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Para Acabar de Vez com os Museus


Ocorreu-me este título, uma adaptação evidente de “Para Acabar de Vez com a Cultura” (Getting Even, no original), texto da autoria de Woody Allen, para me reportar ao universo museológico.


Não vou insistir tanto, nesta ocasião e como poderia fazer adivinhar este título, na escassez de recursos financeiros e humanos que continuam a não permitir que seja viável uma verdadeira política museológica nacional, que respeite e cumpra o que vem consagrado na legislação que vigora para o sector. Quero antes abordar numa outra perspectiva, aquela que questiona uma linha de pensamento (e de acção) que aparenta querer abdicar, para não dizer eliminar, de determinados conceitos museológicos, desvalorizando os que sublinham épocas passadas da nossa História e respectivas dinâmicas museográficas que lhes dão vida no presente, para dar lugar a uma instalação da contemporaneidade, ou aquilo que alguns alegam ser a contemporaneidade.


Temos a polémica recente da reconfiguração do Museu Romântico da Quinta da Macieirinha no Porto. “O espaço despiu-se dos adereços de casa burguesa oitocentista e vestiu-se de contemporaneidade", foi afirmado aquando da apresentação da agora “Extensão do Romantismo” do Museu da Cidade do Porto. O que seria fazer algo similar ao Palácio Nacional da Ajuda, antiga residência real, por exemplo?! Ou aqui ao lado em Madrid, acontecer algo semelhante ao Museu do Romantismo ou ao Museu Cerralbo, para não dizer ao Palácio Real! Impensável, diria eu…


No caso portuense, e não sendo em rigor uma casa-museu, é (ou era, mas espero que volte a ser) uma casa do século XIX musealizada de acordo com critérios históricos de recriação de ambientes e vivências da época, apresentada com base nesse conceito e tendo essa missão. O argumento utilizado pelo director artístico do museu (ainda estou para perceber o que significa esta função em contexto museológico) no sentido de, alegadamente, o museu em questão já não servir a sua comunidade, não colhe, pois é (ou era…) o museu municipal do Porto mais visitado, o que só por si pode não dizer tudo, mas diz muito. Tem tanto de elucidativo, como de representativo e ilustrativo também.


Mas não quero centrar o artigo neste episódio da vida anti-romântica. É perfeitamente possível, e até desejável, que em espaços como as casas-museu, os palácios/ residências históricas musealizadas ou outros similares, cujo conceito passa por critérios históricos de musealização e pela recriação fundamentada de ambientes de época, haja um diálogo actual e actualizado com a contemporaneidade, na sua diversidade naturalmente, inclusive de expressões artísticas múltiplas. De resto, já têm ocorrido vários exemplos nesta linha, como a exposição da artista plástica Joana Vasconcelos no Palácio Nacional da Ajuda (PNA) em 2013, que não sendo um caso propriamente exemplar a meu ver, teve forte adesão por parte dos públicos. Mas poderia citar outros tantos, nomeadamente no próprio PNA, como “Um olhar sobre o Palácio”, projecto mais antigo com várias edições ou outros mais recentes, de 2019, como a exposição “VII Mostra de Artistas Argentinos em Portugal” ou “O Caminho do Olhar/El Camino de la Mirada”, no âmbito da bienal Mostra Espanha 2019.


O diálogo entre culturas, entre épocas e expressões culturais é uma via a incentivar, sem dúvida, mas com compromisso, sem o recurso a soluções radicais, que nesta circunstância pretendendo actualizar o discurso museológico, acabam por significar uma ruptura abrupta, passando a redundância, um desmantelar de instituições que são relevantes e uma mais-valia para a comunidade e os públicos que servem, bem como contributos para a valorização do património cultural. Mais museólogos/as precisam-se, acrescento!


A promoção da diversidade é celebrada, precisamente, no âmbito das Jornadas Europeias do Património deste ano, a acontecer nesta altura, com o mote “Património Inclusivo e Diversificado”, através do tema partilhado do “Património de, por e para Todos, porque o património é nosso.” Tenho insistido, nomeadamente em vários dos artigos de opinião nesta plataforma, que a Diversidade deve ser particularmente valorizada, é uma fonte de riqueza, por maioria de razão quando aplicada à área do património cultural. A diversidade patrimonial, também nos seus conceitos, tipologias e potencialidades, representativa do processo (longo e sempre em curso) evolutivo da humanidade, na sua multiplicidade cultural, no diálogo, encontro e confronto de culturas que se contaminam mutuamente. Tal acontece com uma outra intensidade, tendencialmente crescente, num mundo globalizado, que se pretende (pelo menos eu pretendo) que não seja padronizado, que o padrão vigente, ou um dos, não seja a hegemonia de padrões que anulem ou não respeitem o que não está inserido nessa circunferência. A Diferença, o Outro, assumidos como engrandecimento e não como foco de conflito e de choque, reconhecendo que, com efeito, estes existem e verificam-se, mas devemos ir no sentido da sua mitigação, numa perspectiva de integração e inclusão, em suma, numa visão plural, assumidamente plural.


Dito isto, no campo dos museus há um caminho ainda longo a percorrer no trilho da inclusão, física, mental, conceptual e legal, as acessibilidades na sua pluralidade de formas e meios, também na diversidade e na sua importância efectiva. E afectiva. Quando se altera o conceito de um museu que tem cumprido, no essencial, a sua missão e objectivos, que ainda permanece relevante para a comunidade, que é bastante visitado por vários tipos de público, quando se actua com radicalismo, sem compromisso, sem diálogo, sob a capa da actualidade e da contemporaneidade, tal não é evoluir, não é contribuir para um desenvolvimento sustentável, é dar um passo para acabar de vez com os museus. E isso é inaceitável e condenável. Há uma diversidade de caminhos, de visões de integração na contemporaneidade. Este não será um deles. Pelo menos, é profundamente recomendável que não o seja. Ninguém quer caminhar sem olhar para os lados em direcção a um abismo. Certo?


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