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Os “10 melhores museus portugueses”, na escolha da TripAdvisor®


Em informação que me atrevo pensar ter passado despercebida à maior parte dos que seguem de perto o mundo dos museus e do património cultural em geral, a TripAdvisor® anunciou o seu “top ten” de museus em Portugal. São eles:

1. Museu Calouste Gulbenkian 2. Museu Nacional do Azulejo 3. Fundação Casa-Museu Amália Rodrigues 4. Museu Nacional de Machado de Castro 5. Museu FC Porto 6. Museu da Carris 7. Museu Arqueológico do Carmo 8. Museu António Medeiros e Almeida 9. Museu do Aljube Resistência e Liberdade 10. Museu da Tapeçaria de Portalegre Na notícia sobre o assunto, o jornal “Sol” (7 de Setembro de 2018, na edição em linha) informava cautelosamente que “os museus vencedores foram determinados usando um algoritmo que levou em consideração a quantidade e a qualidade das avaliações, que foram reunidas num período de um ano.” Com algum esforço de pesquisa podem também encontra-se os “10 mais” noutros países e regiões, praticamente por todo Mundo, sendo a pesquisa igualmente muito elucidativa. Por exemplo, em Espanha: 1. Museo Nacional del Prado, Madrid, 2. Museo Thyssen-Bornemisza, Madrid, 3. Ciudad de las Artes y las Ciencias, Valencia, 4. Museo Guggenheim, Bilbao, 5. Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Madrid, 6. Museo Sorolla, Madrid, 7. Fundación César Manrique, Las Palmas, 8. Teatro-Museo Dalí, Figueres, 9. Museo Arqueológico Nacional, Madrid, 10. Museo Picasso, Barcelona.

Nos EUA: 1. The National 9/11 Memorial & Museum — New York City, New York, 2. The Metropolitan Museum of Art — New York City, New York, 3. The National WWII Museum — New Orleans, Louisiana, 4. Art Institute of Chicago — Chicago, Illinois, 5. USS Midway Museum — San Diego, California, 6. National Air and Space Museum — Washington, D.C., 7. American Museum of Natural History — New York City, New York, 8. The Getty Center — Los Angeles, California, 9. NASA Kennedy Space Center Visitor Complex — Titusville, Florida, 10. United States Holocaust Memorial Museum — Washington, D.C.

No Mundo: 1. Musee d’Orsay – Paris, France, 2. The National 9/11 Memorial and Museum – New York City, New York, 3. The Metropolitan Museum of Art – New York City, New York, 4. The British Museum – London, England, 5. Prado National Museum – Madrid, Spain, 6. Acropolis Museum – Athens, Greece, 7. Louvre Museum – Paris, France, 8. The National WWII Museum – New Orleans, Louisiana, 9. National Museum of Anthropology – Mexico City, Mexico, 10. War Remnants Museum – Ho Chi Minh City, Vietnam.

Chama a atenção, em qualquer destes países, o carácter inusitado de algumas das preferências. O caso português, que conhecemos melhor, é sintomático: a Casa-Museu Amália Rodrigues, por exemplo. Como pode haver assim tantos “gostos” quando o número de visitantes é tão baixo, comparativamente com outros museus, mesmo apenas dos que se afirmam como êxitos confirmados em número de turistas? O mesmo se diga do Museu da Carris ou do Museu do Futebol Clube do Porto, entre outros. Convém precisar que não está em causa a maior ou menor qualidade de qualquer dos museus indicados. Está em causa, sim, a evidente falta de racionalidade nas escolhas, mesmo que admitíssemos que as mesmas foram feitas apenas a partir dos tais “gostos” – o que não é o caso como a TripAdvisor®, ela mesma, admite. Ou seja, está em causa o algoritmo que permite a esta multinacional juntar “quantidade” e “qualidade”, no cozinhado que dá corpo ao seu Travelers’Choice Award®. Em palavras próprias, a TripAdvisor® “é a maior provedora em linha do mundo das viagens de lazer, oferecendo mais de 56000 programas, atividades e experiências reserváveis em 2500 destinos de 165 países.” Reclama-se ainda de ser, e certamente será, “o maior sítio de viagens do mundo, permitindo que os viajantes aproveitem todo o potencial de cada viagem”. E informa que tem “mais de 535 milhões de avaliações e opiniões cobrindo a maior selecção de listas de viagens do mundo - mais de 7 milhões de acomodações, companhias aéreas, atrações e restaurantes”, fornecendo “aos viajantes a sabedoria das multidões para ajudá-los a decidir onde ficar para voar, o que fazer e onde comer.” Chegado aqui pergunta inocentemente o leitor: fará a TripAdvisor® tudo isto pro bono, colocando a sua plataforma simplesmente ao serviço da comunidade de viajantes em todo o Mundo? Claro que não. Tamanha candura já não se usa. A TripAdvisor® é uma companhia americana, com acções cotadas em bolsa (e que este ano têm vindo a revelar ganhos muito importantes, recuperando de perdas passageiras anteriores: “TripAdvisor® shares take off after earnings”, Financial Times, 14.2.2018).Foi uma da primeiras a tirar partido do modelo de negócio de “conteúdos gerados pelos utilizadores” (user-generated content), que a “rede mundial ampla” (world wide web) veio possibilitar. Ora, neste tipo de negócios o lucro é obtido em parte de forma transparente e em parte de forma opaca. No primeiro caso, exemplo de receita é o que cada hotel ou cadeia de hotéis, restaurantes, etc. paga para figurar nas listas de escolhas possíveis; no segundo, caso os que se esconde por detrás dos tais algoritmos que conduzem ao ordenamento das ditas escolhas nas listagens oferecidas. Todos sabemos, aliás, do chorudo negocio, de legalidade duvidosa em muitos casos, gerado por empresas que conseguem “penetrar no algoritmo” e assim melhor posicionar empresas em listagens como as das pesquisas da Google e outros motores de busca. Aparecer nestas listagens abaixo de uma certa posição, constitui em altíssima percentagem motivo de falência. É tão simples quanto isto. No caso dos museus passa-se exactamente o mesmo. A TripAdvisor®, através do seu algoritmo secreto, chega a listagens onde se misturar ardilosamente museus com importantes acervos e que seria escandaloso omitir porque se trata de reconhecidos “blockbusters” do turismo, com museus algo obscuros (ainda que exóticos ou peculiares, da moda ou apenas de entretenimento, “típicos” ou somente bizarros…)… mas que interessa promover (muitas vezes não por eles mesmos, mas pelo negócio que gravita em seu redor). Devemos lamentar que tudo assim seja? Sim, na medida em que milhões de turistas e potenciais visitantes de museus em todo o mundo são assim condicionados na sua liberdade de escolha – e um “big brother” vai sendo insensivelmente construído em cada ano que passa. Sim ainda, porque infelizmente este tipo de avaliação é o que alimenta muitas das administrações (públicas e privadas), nas suas tomadas de decisão sobre o que mais apoiar e promover. Mas não ao mesmo tempo. Não, porque a inconsistência, quase risibilidade em alguns casos, das graduações da TripAdvisor® permitem melhor “separar águas” entre o museu e o negócio que, por questões de marca, se chama a si próprio se chama de museu. E como este por aí abunda! Museu do Presunto (Madrid), Museu do Wiskey (Kyrburg), Museu da Cerveja (Lisboa), Museu do Chocolate (La Roche-sur-Yon)… e, muito recentemente, Museu da Arte Doce, em Marvila (ou “Sweet Art Museum”, como convém dizer), assim apresentado: “Não somos um museu tradicional, somos um museu da nova geração, onde a palavra de ordem é fotografar e partilhar tudo aquilo que estamos a ver e a experienciar”, explica Carla, rapidamente interrompida por Hugo que diz que querem ser “a Disneylândia dos adultos” (fonte: TimeOut, 30.5.2018). Separar águas é benéfico para os museus, como disse. E iria mesmo mais longe, como já fui quando integrei o grupo técnico que preparou a actual Lei-Quadro dos Museus Portugueses: a palavra “Museu” deveria ser “marca-registada”, tal como farmácia, universidade ou hospital. Não é quem quer que abre uma loja ou negócio e lhe dá esses nomes, que carecem de validação por organismo regulador oficial. Infelizmente, na altura da discussão e aprovação final da referida Lei-Quadro, na Assembleia da República (por unanimidade, diga-se), considerou-se que tal disposição seria demasiado invasiva da liberdade da iniciativa privada e sobretudo seria inconsequente, por falta de presumível observação e capacidade de fiscalização. Continuo a achar que foi pena e penso que se trata de assunto a que devemos regressar. Quanto ao resto: aproveitemos as classificações da TripAdvisor®s e bem assim quaisquer outras. Na maior parte dos casos os prémios que se conferem a museus, seja a nível nacional seja a nível internacional, dizem muito mais sobre quem os atribui (não raro sobre as necessidades reconhecimento ou até de sobrevivência por essa via garante) do que sobre a real valia dos premiados. Mas, no curto prazo e dentro da sociedade de crescente consumismo alienante a alienado em que vivemos, podem ser úteis. Dão boa imprensa e televisão. Produzem receita.

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