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Outros olhares, para uma melhor reabilitação!



Em Julho de 2019 entrou em vigor um Decreto-lei (95/2019) que estabelece o actual regime aplicável à reabilitação urbana, e que surgiu como o corolário do projecto “Reabilitar como Regra”, uma resolução do Conselho de Ministros do anterior governo (170/2017). Pretendeu-se através do mesmo adequar a legislação às intervenções no edificado antigo, uma vez que a legislação existente se encontrava orientada essencialmente para a construção nova.


Para além das lacunas presentes na lei, o diploma legislativo faz eco dos vários alertas e discussões que se foram produzindo ao longo dos últimos 10 anos, onde a articulação dos padrões de segurança, habitabilidade e conforto, salvaguarda dos elementos patrimoniais dos edifícios, e interesses económicos existentes, foi surgindo como uma das questões mais recorrentes e que mais problemas vinha colocando no âmbito da execução de projectos de reabilitação.


Sem entrar numa análise exaustiva do diploma – que justificaria um texto só para o efeito – queria, contudo, centrar-me no artigo 4º, onde se definem os princípios fundamentais da reabilitação de edifícios. Este artigo, para além de trazer uma definição até então inexistente na lei, convoca novos profissionais para os projectos, decorrendo daí novos desafios no que à partilha de decisões diz respeito.


Pode ler-se no mesmo, que “a actuação sobre o edificado existente deve sempre integrar a preocupação de uma adequada preservação e valorização da preexistência (…)”; e que “a protecção e valorização das construções existentes assenta no reconhecimento dos seus valores: a) artísticos e estéticos; b) científicos ou tecnológicos; c) socioculturais”.


Com a consagração na lei da necessidade de valorização e preservação da preexistência, que surge ligada a valores artísticos, estéticos e socioculturais, introduz-se uma dimensão patrimonial neste tipo de projectos que inevitavelmente leva à inclusão de profissionais da área do património cultural, cuja presença se vinha fazendo de uma forma discricionária e dependente da sensibilidade dos projectistas e donos de obra.


O que este texto faz é dizer que a par dos profissionais que têm assumido um protagonismo exclusivo nos projectos de reabilitação (arquitectos e engenheiros), passam a ter que estar envolvidos outros no momento da definição dos objectivos e princípios orientadores, como sejam historiadores, historiadores de arte, conservadores-restauradores, arqueólogos e profissionais das ciências sociais. Este aspecto significa uma nova forma de pensar a reabilitação arquitectónica, ao arrepio do que foi feito nos últimos anos.


Com este novo entendimento surgem um conjunto de novos desafios relacionados com a multidisciplinaridade, com a construção de consensos em torno de valores subjectivos («preservação», «valorização», «memória»), com a delimitação da autonomia dos diferentes intervenientes nos projectos, e com a harmonização dos diferentes valores presentes nos mesmos e respectiva hierarquização.


Com a formação a assumir um carácter preponderante nesse contexto (uma formação especializada, entenda-se) não me sai, contudo, uma frase da cabeça que li no prefácio do livro «Professionalism in the built heritage sector», publicado pela CRC Press, em 2019. Aziliz Vandesande e Koen Van Balen defendem que, no que diz respeito ao diálogo entre os profissionais do sector, qualquer base de entendimento deve situar-se para lá dos intervenientes, devendo os interesses do património sobreporem-se aos interesses individuais.


Quando sentamos vários profissionais a uma mesa e lhes pedimos consensos, inevitavelmente transportam consigo o peso da história, simbolismo e valor social das profissões que representam. Transcender essas representações é o principal desafio que se coloca nesse processo. Um desafio difícil, complexo, mas que no caso do património cultural significa responder a necessidades de preservação e salvaguarda de elementos que assumem um papel único nas comunidades.


O novo regime que enquadra os projectos de reabilitação pretende consagrar uma nova forma de olhar o edificado antigo, depois dos muitos exemplos de destruição de património levada a cabo no passado. A bola está agora do nosso lado, e na nossa capacidade de acompanharmos a mudança proposta e mudarmos a forma como nos relacionamos entre pares, em prol do património cultural.


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