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E quando os museus estão fechados? Diário de campo de um ano atribulado



Em tempos atípicos, inconstantes e incongruentes, que a pandemia nos força a viver, muito se tem falado sobre o papel dos museus e dos seus serviços educativos.


Numa altura em que os museus se encontram de portas fechadas como se relacionam com os seus públicos? Quais as soluções para serem experienciados e vividos?


Como se adaptam, pensam, comunicam e criam os seus serviços educativos?


Este tem sido o tempo do (re)pensar e do (re)inventar, de (re)procurar e de (re)encontrar, de respirar e de (re)criar. Um tempo para ir além do esperado, de superar o conhecido e arriscar em voos criativos sem deixar que a incerteza e o medo nos condicionem.


Um pouco por todo o lado sente-se este movimento, museus e outras instituições culturais que pensam alternativas, lançam propostas e desenham programações que procuram dar resposta aos constrangimentos do confinamento.


Se os museus pretendem ser “democratizantes, inclusivos e polifónicos, orientados para o diálogo crítico sobre os passados e os futuros. Reconhecendo e lidando com os conflitos e desafios do presente (…) preservam memórias diversas para as gerações futuras, garantindo a igualdade de direitos e de acesso ao património a todas as pessoas. (…) participativos e transparentes; trabalham em parceria ativa com e para comunidades diversas na recolha, conservação, investigação, interpretação, exposição e aprofundamento dos vários entendimentos do mundo, com o objetivo de contribuir para a dignidade humana e para a justiça social, a igualdade global e o bem-estar planetário” (proposta para a definição de museu ICOM, 2019) como fazer isto sem a presença dos visitantes no espaço físico das nossas galerias e sem o contato direto com a obra de arte ou objeto artístico?


Oficina Sonhar Museu Calouste Gulbenkian © Raquel Feliciano e Susana Pires

Acreditamos que, não são os objetos, nem as atividades de um museu que decidirão, por si só, o seu futuro, mas sim a relação que estabelecem com cada público, com cada visitante, ou participante. Como manter e nutrir esta relação com as condicionantes do presente?


Com o museu fechado, como alcançamos o espaço do encontro que desejamos?


Estes têm sido os desafios constantes que desde março de 2020 invadem os nossos dias enquanto profissionais da cultura e da educação.


Avançamos com a certeza de que queremos continuar presentes nas vidas de quem nos procura e passar a fazer parte nas de quem queremos encontrar, reconstruindo-nos e reinventando-nos, para podermos continuar a construir um terreno onde nos inspiramos e superamos as adversidades. Hoje, é sem dúvida a altura de (re)pensarmos o que fazemos e porque o fazemos. O momento exigiu que agarrássemos nas nossas bússolas e (re)construíssemos novos mapas repletos de caminhos e hipóteses.


Pensar como desenhar programação educativa para as áreas das escolas e outras instituições educativas e para crianças e famílias nunca foi tão desafiante e inconstante como neste último ano. Implementar esta programação redesenhada só foi possível porque continuámos a contar com a equipa de profissionais dedicados que a desenham connosco – os mediadores – uma força de trabalho indispensável que vive hoje um período de grande instabilidade pela falta de enquadramento e reconhecimento da sua categoria profissional.


Se as pessoas não podiam vir até nós, fomos nós até às pessoas, procurando caminhos mais fáceis de percorrer para os diferentes caminhantes. Da fase de adaptação e reação ao turbilhão do primeiro confinamento, veio a clareza e as certezas do segundo. Passámos de atividades canceladas e reagendadas para atividades repensadas e reinventadas. Recuperámos o ânimo, a cada projeto, a cada atividade, a cada visita, com a convicção da força da construção das relações e da importância da mediação e da criação como ferramentas da educação.


Ideias retiradas da gaveta da secção do “havemos de fazer” foram colocadas em ação e pusemos mãos à obra em materiais didáticos e recursos educativos para professores – vídeos self-service e guiões, ambos com pistas para renovar o repertório de técnicas e materiais em contexto de sala de aula e sugestões para explorar outras abordagens nas diferentes disciplinas, numa parceria assumida com a escola. Estão ainda algumas ideias presas na gaveta mas que irão saindo ao longo do próximo ano.


Criámos visitas além portas, que vão às escolas, levando obras de arte na ”mochila” – imagens, objetos, projeções e outras soluções. Viajam connosco histórias e convites a pensar sob a forma de desafios, onde a educação se entende como uma conversa contínua e participada, que promove uma relação crítica com a arte e que contribui para a compreensão do próprio sujeito, a sua relação com as culturas de vários tempos e lugares e com o mundo.


Para as escolas mais distantes, nasceram visitas à distância de um clique, propostas digitais que permitiram abarcar todo o país e transpor as suas fronteiras. Sessões dinamizadas através de plataforma online de videoconferência moderada por um mediador em direto, que gera uma conversa participada com os alunos a partir de uma seleção de obras de arte das nossas coleções e do muito que elas nos podem dizer, usando as metodologias participativas e questionadoras que caracterizam as nossas visitas.


Se ao início não sabíamos muito bem se esta era uma aposta certa, rapidamente percebemos a capacidade do seu alcance e o seu lado inclusivo, levando o museu para fora de si para quem não o consegue visitar, não só pelas condições da pandemia, mas às vezes apenas pela distância, e afirmaram-se como mais valias incontornáveis. Vieram para ficar e entraram noutras áreas da nossa programação.


Continuámos com projetos à medida na Fábrica de Projetos, desenhando projetos com professores e alunos que envolvem o questionar, o pensar, o fazer e o criar. Inicialmente de forma online e que agora terão provavelmente adaptações ao presencial.


Pensámos também em propostas digitais com os novos filtros e enfoques para famílias e crianças. Sugerimos desafios passo a passo, tutoriais com atividades práticas de exploração artística, que podem ser feitas com os materiais que houver por casa, tendo em conta os interesses das diferentes faixas etárias e propostas originais para toda a família. Alguns surgiram de adaptações de projetos mais amplos, como os laboratórios criativos de férias, que foram cancelados com a chegada da pandemia e daí floresceram novas ideias.


Lançámos histórias contadas e cantadas, pensadas para os mais pequenos, que trazem a linguagem da música, da dança, do teatro e dos contadores de histórias e estamos agora a pensar como criar um novo objeto, no espaço da criação artística audiovisual, com a beleza da música e a poesia da natureza.


Deparamo-nos com muitas perguntas, dúvidas, inquietações, que suscitam rápidas adaptações e transformações, que enfrentamos com a convicção de que a arte e a educação através desta serve para INTERPRETAR, RECRIAR, REINVENTAR, PENSAR, FAZER, EXPERIMENTAR, ENVOLVER, TRANSFORMAR, SONHAR, CRIAR e IMAGINAR, a nós próprios e ao mundo, e que pode ser um contributo fundamental para o equilíbrio e “desenvolvimento alargado e integral das várias dimensões do ser humano em qualquer situação e momento da sua vida”(ALVES, 2007), mesmo numa pandemia.


O caminho faz-se sonhando e caminhando, com firmeza nas nossas convicções e saltos por cima das nossas hesitações, com o olhar no futuro que queremos construir e do qual queremos fazer parte. Queremos fazer parte da vida e das vidas. Queremos sonhar juntos, museus e públicos, como afirma a obra recente da artista Yoko Ono, em exposição do Met: Dream Together.


Yoko Ono (2021), “Dream Together”, instalação. The Metropolitan Museum, Nova Yorque © Metropolitan Museum

Esta obra é um sinal de que a vida está de retorno à cidade de Nova Yorque e ao Met, ambos a prosperar na comunidade e um sentido de otimismo partilhado pela força do espirito humano e o poder da arte para trazer conforto, inspirar resiliência e ajudar a compreender os nossos tempos turbulentos: Daniel Weiss, presidente do Met. (tradução livre da autora)

 

ALVES, C. (2007). Conceções da educação em museus nas políticas culturais. Portugal 1974- 2004. Dissertação de Mestrado Cultura e Comunicação, Variante Comunicação de ciência, Universidade do Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

BELTING, H. (2008), The discursive museum.

CARBONELL, J. (2016). Pedagogias do século XXI. 3.ª ed. Penso.

CSIKSZENTMIHÁLYI, M.& ROBINSON, R. (1990), The Art of seeing. An interpretation of aesthetic encounter. J.Paul Getty Museum and the Getty Center for Education in the Arts.

GULBENKIAN DESCOBRIR. Materiais didáticos e recursos educativos para professores https://gulbenkian.pt/descobrir/professores/materiais-didaticos/

GULBENKIAN DESCOBRIR. Fábrica de Projetos.

GULBENKIAN DESCOBRIR. Desafios passo a passo.

GULBENKIAN DESCOBRIR. Visitas além portas.

GULBENKIAN DESCOBRIR. Visitas digitais.

GULBENKIAN DESCOBRIR. Histórias contadas e cantadas

ICOM (2019). Nova definição de museu. (2019/08/16)

METROPOLITAN MUSEUM (2021). A Year of Mission and Challenges. (9/3/2021) WEISS, D. H., MAX H. & KELLEN M. https://www.metmuseum.org/blogs/now-at-the-met/2021/year-of-mission-challenges-president-director

SILVA, Susana Gomes da, (29/01/2021). Museus fechados…Museus abertos… patrimonio.pt: https://www.patrimonio.pt/post/museus-fechados-museus-abertos

UNESCO (2011). Organização das nações unidas para a educação, a ciência e a cultura recomendação relativa à proteção e promoção dos museus e das coleções, da sua diversidade e do seu papel na sociedade (20/11/2015)

 

A autora utiliza o Acordo Ortográfico.


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