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Museus, Covid-19, curto e longo prazo


Continuamos mergulhados na crise pandémica e talvez dela não nos libertemos por completo antes do final do ano. Mesmo 2022, começa a duvidar-se seja de regresso pleno “à normalidade”. E mais se duvida do que queira dizer “normalidade” para futuro mais além…


Daqui retirarão uns que se torna ocioso reflectir a prazo maior do que o do décimo segundo estado de emergência, já prometido, e que nos levará até a Páscoa de 2021. Outros, entenderão que antes pelo contrário, vale a pena observar o curto prazo, matizando-o depois com o longo prazo, para daí melhor preparar o futuro. É o que procurarei aqui fazer, através de dados (gráficos e quadros) mais do que por palavras, que na verdade nesta ocasião apenas os embrulham.


Comecemos pelo curto prazo e pelo universo restrito dos mais visitados museus, monumentos e palácios nacionais sob gestão da DGPC.


Figura 1.

Na Figura 1 observam-se os dados referentes aos 12 mais visitados em 2019 (pré-crise) e 2020 (crise pandémica). Antes do mais, evidencia-se a descomunal queda do número de visitantes: mais de 70% em geral. Isto já sabíamos pelas notícias que vamos lendo. Mas, feita a análise de cada um deste "top12" (gráfico de barras pequeno), revelam-se alguns detalhes muito relevantes: no extremo da maior perda de visitantes está o Museu Nacional dos Coches (em 2020, com apenas 8,5% dos visitantes de 2019), seguido do Museu Nacional do Azulejo e do Mosteiro dos Jerónimos (ambos na casa dos 21%). No extremo oposto, o Museu Nacional da Resistência e Liberdade, em Peniche (46,7%), o Museu Nacional de Arte Antiga (38,5%) e o Convento de Cristo (36%). Este comportamento tão diferenciado resulta em posições diferentes no “ranking” (quadro pequeno): os Coches passam de 6º para 12º, Mafra sobe de 5º para 2º e Peniche de 12º para 8º.


É certo que existem circunstâncias específicas que podem explicar algumas destas alterações: em Peniche, o mero efeito da novidade contribuiu para aumentar os números; já o encerramento do núcleo do Picadeiro, no caso dos Coches, soa a fraca razão para tamanho tombo. Haverá, pois, particularidades. Mas o que, sim, de toda a evidência, está por detrás do que se documenta é a quebra fragosa do turismo internacional de massas. Lá onde do antecedente os museus, monumentos e palácios já estavam mais dependentes deste segmento, é onde mais caíram. Inversamente, onde os públicos nacionais eram maiores, menos caíram. Houve até, em alguns casos (Peniche. Arte Antiga, Mafra…), uma significativa recuperação relativa destes últimos, os nacionais. E se o universo de análise fosse mais alargado, incluindo os museus das DRC e das autarquias, sobretudo no interior do País, verificaríamos que chegou mesmo a suceder aumento não apenas relativo como absoluto do número de visitantes nacionais em 2020.


Verificamos, assim, que existe grande potencial de crescimento no segmento dos públicos nacionais, aqueles a quem, em primeira linha sobretudo os museus, mas também em menor medida os monumentos e palácios nacionais, se deveriam dirigir, na sua mais perene função de como escolas de cidadania – a única que, no meu entender, lhes garantirá futuro pelo menos a prazo tão longo como já têm de passado. Eis, pois, uma primeira lição para os tempos que ai vêm: apostar mais e mais nos públicos nacionais e ser criativo, muito criativo, no lançamento de políticas públicas que os favoreçam. Gratuitidades amplas, estão bem. Mas não chegam: é preciso programação orientada para esse efeito e são necessárias medidas promocionais mais audaciosas. Um exemplo basta, para vincar o que digo: no dia em que em determinada semana, em todo o país, seja oferecido um bilhete de família para visitar um qualquer museu nacional a quem compre um bilhete de futebol; e, noutra semana, o seja também para compras de bilhetes para concertos e espectáculos de variedades; noutra ainda, para compras em livrarias, ou em lojas de comida rápida; etc., etc…. nesse dia começaremos a ver os públicos nacionais afluir mais aos museus.


Figura 2.

Depois… bom, depois há o confronto entre museus e outros equipamentos ou ofertas culturais (e mesmo desportivas) e o quanto ele é animador em benefício dos museus. Na Figura 2 apresentam-se os dados de 2018 e 2019, últimos anos antes da crise pandémica, para cinemas, museus, espectáculos de variedades, exposições temporárias e publicações periódicas. Apenas dois destes domínios, cinema e museus, cresceram de públicos. No caso das publicações periódicas, o decréscimo foi dramático (menos 10,8%). Ainda aqui existem circunstâncias particulares: é óbvio que grande parte do decréscimo das publicações periódicas se deve ao desvio de leitores para os suportes digitais, cujos conteúdos continuam a ser em grande medida não directamente pagos. O cinema cresce bastante em percentagem (5,2%), mas continua a ter significativamente menos espectadores do que visitantes têm os museus.


Figura 3.

Mas a verdadeira elucidação das dinâmicas aqui observadas apenas pode ser obtida pela análise da longa duração. É o que se se faz na Figura 3, onde se consideram duas décadas, de 2000 a 2019 e se alarga o leque de ofertas analisado. Ora, neste enquadramento, verifica-se que o cinema não cresce e encontra-se ainda abaixo de 2000 (tido como indicador percentual 100). O mesmo se diga, para muito pior, da circulação de periódicos por habitante (apenas 35% do valor de há duas décadas!). Inversamente, os museus crescem, cerca de 350% dos visitantes que tinham em 2000, um crescimento que consegue ser maior do que o dos praticantes de desporto por 1000 habitantes (pouco mais do que 200%).


Para sermos justos, devemos dizer que outros domínios da Cultura não representados no gráfico, apenas por questões da sua expressão gráfica, subiram ainda mais do que os museus: os teatros, que desceram entretanto para crescimentos idênticos aos dos museus, chegaram a atingir taxas um pouco superiores e 400%; e sobretudo os espectáculos de variedades que explodiram, especialmente na última década, estando hoje próximo de uma taxa de crescimento de 1000% (!) relativamente a 2000. Seja como for, os museus não se saem nada mal da comparação e seriam até consideravelmente favorecidos se a base de dados usada não fosse a do INE (que, como se sabe inclui “todos” os museus, mesmo os mais pequenos, e exclui os monumentos nacionais, verdadeiros blockbusters do sistema).


Ou seja e em conclusão: não somente a crise pior que passamos nos revela potenciais de crescimento relevantes junto dos públicos nacionais, dos quais porventura já muitos descriam, como no longo prazo a comparação com outras ofertas culturais demonstra que os museus as ombreiam, e mesmo superam, nas dinâmicas que evidenciam.


Falta o quê, então, para o futuro? Bom, faltam duas coisas, ambas extraordinariamente simples e difíceis em simultâneo: bons profissionais e boas políticas, quaisquer deles e delas atentos mais à longa duração do que ao mero fogacho. E, já agora, se pedir não fosse demais, faltam profissionais menos dados a salamaleques e frequência dos corredores do poder e falta poder menos dado a favorecer correligionários e amigos – daqueles que apenas dizem "ámen" ou se amestraram em sabiamente moldar as críticas aos limites do “parece bem”, a que chamam “civilizado” – por oposição talvez aos tempos bordalianos, em que se chamavam as coisas pelos respectivos nomes.


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