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Douro


As recentes notícias de que a UNESCO terá, alegadamente, dado luz verde à continuação das obras da barragem do Tua, em plena paisagem cultural protegida e classificada como património da Humanidade, designada por Alto Douro Vinhateiro (ADV) são, a vários níveis, desconcertantes. Segundo noticiado, o relatório da missão conjunta do Comité do Património Mundial da UNESCO, ICOMOS e IUCN considera que a construção de uma barragem para o aproveitamento hidroelétrico de Foz Tua, entre Alijó e Carrazeda de Ansiães, é compatível com a manutenção do ADV na lista do Património Mundial.

Não tendo sido (ainda) divulgado publicamente o teor do referido relatório enviado ao Governo Português, estranha-se que a recente visita da comissão de peritos possa ter sido tão esclarecedora e dissipadora de dúvidas, quando antes a opinião generalizada era de que as obras da barragem constituíam um sério risco para a manutenção do estatuto de Património Mundial. Recorde-se que a paisagem do Alto Douro, com uma extensão de 26 mil hectares, ao longo do rio Douro, foi classificada em 2001 como Paisagem Cultural da Humanidade como ”exemplo notável de uma região vinícola europeia tradicional, reflectindo a evolução da totalidade das actividades associadas à produção vinícola - socalcos, quintas (complexos de produção vinícola), aldeias, capelas e estradas - cuja paisagem foi moldada ao longo de dois mil anos”. Faz parte da vasta Região Demarcada do Douro (equivale a dez por cento), a mais antiga região vitícola regulamentada do mundo (1756), cujo produto mais conhecido é o famoso Vinho do Porto. São portanto valores naturais, paisagísticos, históricos, culturais e económicos que estão em causa.

Neste quadro de protecção patrimonial (ao mais alto nível), estranha-se sobretudo o modo como as coisas parecem ser conduzidas: faz-se primeiro e pergunta-se depois. Numa paisagem cultural de tamanha importância – que contempla também uma importante dimensão económica decorrente do negócio do vinho e do turismo – não se percebe como é possível avançar com uma obra desta envergadura sem percorrer os canais próprios (nacionais e internacionais) e garantir ou negociar atempadamente a sua concordância. Não parece ser o caso e as obras já em curso foram interrompidas (a propósito, a questão semântica da ‘velocidade’ das obras parece ridícula…), com os consequentes custos de estaleiro e de projecto. O novo calendário das obras, que atrasa a empreitada em um ano, e a nova solução técnica de enterrar a cablagem, parecem agora a solução perfeita, mas há quem comente que os elevadíssimos custos desta operação poderão acabar por inviabilizar a operação…resta a dúvida: foi uma decisão técnica com implicações políticas? Ou o contrário? Há também quem refira existir um conflito entre a posição dos peritos (técnica) e a resposta final da UNESCO (política).

A verdade é que parece ausente de toda esta história a ideia de uma política cultural concertada para o ADV, com um planeamento estratégico a médio e longo prazo, assente em bases realistas. Veja-se o caso do Museu do Douro, no Peso da Régua, onde há uma semana encerrou a muito aclamada exposição sobre a vida de Dona Antónia Ferreira, a famosa Ferreirinha, e cujo espaço inaugurado em 2006 no contexto de uma eventual Regionalização, está agora em vias de fechar definitivamente, devido à extinção da Fundação do Douro, decidida na recente avaliação das Fundações, pelo actual governo.

Mas afinal que tipo de planeamento, de gestão, de política cultural existe para o ADV? A atribuição do estatuto de Património da Humanidade – hoje cada vez mais vulgarizado – implica a obrigação de criar estruturas eficientes e concertadas para sua gestão, sem as quais o valor em causa não é salvaguardado. Sabendo-se hoje da saturação de classificações na Europa (de que a recente classificação de Elvas foi uma excepção e uma surpresa), de uma crescente valorização de outro tipo de valores culturais, da existência de critérios geográficos que privilegiam outras regiões do globo e dos critérios (cada vez mais) políticos que presidem às classificações, importa preservar o que temos sob pena de o perdermos definitivamente.

Os Editores

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