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Os museus e o mundo virtual: amigos ou inimigos?


Utilizei este título na reflexão em voz alta que fiz em recente Seminário sobre “Comunicar”, promovido na Faculdade de Letras do Porto pelo projecto Mu.SA - MUseum Sector Alliance) (ver http://www.project-musa.eu/pt/).

Inimigos, pois, porque para muitos, “conservadores” (no pensamento, mais do que na profissão), é essa a condição de ser museu: opor a fortaleza inexpugnável do real, face à devassa espectral do virtual. Infelizmente fazem-no na maior parte dos casos (mesmo sem o saberem), mais por razões de defesa dos “modelos de negócio” em que cresceram (e envelheceram) do que por razões de real cometimento com os princípios da emancipação cidadã. Mas também amigos, porque para outros, “modernaços”, importa caminhar o mais possível para o “museu virtual” – com a vantagem de assim gerar mercado.

E depois há aqueles que ficam a meio da ponte. Entre estes me situo.

Quanto às novas tecnologias, e dentro delas à digitalização, começo por considerar que são muito bem-vindas. E tenho por quixotesco pretender opor-se-lhes. Todas, ou quase todas, são úteis aos museus: a Realidade Virtual, Aumentada ou Imersiva; o registo e impressão 3D; e muito mais. Vale a pena percorrer os volumes anuais de observatório de tendências, editados pela Aliança Americana de Museus (http://www.aam-us.org/home), para neles encontrar sedutoras avenidas digitais/virtuais de futuro.

O mais importante ainda nem bem despontou, porque as tecnologias digitais passarão a ser usadas não apenas no pilar da “comunicação” do museu, mas em todas as suas funções sociais: o registo 3D tornará mais económico o restauro de peças e permitirá melhores e mais seguros índices de desempenho no inventário; o acesso virtual a colecções revolucionará a relação entre reservas e áreas expositivas; estas últimas, e bem assim as publicações (mesmo impressas), poderão passar a ser compostas “à medida do cliente”, seja ele presencial ou remoto.

No fundo, no fundo, poderemos talvez estar perante a emergência de um “novo modelo de negócio” para os museus – e daí o carácter disruptivo destas tecnologias.

Chegando aqui, importa parar para pensar.

Pensar primeiro a um nível organizacional. Novos serviços? Porque não? Será isso “disruptivo”? Talvez, na medida em que pode tornar obsoletos segmentos de mercado anteriores (veja-se o exemplo da fotografia digital em relação à analógica) e pode até potenciar, pelo menos provisoriamente, situações em que “todos perdem” e só ganham os consumidores, tornados piratas (veja-se o caso do mercado da música). Não vejo nenhum mal nestas evoluções e os museus farão bem em cavalgá-las, para melhor se posicionarem em novos arranjos de mercado.

Mas será a dita disrupção verdadeiramente revolucionária? E sendo, será uma revolução positiva, ou seja, em direcção emancipatória, ou negativa, quer dizer, na direcção alienante, nos termos em que marketeers e opinion makers, a começar por Lippmann, sempre nos ensinaram, reclamando contra a falsidade das ideologias, máxime da democracia, já que as necessidades podem e devem ser induzidas de fora e pouco ou nada têm de inerente à condição humana.

Aqui, sim, é que bate o ponto que me separa, ideológica e politicamente, de muitos dos arautos das novas tecnologias e do digital. Defendo uma ideologia humanista e libertadora da condição humana. Ora, existem já estudos que apontam no sentido da alteração profunda da mente no sentido da perda dos valores da espacialidade e de liberdade, pela imersão excessiva em representações virtuais do mundo. Por outro lado, defendo e combato por sentidos de vida em comum (ou seja, por políticas) que promovam a fraternidade, a entreajuda, a dignidade na repartição da riqueza (material e intelectual)… e não o encapsulamento de cada um em universos paralelos comandados à distância por provedores tecnológicos, fornecedores de programas, equipamentos e conteúdos.

Novas tecnologias, novos museus, sim. Novas alienações, velhas prisões, não.

Digitalização 3D de peças do Museu Nacional de Arqueologia, no âmbito do projecto EU-LAC MUSEUMS. Fotos de Luís Raposo

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