e o planeamento estratégico da respectiva rede (vem-nos sempre à memória o Algarve, por exemplo), matéria tão relevante como a das políticas de aquisições e reorganização de acervos, e bem assim as políticas externas. Estas últimas assumem particular acuidade e requerem acção diplomática pró-activa na busca de parcerias bi- e multilaterais. Os museus, eles mesmos, devem ser incentivados à inserção em consórcios capazes se candidatarem a programas da EU e possivelmente ganharem projectos em áreas bastante diversas e às vezes muito bem financiados. Ora, é certo que também aqui se diz algo (fala-se em criar um “gabinete de apoio”… mais um, embora neste caso mais justificado do que noutros casos; fala-se em programação de “exposições nacionais”, que devem envolver cooperação com os Negócios Estrangeiros; propõe-se a criação uma “bolsa de consultores externos”, no âmbito da RPM)… mas tudo é escandalosamente pouco: exigir-se-ia que fosse considerada a recomendação da criação de um departamento na tutela especificamente consagrado a esta matéria, ou pelo menos à promoção da participação nos diferentes e tão díspares programas europeus relevantes.


Uma vez que refiro a proposta de criação deste novo organismo, é oportuno passar aos lados mais positivos deste Relatório que, como disse, são muitos e sobrelevam as insuficiências. Seria neste sentido indicado percorrer a lista das 50 recomendações (39 dirigidas à tutela, 11 aos MPM), distribuídas 10 a 10 pelas 5 linhas de acção consideradas. Descontando o fétiche dos números bonitos (porque não 12 ou 8 recomendações em cada linha de acção?), em que os exercícios deste tipo são useiros (ainda que, neste caso, servido por texto escorreito e muito agradável de ler, quer dizer, sem o embebimento em terminologia e fraseologia da moda, que irrita supinamente), é para mim fora de dúvidas que se trata de um acervo de propostas muito valioso, sendo difícil destacar apenas algumas.


Em todo o caso, passemos em revista as ditas recomendações, salientando as que, em meu entender, são mais positivas ou constituem as traves-metras do Relatório.


No âmbito da Gestão de Museus, sem dúvida a mais desenvolvida e melhor fundamentada linha de acção, as três recomendações iniciais constituem o núcleo duro da reforma administrativa que verdadeiramente se impõe. Um instituto público com capacidade de gestão operacional de receita é essencial. Veremos até que ponto esta e as seguintes recomendações serão acolhidos pelo MC, com calendarização em termos politicamente credíveis. Ou se, entre elogios e declarações pias, serão remetidos para melhor oportunidade, quando “houver possibilidade”. Também se saúda a referência à necessidade de avaliação de transferências já feitas para municípios. Apenas se lamenta, e não é pequeno este “apenas”, a falta de coragem para pelo menos colocar a questão das transferências em perspectiva para as CCDR, que pessoalmente defendo (com extinção das DRC), mas constitui tabu discutir, porque parece que os serviços do MC se encontram em “estado de negação” e a direcção política superior é quase irrelevante no conjunto do Governo: razões mais do que suficientes para que o Grupo tivesse evitado o assunto. Das restantes recomendações, algumas já referi, mas fica pelo menos uma muito bem vista, que facilmente colocaria no plano prioritário das primeiras três: a da criação de um Programa Integrado, financiado com verbas interministeriais.


Quanto a Redes e parcerias, confesso que não consideraria urgente realizar mais um inquérito ao panorama dos museus portugueses, mas daria, sim, toda a ênfase ao relançamento da RPM, fazendo-a regressar à pureza original de estrutura cooperativa inter-pares (e não de departamento de qualquer serviço central do Estado). “Museus-âncora”, redes temáticas… certamente, o mais possível, retomando aquele que seria o desenvolvimento natural da RPM, quando começou a estiolar. E finalmente aqui (das relações com a FCT já falei) importa referir as ligações com o turismo, infelizmente também elas insuficientemente desenvolvidas. Parcerias, parcerias, parcerias… Óptimo, mas sabe a muito pouco como propostas operacionais concretas. Que tal, por exemplo, fazer inserir o referido novo instituto público na estrutura de governança do Turismo de Portugal? Ou criar nesse âmbito linhas concretas de financiamento para a promoção dos MPM e a elaboração por estes de conteúdos nesse sentido? Ou estabelecer a este nível uma relação mais eficaz de financiamento das ditas “exposições nacionais”? Ou criar em vários MPM centros de formação para profissionais do turismo, validados pelo IEFP?


A linha Transformação digital aparece como a mais expectável e seguramente a que menos me entusiasma. Tudo, ou quase, nela merece acordo, ainda que se pressintam portas abertas para demasiadas estruturas de acompanhamento (com os respectivos lobbies por detrás). Mas, enfim, desde a actualização de equipamentos e programas (na realidade, mais do que actualização e modernização trata-se de estabelecer uma política de aquisição de raiz e de parques para uso comum) até à partilha de informação e recursos, tudo está bem, salvo que me parece algo esdrúxulo o desdobramento feito neste apartado, quando por exemplo se não desenvolve, como já salientei, os programas de relacionamento com a escola ou a formação prática em exercício de professores (também aqui alguns MPM deveriam criar centros neste sentido, certificados pelo CCPFC). Igualmente estranho que se fale em “reforço e alargamento sistemático da digitalização dos acervos”, excelente por certo, mas se omitam propostas concretas de inserção de conteúdos em portais como o Europeana, que ademais constitui opção estratégica da EU, face a outros, nomeadamente o Google Arts & Culture mais incautamente valorizado pelo MC.


A linha de acção sobre Gestão de Colecções constitui para mim o mais saboroso lenitivo deste Relatório (depois das medidas estruturantes iniciais, entenda-se). Penso que assim será também para quem trabalha efectivamente em museus. Mas deveria ser substancialmente mais desenvolvida, desde logo no plano de uma estratégia para as reservas museológicas e afins (recordemos que falamos também de palácios e monumentos, incluindo nestes sítios arqueológicos) e das exposições partilhadas. O mesmo se diga no reforço de equipas e procedimentos de conservação preventiva. Quanto ao resto, bom, ele é o previsível, entre formação contínua e diversos objectivos de amanuência, interessantes, mas eventualmente dispensáveis incluir neste Relatório, senão para perfazer os tais números de redondos de 10 x 5 = 50, conforme assinalei antes.


Finalmente, fala-se de Públicos e mediação. Algumas propostas merecem particular aplauso: o alargamento e diversificação de horários, a bilhética conjunta, os grupos de consulta comunitários, a capacitação para trabalhar com diferentes públicos e utilizadores, nomeadamente os sub-representados e até os chamados “não-públicos”, etc.. Outras, são meros enunciados de quase lugares-comuns recorrentes sempre que se fala de museus: acessibilidade física e comunicacional, boas estatísticas, acordos de cooperação com o Ministério da Educação (a que já me referi antes). Sentem-se aqui efeitos de algum activismo de causas fracturantes – o que em si poderia não ser de todo mau, se fosse realmente concretizado. Mas não, verifica-se uma falta de apresentação de medidas concretas algo surpreendente, porque em geral o Relatório procura fazê-lo. Por exemplo: quando se fala em bilhética, deveria ser-se mais concreto na indicação de linhas operacionais para a promoção activa da aquisição a distância, via Internet, com a elaboração de acordos com as plataformas existentes, tanto nacionais como internacionais; quando se fala de divulgação e co-produção, deveria propor-se um programa transparente e concreto de envolvimento de artistas contemporâneos no fornecimento de produtos para venda em lojas; quando se fala em inclusão comunitária, deveria ter-se em conta não somente as comunidades de vizinhança, mas os diferentes segmentos de utilizadores dos museus. Neste sentido importaria falar um pouco dos “amigos”, quer dizer, das potencialidades e debilidades da situação actual e de como as ultrapassar. Importaria também voltar a insistir na vantagem de em certos museus existirem conselhos científicos.



Enfim, um Relatório que supera francamente as expectativas que tinha à partida e que importa ler e comentar, ainda que fora do contexto de uma fictícia “consulta pública”, praticamente impossível no mês que corre e dentro do curtíssimo prazo estabelecido. Se as minhas expectativas seriam já positivas no plano técnico, elas foram largamente ampliadas pelo elenco de recomendações, quase todas pertinentes, embora em graus diversos, que podem fazer deste documento uma espécie de “roteiro de bordo” para o futuro. Não direi “livro branco”, porque ele próprio reconhece ser excessiva tal qualificação, atentos os desequilíbrios que evidencia e o Grupo atribui somente, com grande auto-indulgência, à falta de meios financeiros e à pandemia. Seja-lhe todavia permitida esta benevolência, porque de facto, para o tempo que tiveram os seus membros, sendo mais a mais manifesto ter havido graus de envolvimento muito desiguais, trabalharam bem, ainda que suportados na providencial e privilegiada relação da sua coordenadora com o OPAC. Pergunto-me, todavia, se dentro do ambiente enclausurado pouco democrático em que foi feito, terá condições, como esperançadamente se pretende, para produzir efeitos até 2030. Ou se será atirado para uma gaveta na primeira alteração de maioria governativa, senão de ministro da mesma, sem aí haver quem civicamente suporte, porque sentirá, como Zé Povinho de Bordalo, que não passa de mais um teatrinho, dentro do jogo de máscaras do Terreiro do Paço.


NOTA: A Versão Preliminar do Relatório Final do Grupo de Projecto Museus no Futuro encontra-se disponível para recolha de comentários e contributos até ao próximo dia 31 de Julho, sendo que a versão final do Relatório estará concluída em Outubro de 2020.


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