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Recordando Túlio Espanca


São insondáveis os desígnios que nos conduzem ao Património. O meu passou pelo todo o terreno! Nos anos 80, quando estas actividades começaram a desenvolver-se em Portugal, fiz parte de organizações que me fizeram descobrir, por caminhos de terra (os caminhos “mal seguidos” como se diz no Alentejo), um país completamente desconhecido onde, mesmo nas paisagens mais remotas que nos parecem intocadas por mão humana, aparecia essa face visível da história que é o Património.

Esta descoberta marcou de tal forma a minha vida que a integrei como ingrediente essencial do projecto de animação turística que, mais tarde, desenvolvi no Alentejo. Aqui, por maioria de razão: não há região em Portugal onde o abraço da Natureza e do Património seja mais simbiótico e, também, mais estruturante da Paisagem.

Tratando-se de um projecto de turismo de ar livre, assente em percursos por caminhos e veredas, o primeiro trabalho que nos coube fazer foi definir e executar um programa de reconhecimentos no terreno. A questão óbvia deve ter-nos surgido logo no primeiro encontro com o património, seguramente uma qualquer ermida em ruínas, com uns restos de frescos ainda visíveis e mato a crescer por todo o lado: como é que podemos passar por aqui sem saber contar esta história? E onde vamos encontrá-la, quando este lugar está fora de tudo quanto é considerado um percurso turístico tradicional?

A resposta acabou por ser encontrada facilmente e teve um nome: Túlio Espanca.

Túlio Espanca (1913 - 1993)

Sabia quem era porque tinha estado ligada a um projecto de jornalismo regional que, durante vários números, incluiu artigos de divulgação do património da sua autoria. Foi nessa altura que o conheci pessoalmente. Um dia acompanhei um dos seus passeios guiados ao Património do Concelho de Évora e nunca mais me esqueci dos primeiros monumentos que me foram oferecidos pela sua mão: a Igreja de S. Vicente do Pigeiro, junto à Vendinha, e o Castelo Real de Valongo, na extrema do concelho, perto de Montoito. Nem nunca mais me esqueci da sua voz delicada, da sua postura cortês e do enorme gosto com que tratava as coisas do Património. Mas só muitos anos mais tarde, quando precisei dele como de pão para a boca, é que realizei que estava a contrair com a sua obra a dívida maior da minha vida. Comprei todos aqueles volumes enormes e pesadíssimos do Inventário Artístico do Distrito de Évora e de Beja e, na preparação dos nossos percursos, comecei a funcionar de modo inverso: em vez de andar pelo campo, tomar nota do que encontrava e ir investigar em casa do que se tratava, “aviava-me em terra” com fotocópias das zonas que ia reconhecer e fazia todos os desvios necessários para passar por todos os vestígios interessantes que figuravam no Inventário. Na minha Bíblia, como passei a chamar-lhe.

E quanto mais percorria o Alentejo mais admiração sentia por este Homem autodidacta, que tinha como escolaridade a 4ª classe e acabou doutorado honoris causa. A pé e de burro, durante dezenas e dezenas de anos, dedicou uma parte substancial do seu tempo a calcorrear este território, a inventariar o seu património artístico e a divulgá-lo. Não há nada que lhe tenha escapado.

O seu exemplo foi uma presença tão forte na parte do meu trabalho que teve a ver com o Património que, nesta primeira colaboração, senti que a palavra certa a dizer a quem me lê só poderia ser a evocação da memória de Túlio Espanca.

Felizmente, tive oportunidade de lhe dizer em vida como o seu trabalho estava a ser útil para mim e como lhe estava grata. Compreendi e respeitei a morte que escolheu. Mas ainda hoje me faz falta vê-lo a deambular pela Cidade.

Castelo Real de Valongo, Valongo, Évora

Monumento "A Cultura saiu à rua num dia assim",

escultura em mármore de Isaac Filipe da Silva,

Aldeia de Melides, Odemira

Menir do Barrocal, Herdade do Barrocal, Reguengos de Monsaraz

Cromeleque dos Almendres, Guadalupe, Évora

Fachada da Igreja de Santa Clara, David Freitas

Inventário Artístico de Portugal, Concelho de

Évora, vol.II, Lisboa, A.N.B.A., 1966

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