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Alentejo-Patrimónios: um projecto contra o silêncio



As portas vão-se reabrindo pouco a pouco, perante os avanços e recuos no combate a uma pandemia que nos aflige desde há mais de meio ano. Com regras às vezes muito pouco claras, mas cheias de boa vontade e coragem, lidar com o desconhecido é um exercício que exige dedicação, sensibilidade e bom senso, e por entre tanta dúvida vamos procurando que na pacatez de uma “normalidade” desejada, as respostas que nos oferecem sejam céleres, objectivas, eficazes.


Numa espécie de contradição instalada, fechados na impossibilidade de visitar museus, bibliotecas, exposições, espectáculos, de viajar, sentimo-nos ainda mais encerrados dentro de um estádio de letargia e medo que pouco contribui para que o estado das coisas se vá alterando. Sobretudo nas respostas tão necessárias que precisam ser dadas para que a nossa vida social e comunitária ganhe outra dimensão.


Neste contexto, e perante a indiferença de uma pandemia que não escolhe destinatários, mas que se agiganta e perpetua nas práticas sociais das comunidades, a resposta dos Governos e das autoridades de saúde vai sendo efectuada às golfadas de ar reagindo à evolução do próprio surto. Preocupados com evitar, a todo o custo, picos de utilização dos serviços de saúde e dos equipamentos hospitalares, tampão chave para evitar o caos, para impedir a derrocada generalizada das estruturas de salvaguarda da saúde pública. Mas, e este mas é fruto de suposição de quem não é médico nem especialista na matéria, é importante também equacionar outros caminhos e procurar perceber se determinados comportamentos e atitudes não podem ser consolidados e “banalizados” se obrigados a ser utilizados com mais regularidade e responsabilidade. Falo da utilização de uma simples máscara ou da desinfecção contínua das mãos, mas igualmente no desenvolver práticas de socialização que não contribuam para o multiplicar do vírus, mas para normalizar novas fórmulas de socialização.


O estado letárgico de quem vive fechado numa redoma não ajuda e traz ao de cima uma série de outros problemas cujas dimensões e efeitos são difíceis de calcular, nomeadamente no âmbito da saúde mental, do equilíbrio emocional dos indivíduos. No final disto tudo, não vai ficar tudo bem e a “normalidade” é urgente que se instale, sabendo nós que num estádio diferente daquele que nos fez fechar dentro de nós próprios em meados do mês de Março.


E é aqui que a actividade cultural pode ter um papel importantíssimo.


Grande parte dos equipamentos de natureza cultural pertence ao Estado central e às autarquias e, numa determinada lógica de funcionamento, tem condições para manter a oferta do seu objeto de existência. Sem colocar em risco funcionários, utentes, consumidores, utilizadores, artistas, actores, orçamentos e tesourarias. Entidades públicas têm a obrigação de abordar a oferta cultural de uma forma mais proactiva e não fechando a sete chaves os espaços que podem ser importantíssimos para ajudar a combater o vazio.


Pensando este contexto, desenvolve-se na Direcção Regional de Cultura o projecto Alentejo-Patrimónios, uma iniciativa que pretende criar dinâmicas que valorizem o património imaterial da região Alentejo, que divulgue e promova esse património e que dignifique os actores desses saber-fazer. Pretende-se mostrar que é possível continuar alguma normalidade social e cultural apesar da pandemia instalada, levando junto de artesãos e artistas, de investigadores e cidadãos a especificidade e diversidade do Alentejo.


Genericamente consiste na organização de visitas guiadas a oficinas, museus, territórios, tendo como pretexto um tema, uma particularidade patrimonial, um actor, um saber-fazer, uma realidade técnica, e promover essa especificidade particular de um lugar, freguesia, concelho ou região, procurando trazer visibilidade aos sítios, dignidade à actividade/realidade e a maximização dos recursos endógenos contribuindo, mesmo que de forma muito pequena, para a revitalização do tecido económico da região.


Num território tão amplo, diverso e múltiplo como é o Alentejo, o património cultural assume uma importância extraordinária na criação de uma estratégia para a divulgação e promoção deste território. Mas essa diversidade, que importa mostrar e rentabilizar, só é possível se valorizarmos quem a promove e sustenta no dia-a-dia. Estamos a falar do homem e da mulher que cria, que diversifica, que mantém e reformula a tradição.


Dado o momento de incerteza em que se vive, nomeadamente no que concerne às regras a cumprir nesta tipologia de eventos, para este ano apenas se programaram quatro visitas, que servirão para testar um modelo de referência para o desenvolvimento do projecto nos anos seguintes.


“Do Barreiro à Cantarinha”, tendo Beringel e os seus oleiros como referência, os Bonecos de Estremoz, os Chocalhos de Alcáçovas e o rio Mira e os moinhos de Odemira, foram os temas escolhidos no âmbito deste projecto que procura conciliar a descoberta, o conhecimento e a valorização do património cultural da região sem pôr em causa a saúde pública. Não descurando a utilização de máscaras e o distanciamento social e com base em grupos pequenos e na utilização de transportes individuais.


É preciso não deixar de alimentar a Cultura e a dignificação das práticas culturais das comunidades, ajudando a construir laços de socialização que esta tipologia de eventos permite. E este é apenas um pequeno trilho dos muitos caminhos que têm de ser abertos e palmilhados por todos os agentes da Cultura alimentando o diálogo com a comunidade. Recusando o silêncio.


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