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Novo SEC, novo OE: o Património no Estado (Parte I: pessoas)


Novo SEC, novo OE: o Património no Estado

parte I: pessoas (Leia a “parte II – políticas” deste Editorial no próximo dia 27 de Novembro)

A crise tem destas coisas: não há dinheiro debaixo do colchão e, naturalmente, procura-se preservar o colchão e angariar dinheiro fora de casa. Há os que procuram mas não encontram, e há os que, procurando e encontrando, não escolhem essas formas alternativas de financiamento, manter o colchão e toda a dignidade. Orgulhosamente sós.

Este é o caso em matéria de gestão patrimonial no nosso país. Vejamos o lado do “fim do dinheiro debaixo do colchão” nesta área, numa perspectiva factual: • O Estado, em Portugal, é proprietário, gestor, programador, responsável pela conservação e restauro e prestador / vendedor de serviços (lojas, serviço educativo, bilhética). • Portugal tem uma quantidade de património em muito superior às suas actuais e – se não voltarmos a ser reis do mundo como uma boa parte de nós antecipa – futuras capacidades económicas. • O Estado, no sector da Cultura, tem actualmente limitações de know-how nas várias valências que envolvem a gestão global de um recurso patrimonial. • O Estado tem inultrapassáveis dificuldades de contratação de pessoal em qualquer sector, e na área da Cultura também.

Olhemos agora para o ângulo de “procurar dinheiro fora de casa” em matéria de gestão patrimonial. Assumindo que não há de facto mais dinheiro em casa, pelo menos para o modo de vida dos últimos anos (décadas?), temos várias opções pela frente: i. Arranjamos outro “Estado” que financie este sector. ii. Deixamos cair ou vendemos uma parte significativa dos recursos patrimoniais sob a alçada estatal. iii. Tentamos ver se alguém, fora de casa, também se interessa pelo nosso “métier”: Cultura, Património. Vamos partir do princípio que a primeira opção é ilusória e vamos deixar a segunda opção de lado – não somente porque já boa parte das coisas cai efectivamente mas sem uma assunção prévia de se tratar de uma escolha consciente (o que impede o surgimento ou criação de uma oportunidade alternativa para estes bens); mas, também, porque a temática da venda de bens, seguindo a simples lógica da nossa gestão caseira e familiar, deve ser a última a ser considerada como política instituída.

Antes dessa opção limite, temos a alternativa de “procurar amigos”: quando éramos miúdos, ao iniciar uma brincadeira que achávamos engraçada, costumávamos juntar outro amigo e, com os braços sobre os ombros uns dos outros, cantarolar suficientemente alto para nos ouvirem “Quem quer brincar....” Não somente estávamos convencidos que a brincadeira seria mais divertida com mais participantes, como também que aquele jogo era suficientemente interessante para angariar novos aderentes.

Não existirão assim pessoas interessadas pelo património e dispostas a investir neste bem? Que pessoas poderão ser essas?

São certamente pessoas de uma geração mais nova do que a dos dirigentes actuais do sector público na área da Cultura, agregadas em empresas ou actuando como profissionais liberais: fora, portanto, do espectro Estatal.

Pelo facto de terem uma experiência profissional mais inconstante do ponto de vista institucional – e forçosamente mais diversificada –, são normalmente profissionais com um forte conhecimento das dinâmicas internacionais do sector, com boas redes de contactos, abertos a outras culturas, curiosos e habituados a outras formas de ver e pensar.

E são igualmente técnicos com uma cultura de resultados, transmitida pela sua inclusão no mercado, de obrigatória e diária necessidade de fazerem prova da sua capacidade de produzir rendimentos qualititativos ou quantitativos para as suas entidades empregadoras, mesmo quando estas são eles próprios.

As empresas unipessoais ou mais complexas que trabalham em património são, assim, antes de mais, pessoas. E pessoas que são imbuídas de uma força anímica e de uma vontade de trabalhar neste sector em Portugal forçosamente muito forte, caso contrário tinham sido espertas e escolhido uma outra área bem mais fácil do ponto de vista de empregabilidade e segurança.

As empresas que trabalham em património resultam de investimentos pessoais, não somente em matéria de formação – obrigatoriamente constante para poder continuar a competir no mercado –, mas também em matéria pessoal e financeira (muitas vezes, estes dois campos não se separando de todo...).

É tempo do Estado, na área do Património e da Cultura, personificado nos actuais dirigentes do sector, não olhar para esta massa inexoravelmente crescente de profissionais como inimiga, frios exploradores capitalistas, desprovidos de qualquer sentimento de amor pela Cultura ou pelo Património – sentimento nobre exclusivo dos funcionários públicos do sector.

E pensar que talvez aqui, nesta massa, existam os tais “amigos” dispostos a investir no jogo da Cultura, no campo específico do património cultural.

Com um novo Secretário de Estado da Cultura, um novo Orçamento na calha, uma nova oportunidade, enfim, de “baralhar e dar de novo”, é tempo deste novo olhar. Nem que seja – agora sim, friamente – porque esta massa de pessoas vai ser rapidamente a maioria.

Catarina Valença Gonçalves

Dinamização territorial em meio rural (Foto Spira)

Fortaleza de Évora Monte (Foto Nuno Pereira/Spira)

As antigas Estações de Caminho-de-ferro (Foto Nuno Pereira/Spira)

Marialva - uma aldeia por revitalizar (Foto Spira)

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