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Três “C”: Cultura, Cidade, Cidadania


A cultura, enquanto sector de concepção e actuação de políticas públicas, não deve ser uma área acessória, não deve ser apenas uma flor na lapela (há muito que não utilizava esta expressão, mas o tema continua, infelizmente, a justificar a dita). Deve ser algo estruturante e central. No discurso e na ação. Nos programas e nos meios. Na acção governativa a várias escalas, nomeadamente local. Para uma política cultural substancial deverá verificar-se uma complementaridade entre uma visão estratégica e um conjunto de ferramentas práticas que lhe dê corpo e operacionalidade ao serviço da cidade e dos munícipes. Quem vive a cidade, não só na cidade, é cada vez mais exigente e percebe que o panorama cultural é essencial. Desde logo na perspectiva da oferta cultural, por motivos de recreio, lazer, importantes para uma vida equilibrada e com qualidade.


Numa abordagem mais aprofundada temos de perceber que a cultura, na sua diversidade e complexidade, é bastante mais do que entretenimento e tal deve ter reflexos claros nas políticas públicas a desenvolver. Oferta de espaços e programação culturais, uns mais formais outros menos, uns mais específicos, outros mais polivalentes, que espelhem e em simultâneo promovam essa diversidade, essa substância, onde há espaço para a reflexão, o debate, o deleite, mas também a formação, individual e de cidadania. De iniciativa municipal, ou num meio urbano como Lisboa, com forte presença estatal dada a sua condição de capital, mas também de entidade privadas, de natureza associativa ou empresarial, toda uma rede que assim deve ser considerada e articulada, na medida do viável.


Uma referência particular ao universo museológico, embora nesta ocasião não me queira fixar no mesmo. Neste ano de “O Poder dos Museus”, o poder de alcançar a sustentabilidade, o poder de inovar na digitalização e acessibilidade, o poder da construção comunitária através da educação, o poder de ser palco e de dar palco, o museu como espaço relevante de preservação e valorização de património cultural e em virtude disso e de forma complementar a isso promotor de reflexão, conhecimento e debate, que interpele o cidadão, que o envolva como testemunho essencial e fim último da sua missão.


Defendo que o Estado existe para servir os cidadãos e não o inverso. Como também defendo que há (deve continuar a haver) serviço público prestado por entidades e organizações não estatais. Para uma sociedade civil forte será útil aprofundar-se o caminho de uma lógica mais municipalista. Dito isto, o poder local, de verdadeira proximidade, é o que, tendo meios reforçados, condizentes com as suas atribuições e competências, que poderão (deverão) crescer tendencialmente (per si e/ou por transferência do Estado central), poderá prestar melhor serviço público, isto é, melhores soluções para os problemas concretos das pessoas e melhores respostas aos seus anseios, necessidades e às várias vertentes da vida em comunidade.


O sector cultural, ao nível local, os seus agentes, o cidadão em geral, deverão encarar os municípios como promotores da diversidade da oferta cultural. Estes não se devem arrogar no exercício de funções de programador ou de curador nas várias expressões artísticas, antes dar espaço e palco a boas propostas, tendo presente naturalmente a finitude de recursos e o estabelecimento de prioridades, contribuir para as dinâmicas que reflictam essa multiplicidade de possibilidades, mais consentâneo com uma sociedade que valoriza a Liberdade, o pluralismo, a qualidade e a exigência. Não apontar um caminho, mas abrir portas para acessos diversificados que impulsionem vias plurais, que tanto permitam que haja espaço para a convergência como para a divergência, para a preservação do passado, como para a criatividade que constrói no presente, o futuro, e que afinal tanto estão ligadas e interligadas.


Um museu, um monumento, um arquivo, um teatro, um cinema, uma biblioteca ou outro espaço cultural mais informal são parte de uma rede, desde logo da oferta cultural de uma cidade, que se quer articulada e a trabalhar em conjunto, mas também elementos vitais de uma comunidade que se quer desenvolvida de forma sustentável, que exige e coerentemente participa na sua construção.



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