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Áquila


Áquila

Itália é um país com uma imensa riqueza patrimonial que inclui mais de 5 milhões de bens culturais catalogados. É também um país particularmente atingido por sismos com efeitos devastadores para os seus monumentos e centros históricos. Não é portanto de estranhar que tenham surgido neste país as primeiras medidas preventivas ou, melhor dizendo, as primeiras políticas patrimoniais de natureza preventiva a nível Europeu, no sentido de perceber as potenciais ameaças ambientais para o seu legado cultural.

À frente do Istituto Centrale per il Restauro (ICR), na década de 60 do século passado, Giovanni Urbani aplicou ao património construído os mesmos princípios que o seu mestre (Cesare Brandi) defendia para o património móvel: atente-se às possíveis causas de degradação na envolvente dos bens culturais e a sua conservação será mais eficiente e menos onerosa. A esta nova política preventiva chamou ‘conservação programada’ e constituiu a base teórica de referência para o ambicioso projecto que, 30 anos mais tarde, o ICR iria desenvolver em todo o território italiano: a Carta del Rischio del Patrimonio Culturale (www.cartadelrischio.it).

O principio teórico é simples e cativante: registem-se cartograficamente todos os bens culturais à escala nacional e cruze-se no mapa com os factores de risco ambiental e humano mais relevantes em cada região, identificando-se assim as potenciais ameaças para o património a fim de se actuar preventivamente . Um desses riscos era precisamente o risco sísmico…Se pensarmos nas ocorrências recentes de tremores de terra nas regiões da Umbria-Marche (1997) ou Molise (2002) e nas torres medievais de Assis ou Siena, percebemos rapidamente o grau de risco e a sua dimensão para o património italiano e, por extensão, para o seu turismo cultural. Trata-se não apenas de uma perda cultural e económica muito significativa, mas também da perda irrecuperável de vidas humanas. Conscientes destes riscos, os especialistas têm desenvolvido importante investigação científica e inúmeros estudos técnicos sobre a avaliação do risco sísmico em monumentos ou sobre sistemas de reforço estrutural para edifícios históricos, no sentido de minimizar as consequências de uma tal catástrofe natural. No entanto, a ciência humana tem os seus limites e, por maior que seja a monitorização contínua da actividade sísmica, a ocorrência de tais fenómenos continua a ser um segredo dos deuses pois, nestas ocasiões, a Natureza não avisa com antecedência. São portanto de estranhar as recentes notícias sobre a condenação legal a seis anos de prisão por homicídio involuntário de sete peritos italianos na sequência do sismo de Áquila, ocorrido em 6 de Abril de 2009 (magnitude 6.3), por terem emitido cinco dias antes um comunicado tranquilizador à população, na sequência de pressão política. Como já aqui se questionou uma vez: trata-se de uma questão técnica de contornos políticos ou o inverso? É uma questão sensível, certamente, mas a responsabilização criminal de técnicos pelos seus pareceres científicos nesta matéria não deixa de ser um perigoso precedente. Quem quererá agora emitir um termo de responsabilidade pelo próximo sismo? Portugal tem, nesta matéria, um passado histórico traumático que nos pesa diariamente sobre a cabeça, mas o tempo atenua o medo e se as autoridades nacionais de segurança (Protecção Civil, Bombeiros) têm vindo a prever cenários e planos de actuação para a eventualidade de um novo sismo em Lisboa, por exemplo, os sectores da construção ou do imobiliário não parecem ter particular preocupação sobre este assunto. Ao contrário de outros países europeus, os centros históricos portugueses passaram incólumes à destruição causada pela Segunda Guerra Mundial, mas sofreram as consequências do congelamento das rendas durante décadas, nomeadamente a significativa degradação física do edificado histórico. As consequências de um sismo como aquele de 1755 (pergunta clássica em todos artigos sobre o tema) seriam certamente preocupantes, mas agora já ninguém se atreverá a ir para a prisão por dizer se há ou não há risco…

Imagem de Público online, Dezembro 2007

Vista aérea da cidade de Áquila após o terramoto, a 6 de Abril de 2009

A Catedral de São Massino após o terramoto, no dia 7 de Abril de 2009

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