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10 anos depois


Há quase 10 anos foi-me solicitado um texto para www.patrimonio.pt, que intitulei de “Os diretores de monumentos [saiu erradamente como de museus]: esses ilustres desconhecidos” e onde, entre várias outras coisas, escrevi:

“O aburguesamento de usufruto dos nossos monumentos é uma realidade que transcende largamente a tutela do património arquitectónico português. Ele é apenas a extremidade – e não é certamente a menos irónica – de uma longa cadeia de fenómenos que fazem do momento actual um tempo muito diferente do de há vinte anos. Por essa razão, todos os que temos procurado contribuir para mudar o mundo à nossa volta, congratulando-nos justamente com as nossas pequenas mas difíceis vitórias, devemos ter a humildade de aceitar que a desejada partilha dos benefícios de uma cultura de elites por mais cidadãos ficou, em grande medida, frustrada e sepultada por um tempo sem tempo mas com imenso dinheiro.”

A falta de atualidade é, a um tempo, evidente e interessante, convidando a uma nova auscultação da realidade que se vive nos monumentos. O fosso cavou-se entre aqueles que os podem ou não visitar. Persiste, em muitos casos, a relação fugaz com os lugares – tão fugaz que – quantas vezes – nem chega a ser relação. Porém, o abrandamento da vida económica, as dificuldades que voltam a levantar-se a famílias inteiras ou a indivíduos solitários, parecem tornar estes lugares emblemáticos de novo mais especiais, diríamos verdadeiramente únicos. Para a gestão local dos monumentos, uma tal inversão seria gratificante, não fora o outro lado da medalha: a impossibilidade de acesso por parte de muitos.

O tempo que vivemos é cheio de contradições e perversões, mas não creio que deva ser encarado como um momento sem futuro. O património cultural, em particular, é já, pelo menos na experiência que me é dado viver, um lugar de integração social e de apaziguamento – pelo menos, temporário.

Nunca, na história de toda a sua existência como serviço de património, contou o Mosteiro da Batalha com tão grande número de cooperadores como na atualidade. São pessoas aposentadas que podem ainda dar o seu melhor nas áreas em que são experientes, ou jovens recém-licenciados que pretendem experimentar a realidade para que se prepararam. Com o seu empenho e competência garantem o funcionamento de setores fundamentais como o centro de informação e documentação, a oficina de conservação e restauro ou gabinete de desenho. Da comunidade local chega-nos o interesse de uma recente associação cultural de jovens em desenvolver atividade no quadro da ação do Mosteiro, reforçando as ligações que o serviço educativo do monumento (do qual muitos desses jovens também um dia beneficiaram) vinha criando há vários anos.

Da hierarquia do organismo em que se integra a administração do Mosteiro da Batalha – a Direção-Geral do Património Cultural – chega uma nova cultura de trabalho, juntando o melhor da experiência dos organismos de cuja fusão resulta. Com ela chega a tão esperada exigência de uma maior responsabilidade e autonomia de funcionamento, agilizando as relações genuínas com o público e permitindo incrementar o seu sentido de pertença relativamente ao património. Tal como há 10 anos, nem tudo é dinheiro e uma boa parte daquilo que faz falta, pelo menos à gestão local de cada monumento, não o é de todo. A racionalização da gestão de recursos impõem-nos novas tarefas, que entendo devermos abraçar com alegria, na certeza de que a execução dos planos de atividades não pode, por definição, ser levada a melhor porto sem a intervenção permanente dos serviços a que dizem respeito. Também devemos estar gratos pela oportunidade que nos é dada de participar num processo de nova valorização do património com características que, de resto, já não esperávamos.

Apoio ao estudo e conservação de vitrais por duas cooperadoras

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