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Mais algumas notas sobre os concursos para Directores de Museus da DGPC




Anunciados quase todos os resultados dos concursos da DGPC para cargos dirigentes que foram lançados nos últimos anos,[1] restam apenas dois casos sem nomes publicados, o do Museu Nacional da Música e o do Mosteiro de Alcobaça — e em Agosto próximo passam dois anos sobre o envio das candidaturas. Ainda assim, para o ICOM Portugal este parece ter sido o momento propício para uma reflexão sobre os perfis escolhidos para os dirigentes mais importantes do universo museológico português. O recente texto do ICOM Portugal sobre o assunto, divulgado em Maio, apresenta, com efeito, uma série de pontos importantes. Como o concurso já foi realizado e as escolhas já foram feitas, daí resulta um manifesto que deverá ser pertinente para uma futura reedição destes concursos, e um desejo de ver os museus portugueses nas listas dos melhores do mundo; este texto segue-lhe a intenção com mais algumas notas complementares.


É curioso, desde logo, que o ICOM Portugal tenha destacado o “peso excessivo da universidade” na composição do júri, quando a lei não garante a presença de nenhum jurado académico — quando muito, dois jurados (em cinco) “de reconhecida competência na área museológica ou patrimonial” poderão mais facilmente vir (mas não necessariamente) do meio académico, dado o facto de serem designados por instituições de ensino superior.[2] Ora quando se observa a formação dos diretores dos maiores museus do mundo, um aspeto que chama a atenção é a sua formação ter-se desenvolvido em área afim daquela a que a instituição se dedica, articulando-se em profundidade o seu conhecimento numa determinada área de especialização. Além do mais, entre as principais instituições internacionais não há dirigentes sem mestrado ou doutoramento. A razão para que os títulos académicos sejam levados em conta de maneira bastante séria é óbvia: os museus são, também, instituições de fomento da investigação. Preservam acervos que devem ser estudados tanto para apurar a sua conservação, como para produzir conhecimentos novos, a ser apresentados ao público e à comunidade científica. Não são raros os casos de grandes descobertas realizadas dentro dos próprios museus. Da mesma maneira, espera-se que os diretores possam ser capazes de publicar artigos de acordo com os preceitos académicos e para um público académico especializado, pelo menos que dialoguem em muito estreita proximidade com o meio científico.


Mas não existe uma formação única adequada para o exercício da profissão. Receio que o texto do ICOM não frise o necessário caráter interdisciplinar que um diretor de museu deve desenvolver, e que a ênfase na ideia do “museólogo” seja redutora. Em França, a preparação para o ofício é paradigmática: quem quiser tornar-se “conservateur du patrimoine”[3] deve prestar um concurso consolidado e tão concorrido que existe até um preparatório de dezoito meses, no qual as disciplinas básicas incluem já direito do património, economia, gestão pública, gestão de recursos humanos, difusão do património; além disso, há seminários temáticos de administração, comunicação, arquivos, tecnologias digitais, e os museus são um módulo de especialização do património. Não é que esta estrutura institucional e disciplinar seja necessariamente modelar, mas ela reflecte bem que só a museologia, ou só a gestão, ou só a via académica não são o suficiente para assumir um cargo dirigente num museu, sobretudo hoje em dia. Muito se perde quando os objetivos dos museus não mudam e não refletem uma visão multidisciplinar de alta direção de instituições culturais, por exemplo no que diz respeito à interação com os públicos e aos novos desafios de financiamento, entre outros tópicos críticos.


De facto, a maior mudança nos últimos anos reside na recente importância dada à formação ou ao trabalho em gestão. Isto nada mais é do que o reflexo das mudanças ocorridas nos museus. Hoje, mais do que abrigar coleções, estudá-las e difundi-las, os museus são centrais, por exemplo, na própria dinâmica e vida urbanas, e são elementos cruciais de desenvolvimento de ligações emocionais com residentes e turistas. O Pompidou é muito mais do que um “museu”: é espaço cultural, gastronómico e pedagógico estruturante da própria cidade de Paris. Entretanto, as famosas “ferramentas de gestão” para o caso das instituições culturais não podem ser adquiridas de maneira ingénua, assim como em outros campos como o hospitalar, em que o objetivo final das instituições não é o lucro mas, no caso que aqui observamos, a proteção e difusão dos acervos geridos e sua fruição por cidadãos e turistas interessados nas coleções.


Esse tópico é particularmente relevante para o caso dos Estados Unidos da América e para todos os que o usam como modelo. As instituições culturais norte-americanas têm como particularidade a gestão privada (ainda que em muitos casos necessitem de recursos estatais). É também um dos países onde o mecenato é prática recorrente entre os afortunados, e é mesmo motivo de competição. Não por acaso, o marketing e a publicidade são nestes contextos particularmente relevantes para angariar fundos. Por esta razão, os diretores de algumas instituições provêm exclusivamente da área da gestão.


Nem oito nem oitenta. Mas a necessidade de bons gestores nos equipamentos culturais portugueses está bem patente na criação muito recente, na última década, de cursos específicos de gestão cultural em Portugal, no ISCTE, Lisboa, ou na Universidade Católica do Porto, que oferecem mestrados visando preencher esta lacuna. Com efeito, que um diretor de hospital seja cirurgião não é grave, conquanto a sua formação e a sua experiência prática sejam, entretanto, a de gestor. Da mesma forma, é imprescindível que um museu tenha museólogos mas, acima de tudo, que a sua direcção conheça alguém dotado das mais atuais ferramentas de gestão cultural.


Por fim, uma nota para a não menos importante questão da internacionalização do concurso. A iniciativa de abrir as vagas para nacionais e estrangeiros deve ser aplaudida não apenas porque busca captar os melhores profissionais para os cargos, mas também porque os grandes museus do mundo funcionam em rede. Não é raro que os altos corpos técnicos passem de uma instituição para outra, por diferentes países, levando conhecimento, criando networking, estabelecendo regimes de cooperação. Contudo, realizar um concurso internacional significa estar preparado para receber diplomas internacionais. Segundo o ICOM Portugal, muitos dos candidatos estrangeiros “não foram considerados elegíveis para participar no concurso, devido a não lhes terem sido reconhecidas as suas habilitações académicas”. De facto, é difícil imaginar estrangeiros a empreender o difícil e dispendioso processo de reconhecimento de diplomas sem a perspectiva real de um contrato. Mesmo que haja um mecanismo de reconhecimento para os portadores de diploma pós-Bolonha, isso significa limitar os candidatos a europeus. Trata-se de uma grande perda, especialmente para um país que poderia ter lugar dianteiro na promoção da lusofonia.


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[1] Mosteiro dos Jerónimos e Torre de Belém (Lisboa); Panteão Nacional (Lisboa); Palácio Nacional da Ajuda/Museu do Tesouro Real (Lisboa); Museu Nacional de Arqueologia (Lisboa); Museu Nacional de Grão Vasco (Viseu); Museu Nacional de Soares dos Reis (Porto); Museu Nacional Machado de Castro (Coimbra); Museu Monográfico de Conímbriga (Coimbra); Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo (Évora); Mosteiro dos Jerónimos e Torre de Belém (Lisboa); Panteão Nacional (Lisboa); Palácio Nacional da Ajuda/Museu do Tesouro Real (Lisboa); Museu Nacional de Arqueologia (Lisboa); Museu Nacional de Grão Vasco (Viseu); Museu Nacional de Soares dos Reis (Porto); Museu Nacional Machado de Castro (Coimbra); Museu Monográfico de Conímbriga (Coimbra); Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo (Évora); Museu Nacional Resistência e Liberdade (DR, Aviso 8441D/2020; DR, Aviso n.º 9312-A/2020; DR, Aviso n.º 18588-A/2020).

[2] Segundo a Lei, o júri deve ser constituído pelo Diretor-geral da DGPC ou por Diretor Regional da DRC (que preside); por um dirigente de entidade cultural, pública ou privada, nacional ou internacional, indicado pelo diretor-geral da DGPC ou por Diretor Regional da DRC; por um representante de associação científica ou profissional do setor; por duas individualidades de reconhecida competência na área museológica ou patrimonial, designadas por instituições de ensino superior.

[3] Placés au sein ou à la tête d'institutions patrimoniales, les conservateurs du patrimoine ont pour mission d'étudier, de classer, de conserver, d'entretenir, d'enrichir, de mettre en valeur et de faire connaître le patrimoine. Ils en favorisent le partage avec les publics les plus larges. Ils participent et veillent à l'approfondissement de la recherche scientifique appliquée au patrimoine. INPI, Formation des conservateurs (inp.fr) .



Referências

ICOM Portugal, “Algumas notas sobre o procedimento concursal de seleção internacional para Diretores de Museus da DGPC”, 23/05/2022, https://icom-portugal.org/2022/05/23/algumas-notas-sobre-o-procedimento-concursal-de-selecao-internacional-para-diretores-de-museus-da-dgpc


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A autora utiliza o Acordo Ortográfico.

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