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O que significa ser profissional de museus, hoje?


Terá lugar dentro de dias em Paris, no Instituto Nacional do Património e promovido pelo ICOM Europa em conjunto com o ICOM França e o apoio do ICTOP (comité do ICOM especializado na definição de carreiras profissionais em museus), um debate sobre o tema que vai em título. Os organizadores indicam três questões como pontos de partida, a saber: (1) Quais são as principais tendências de definição de perfis funcionais observadas nos museus, em cada país, nos últimos 20 anos e quais as consequências para os profissionais?; (2) Quais os limites de definição de profissional de museu?; (3) Quais os saberes técnicos e capacidades humanas necessários aos profissionais de museus nos próximos 20 anos e a que novas profissões podem dar origem?

Como é fácil de compreender trata-se de um mundo de problemas – ou desafios. Importa recordar que passa agora precisamente uma década sobre a adopção pelo ICOM do “Referencial Europeu de Carreiras Museais”, ainda em vigor, preparado pelo ICTOP e depois amplamente discutido (ver a versão portuguesa em http://icom-portugal.org/multimedia/File/ReferencialPT.pdf).

Ora, uma década é muito tempo e está talvez na hora de pensar em rever aquele documento. O problema encontra-se em saber que direcção tomar. O mesmo se passa, aliás, com a revisão de própria definição de museu, também em curso. É que percorrem o mundo dos museus aquilo que poderíamos chamar de “forças centrífugas”, de discurso demolidor relativamente ao “tradicionalismo conservador” do ICOM, mas forças que na sua concordância aparente se revelam profundamente divergentes, irreconciliavelmente antagónicas quando se desce à substância das coisas. Sobre o assunto escrevemos algo no que respeita à definição de museu (v. os nossos posts intitulados “Let’s be prudent when revisiting the definition of Museum”, publicados em Abril no nosso Facebook: https://www.facebook.com/raposo.luis).

Vejamos, quanto à questão profissional, alguns pontos do debate em curso:

Profissionalismo vs Amadorismo e Voluntariado. O ICOM é fortemente defensor do profissionalismo nos museus. Contra este “conservadorismo” estão alguns teóricos da chamada “museologia social”, defensores da “democracia de base”, da emancipação popular. E também contra estão quase todos os práticos do mercado, defensores da liberalização laboral e da maximização dos lucros (que o recurso extensivo a mão de obra mal paga e ao voluntariado potencia). Ora, tal como num hospital não aceitaremos ser tratados apenas, ou sequer principalmente, por amadores, trabalhadores com vínculo precário ou voluntários, assim num museu importa que existam profissionais com vinculação contratual e ligação anímica estáveis. Por isso é de supor que o ICOM continue sempre, enquanto exista, a defender que não existem museus sem profissionais de museus.

Insourcing vs outsourcing. Terão os profissionais dos quadros (conceito arcaico, já se vê, mesmo para a nossa Administração Pública) de cumprir todas as funções que competem ao museu onde trabalham? Não existe no ICOM posição sobre a matéria. Pessoalmente, penso que não. Aproximo-me aqui muito de posições mais liberais. Considero que em cada museu deve existir um “núcleo duro” que reúna duas condições: conhecimento de colecções e visão estratégica. Tudo o resto é negociável e pode ser obtido através do recurso a contratação externa. Colocam-se depois duas questões: que profissões e que profissionais externos podem ser também considerados “profissões” e “profissionais de museu”? O ICOM, nos seus actuais estatutos, responde que quanto a profissões todas as que preencham o Referencial acima indicado; quanto a profissionais, os que documentem curricularmente possuir pelo menos metade do seu tempo e rendimentos provenientes de trabalhos para museus.

Novas vs velhas profissões. A questão das profissões é todavia mais complexa. Primeiramente porque novas áreas de especialidade estão sempre a aparecer e, em muitos casos, são transversais a inúmeras áreas de actividade. Dois exemplos: não creio que economista possa ser considerado profissão de museu (podendo cada economista em concreto ser profissional de museu, se trabalhar total ou maioritariamente para museus); mas gestor de sítio web, poderá em meu entender muito bem ser considerado como profissão de museus. Em segundo lugar, existem os casos de profissões de museus que mudam de natureza (as mais da vezes apenas de nome) ao longo dos anos. Um exemplo apenas: conservador e curador. Importaria em casos como estes verificar com rigor do que falamos, se de meras substituições de nomes, ditadas pela ditadura do “inglesmente correcto”, ou se estamos perante verdadeiras alterações funcionais e, neste caso, se as ditas continuam a confinar-se no perímetro das profissões de museus. Ora, neste caso é para mim óbvio que a designação curador, como é normalmente usada em português, constitui uma grosseira adulteração. Porque das duas uma, ou nos referimos a quem organiza/concebe guiões expositivos, e neste caso, falamos de comissário (profissão reconhecida no Referencial de Carreiras); ou aludimos a quem estuda, inventaria, organiza em reservas colecções, e neste caso, falamos de conservador. O equívoco resulta antes de tudo do duplo sentido do termo inglês “curator” (que cobre ambas aquelas realidades). E resulta depois de algo mais sério e profundo a que voltarei um dia: a introdução no circuito das exposições (sobretudo das de arte contemporânea ou de todas as que se pretendem “blockbuster”) de uma nova figura: o “manager” de artistas, aquele ou aquela que faz vida “ensinando” o vulgo a melhor os compreender – nisso os vampirizando também. Exemplos semelhantes não faltam: educador vs mediador, guarda vs vigilante, etc.

O que falta é o espaço para os abordar. A própria existência, ou não, de carreiras específicas de museus pode ser posta em causa. Em Portugal (e noutros países europeus ditos periféricos) extinguiram-se, aliás, há alguns anos no âmbito da Administração Pública, que hoje somente possui carreiras gerais. Teoricamente ter-se-ia deixado para os procedimentos concursais a definição de perfis funcionais específicos. Mas como concursos para os museus do Estado central, abertos a todos os cidadãos, é coisa rara, e como também, quando existem é de costume serem embelezados com fotografias de candidatos potenciais… o resultado é o crescente e muito preocupante despovoamento e desqualificação que vai grassando nos serviços públicos, mormente nos museus.

Como se vê, não é fácil. Todos a Paris, portanto. E talvez depois, a Lisboa ou qualquer outro local onde entre nós queiramos discutir estes assuntos.

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