É praticamente impossível fugir (por muito que me apeteça fazê-lo neste momento, mas até ver não há planeta B) do tema que domina a actualidade e não só. A pandemia deste vírus que afectou, em primeiro lugar, a saúde de muitos e tem tirado a própria vida de muitos outros também. “A vida de todos é o maior dos patrimónios” foi a mensagem difundida em vídeo e nas plataformas digitais (como se impõe cada vez mais) pela Direcção-Geral do Património Cultural. Mereceu o meu elogio e partilha, o que nem sempre acontece por manifestamente não me fornecer motivos para tal. Primeiro defender a vida e a saúde e depois virá o resto, incluindo a vida das instituições. Num momento de urgência e emergência assim deverá continuar a ser.
Mas a vida é muito mais do que sobrevivência, por muito que esta seja vital, por assim dizer, em determinados momentos. “A arte existe porque a vida não basta”, disse o poeta brasileiro Ferreira Gullar (Prémio Camões 2010). São acrescentos essenciais à realidade existente. Uma realidade extraordinária, criada e criadora.
O sector cultural e criativo foi e ainda está a ser profundamente afectado com a pandemia a nível mundial, por exemplo em termos de receitas e fontes de financiamento. Como já tem sido assinalado o património cultural, e os museus em concreto, estão muito longe de constituírem uma excepção. Perante este problema à escala global, as soluções e os caminhos possíveis devem ser percorridos globalmente também. Nesta área da cultura temos organismos e instituições internacionais como a UNESCO, o ICOM, o ICOMOS, na Europa a NEMO (Network of European Museum Organisations) ou a Europa Nostra, nos Estados Unidos da América a AAM (American Alliance of Museums), no espaço ibero-americano o Ibermuseus, para citar algumas das mais significativas. Contudo, fora da esfera mais estreita do sector cultural, devendo, no entanto, colaborar de forma próxima com este, há organizações que deveriam dar um impulso acrescido à cooperação internacional no que diz respeito à cultura, nomeadamente no património cultural e nos museus. Refiro-me em concreto a uma organização à qual Portugal pertence como Estado-membro e país fundador: a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).
Com nove Estados-membros distribuídos por quatro continentes e a língua portuguesa (celebrada mundialmente a 5 de maio) com mais de 250 milhões de falantes deve afirmar a sua escala verdadeiramente global. Houve já alguns progressos ao longo da sua história institucional no que concerne à acção cultural, não só em prol da língua mas também de outras vertentes culturais. Foi criada uma Comissão de Património Cultural com a responsabilidade de “deliberar sobre os assuntos relacionados ao património cultural e assessorar a Reunião dos Ministros da Cultura da CPLP nessa matéria.” Na sua II reunião, em Fevereiro de 2019, pretendeu-se dar um impulso tendo em vista a elaboração do “Atlas do Património Cultural da CPLP” e a criação da “Rede de Museus da CPLP”.
Foram seis (apenas) os encontros de museus de países e comunidades de língua portuguesa. Tiveram início em 1987, no Brasil, ainda antes do nascimento oficial da organização internacional. A CPLP, que contará com 24 anos de vida no próximo dia 17 de Julho, viu o último encontro ser realizado em Setembro de 2011, em Lisboa, no qual apresentei um poster e artigo publicado nas actas respectivas intitulado “Rede museológica de Casas Históricas da CPLP”. Propunha, precisamente, a criação de mecanismos que aprofundassem a cooperação entre museus dos países da CPLP, designadamente os da tipologia “Casa Histórica”. O encontro anterior a este ocorreu em Setembro de 2000, em Maputo, passando mais de uma década entre ambos e a caminho de perfazer outra década sem que um próximo encontro tenha lugar. Esperemos que assim não seja e que de forma presencial ou virtual se concretize mesmo.
Na última Assembleia-Geral do ICOM Portugal (electiva de uma nova direcção encabeçada pela Maria de Jesus Monge, à qual aproveito para desejar uma vez mais as maiores felicidades e sucessos), que de resto é um dos parceiros na organização daqueles encontros, tendo no último colaborado com o ICOM internacional, a CPLP e a UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa), a 9 de Março deste ano (ainda foi viável presencialmente e parece que já foi há tanto tempo…), foi abordada a dificuldade de contactos regulares e consistentes com outros comités nacionais de países da CPLP. Em alguns casos nem existirão em funções. Apesar dos obstáculos, julgo ser importante perseverar neste caminho de cooperação internacional, impulsionando as potencialidades do denominado espaço lusófono. Desenvolver um trabalho cultural em rede e com rede que o torne mais sólido, profícuo e constitua uma optimização de meios e recursos em benefício de todos.
Para terminar, e uma vez que não voltarei a escrever neste espaço antes disso, uma evocação do próximo Dia Internacional dos Museus, a 18 de maio como é conhecido. Este ano o mote é “Museus para a Igualdade: Diversidade e Inclusão”. A utilização integrada na estratégia de cada museu de ferramentas digitais múltiplas, com formatos e conteúdos vocacionados para os diferentes públicos (de qualidade e especializados, sem serem exclusivos para especialistas) é, sem dúvida, uma via excelente de comunicação e exposição, bem como de captação e fidelização dos mesmos. Excelente, mas auxiliar e complementar. Deverá ser esse o seu papel. Virtual com virtualidades, mas sem pretender ir substituindo o real e a experiência insubstituível da fruição presencial de colecções museológicas. As tais que criam conexões, conforme exortado no Dia Internacional dos Museus em 2014.
Um caminho global com uma outra globalização. Sem querer tornar o artigo numa prosa poética e muito menos profética, uma globalização mais humanista, com ética e amor. Por nós mesmos e pelo outro. Que cultive a diferença e a diversidade e limite a padronização redutora. “O mundo é melhor por causa dos museus” é uma das mensagens que deve ser bem sublinhada, por ser tão verdadeira e real, ao longo desse caminho.
A propósito de uma outra globalização e de mudanças (serão também de paradigma?) no universo museológico remato com este poema de Sophia de Mello Breyner Andresen:
TURISTAS NO MUSEU
Parecem acabrunhados
Estarrecidos lêem na parede o número dos séculos
O seu olhar fica baço
Com as estátuas - como por engano –
Às vezes se cruzam
(Onde o antigo cismar demorado na viagem?)
Cá fora tiram fotografias muito depressa
Como quem se desobriga daquilo tudo
Caminham em rebanho como os animais
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