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Ilha dos Museus



Ilhas. São para mim, desde muito cedo de resto, territórios especiais, particulares ou até únicos. Também aconchegantes e reconfortantes em muitos casos. Exercem um qualquer fascínio. Muito diferente de um fascínio qualquer…


Desde as mais pequenas, ilhéus ou ilhotas, por exemplo, a Ilha do Pessegueiro na costa alentejana celebrizada por uma canção que a esmagadora maioria conhecerá, até ao outro extremo, geográfico e em dimensão, a imensa Austrália. Desde os mouchões do Tejo, passando pelas Berlengas, pelos dois arquipélagos principais do nosso país, as regiões autónomas da Madeira e dos Açores. A Ilha de Moçambique, património mundial classificado pela UNESCO, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, dois estados insulares tão próximos de nós, sobretudo na história e na língua comuns, na memória e nos afectos. Por falar nisso, Timor-Leste, geograficamente mais distante, mas próximo em tudo o resto.


Território cercado de água por todos os lados, seja por um rio ou um lago, seja o mar oceano que separa, mas que também, sem contradição, une. É saber estimá-lo e utilizá-lo de forma regrada e sustentável.


Há também outras ilhas, sem querer ser exaustivo naturalmente, as do Mediterrâneo, também elas de dimensão muito variável, desde a pequena grande (e grega) Delos com o seu santuário de Apolo até à Sicília; as do norte da Europa, com destaque para a Grã-Bretanha. Sim é uma ilha, por vezes esquecemo-nos disso, ainda para mais com a ajuda do Eurotúnel, mas quem nunca dá margem ao esquecimento são os próprios britânicos. Fazem questão de vincar que são algo à parte. Na Europa e no Mundo. Mas deixemos o processo do Brexit para outra ocasião e outro local, bem como o “projecto” gigantesco que é a Commonwealth.


Temos ainda ilhas literárias. “A Ilha do Tesouro”, de Robert Louis Stevenson, “Shutter Island” de Dennis Lehane, a Ilha dos Amores, não a que existe no rio Minho, próxima de Vila Nova de Cerveira, ou outra também assim denominada na confluência dos rios Paiva e Douro, mas precisamente aquela criada por Luís de Camões e relatada nos Cantos IX e X de “Os Lusíadas”. “As Ilhas”, de Sophia de Mello Breyner Andresen, contidas em “Navegações” e “Ilhas” onde encontramos, entre outros, “Descobrimento

Saudavam com alvoroço as coisas

Novas

O mundo parecia criado nessa mesma

Manhã”.


Não quero deixar de fazer referência a ilhas como as que existem no Porto, cercadas não por água, mas por outras construções e habitadas por um misto de miséria, insalubridade e calor humano. No outro lado do Atlântico, por motivos semelhantes aos que originaram as ilhas no Porto, isto é, a deslocação de um fluxo enorme de pessoas em busca de melhores condições de vida, a cidade de Nova Iorque, em grande medida composta e construída sobre ilhas, tem como núcleo uma delas -Manhattan- e Ellis Island, o antigo centro onde desembarcaram, a partir de 1892, muitos dos migrantes que, sobretudo provenientes da Europa, rumaram aos Estados Unidos da América, mais de doze milhões no total, entretanto musealizado. Esta é uma ilha onde o museu domina, uma ilha-museu, como a ilha de Delos, a que já fiz menção, que é toda ela um sítio arqueológico.


Comecei por fazer alusão ao fascínio por ilhas, outros espaços verdadeiramente fascinantes, especiais e com uma centralidade ainda tantas vezes lateral, passando o paradoxo, são os museus. Perante a centralidade ainda não assumida por muitos, e que urge ter num território ou comunidade, já os designei por catedrais laicas dos tempos modernos, a que não é alheio o contágio pelo título da obra de George Duby “O Tempo das Catedrais”.


Estes universos, o insular e o museal, podem coincidir num mesmo espaço como tive a oportunidade de evocar. Ao associar ilhas e museus parece-me apropriado revisitar, com a brevidade que se impõe, Orlando Ribeiro e o seu “Portugal o Mediterrâneo e o Atlântico Esboço de relações geográficas”. Nesta obra, bem como em outras da sua autoria, estabelece uma ligação entre a Geografia e a História, e as suas intersecções. Ao falar da forma da costa portuguesa “(…) longa mas quase rectilínea, pobre de reentrâncias, diante de um oceano sem ilhas, oferece aos modos de vida litorais um domínio forçosamente limitado (…)” (RIBEIRO, Orlando, Portugal o Mediterrâneo e o Atlântico Esboço de relações geográficas, Livraria Sá da Costa Editora, 6ª ed., 1991, p.124).


Para além das mencionados, há uma “Ilha dos Museus”. É para lá que me dirijo. Desde logo, a de Berlim. É um exemplo singular que, infelizmente, ainda não conheço in loco. Reúne instituições museológicas de renome e importantes, tais como o Museu Pergamon, Neues Museum, Alte Nationalgalerie, Altes Museum, Bode Museum. Mas esta é “apenas” o ponto de partida. Com aspas reforçadas…


A ideia subjacente é enaltecer o Museu, como se fosse uma personagem viva e central de um romance realista intemporal. E é, nomeadamente da realidade, a tal que dizem superar, sempre, a ficção. Instituição sócio-cultural, com uma missão cultural e social se preferirem, com um papel que deve ser elevado até atingir o patamar de decisivo. Na construção da Memória, no reforço da Identidade, no potenciar das colecções enquanto testemunhos e interpretações do passado, contributos na mediação do presente e integração no mesmo, aprofundamento de uma cidadania activa, de um espírito crítico e participativo, sem esquecer a preparação de um futuro que já teve início há muito tempo e que, não raras vezes, é dado como perdido. Incerto poderá ser, embora também aqui o museu poderá contribuir para reduzir essa tendência. Incerto, mas não perdido.


Não dispensará por completo a utopia, que na dose certa (algo subjectivo, bem sei) será positiva, deve assumir, sobretudo, um pragmatismo precursor de transformações reais no indivíduo e na comunidade onde se insere.


Para o efeito será a melhor imagem colocá-lo numa ilha? Uma ilha imaginária cuja construção é um processo, e longo…Tantas vezes sinónimo de isolamento e periferia, quando se quer integração e centralidade! Interrogação e exclamação mais erradas quando o tópico é uma Ilha dos Museus. A de Berlim, por exemplo, possuí várias pontes sobre o rio Spree e é muito central no contexto urbano. Em Londres, o Tamisa é trajecto de ligação “Tate to Tate”, nele deslizam barcos que transportam visitantes de/para a Tate Britain e a Tate Modern. Berlim, cidade que de 1961 até 1989 esteve separada por um muro, o da vergonha, que acabou derrubado, estará mais empenhada em erigir pontes e superar barreiras, como deveriam estar todas as cidades, países e comunidades.


Ao falar de uma Ilha dos Museus, tendo como base ou referência, de alguma maneira, a de Berlim, estou a tentar dar corpo a uma ilha imaginária, um pouco na medida de “O Museu Imaginário”, de André Malraux, que refere “Na verdade, criou-se um Museu Imaginário, que vai aprofundar ao máximo o incompleto confronto imposto pelos verdadeiros museus: respondendo ao apelo por estes lançado, as artes plásticas inventaram a sua imprensa.” (MALRAUX, André, O Museu Imaginário, Edições 70, 2000, p.14). Em simultâneo individual e colectivo, complementar e de confronto. Que assim seja essa ilha, com um porto de abrigo apelidado de “Plano Estratégico para os Museus”, valorizando a sua aplicação prática, criteriosa, eficiente e eficaz, no seguimento da alusão feita pelo ICOM Portugal no seu parecer sobre o relatório final do “Grupo de Projecto Museus no Futuro”, ao afirmar que “espera uma solução mais operacional e orgânica, só possível através de um futuro Plano Estratégico para os Museus.”


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