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A Educação artística como ferramenta para experimentar e pensar o mundo




“A Educação Artística não são manualidades”.1


Há muitos anos que esta frase me acompanha e me tem levado a encontrar diferentes lugares de pensamento e posicionamento enquanto programadora educativa, arte educadora, mediadora artística e cultural, professora, pessoa e mãe, ecoando em todas as minhas facetas.

Reencontrei-a há uns tempos nas palavras da autora Maria Acaso e assinalei-a no meu mapa pessoal de aprendizagens como um caminho sublinhado a amarelo fluorescente, como acontece quando nos encontramos nas palavras dos outros.


A educação artística não são manualidades, não se resume a uma concretização ou exploração visual dentro de um formato técnico e apresentação numa modalidade artística. Não se resume a um produto. É na realidade uma forma de pensar e experimentar o mundo, uma maneira de construirmos um pensamento crítico e criativo a partir do referente da obra de arte e dos processos de pensamento e fazer artísticos. Uma educação que parte da arte e avança ao encontro do nosso eu, dos outros e do mundo explorando conceitos e ideias que nos permitem mapear o que ainda não existe e “pensar para além do possível”.2

Permite-nos “ver melhor”3 o que nos rodeia, quem somos, as nossas relações uns com os outros, a trama onde se tece a sociedade, o mundo que temos e o mundo que queremos ter.


Ao contrário de um produto, que resulta de um fazer manual vazio de intenção crítica e criativa, é um processo intelectual que em si vincula comunicação e transformação, e por isso é capaz de gerar contantes e divergentes formas de pensamento, num permanente poder gerador de interpretações, criações, recriações e transformações.

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A educação artística é um ato vivo do pensar humano que faz nascer múltiplas formas e expressões e que gera conversas, diferentes tipos de conversas. É eclética, agregadora e inclusiva e tem sempre espaço para mais alguém, para mais uma ideia, sugestão ou sentimento.


A partir dela podem-se explorar diferentes caminhos educativos e desenhar projetos variados que lhes podem conferir formas e resultados diversos.

Sendo uma ferramenta para experimentar e pensar o mundo, pode debruçar-se sobre qualquer conteúdo ou temática, sejam questões de educação para a cidadania –“pensando sobre as situações e os problemas que dão forma ao mundo”4 – relações entre áreas curriculares e/ou disciplinares, ou do campo das competências pessoais e sociais, desenvolvendo-se num contexto temporal, espacial e humano.

A educação artística permite pensar a educação em si como uma plataforma de aplicação do pensamento artístico, experimental, divergente – “o pensamento como problema e não como solução”5, crítico por natureza, como uma “experiência aglutinadora a partir da qual se pode gerar conhecimento sobre qualquer tema”7.


Deve posicionar-se no presente e usar os referentes artísticos e sociais desse presente, dessa contemporaneidade, partindo da arte para produzir pensamento e conhecimento, não se limitando a reproduzir trabalhos, “o uso da releitura como cópia”6 de artistas que se encontram presos em livros ou a reproduzir técnicas manuais, mas voar com(o) os artistas – novos e antigos, de diferentes géneros e etnias, habitantes de diferentes tempos, geografias e contextos - e criar um pensamento veloz e corajoso que discorre sobre a vida e o mundo e torna livre a voz de cada um. Deve ocupar o espaço da escola e do museu e todos os espaços intermédios que possamos imaginar, sendo um fio condutor do processo transversal da educação.


Faz mais de um século que no campo da arte (a partir da criação da Fonte pelo artista Marcel Duchamp em 1917) as competências principais de um artista passaram a ser as intelectuais – a ideia como matéria prima, passando a destreza ou domínio técnico para segundo plano. Porquê então a resistência da educação em se transformar?


Porque se vive ainda em tantas realidades a educação artística como um conjunto de técnicas e de instruções que explicam os passos para a construção de objetos “artísticosrepetidos de forma igual ou parecida por todos os alunos?


A educação artística tem de se emancipar e sair da área das puras manualidades, do conceito do fazer técnico e avançar para o campo da ideia abraçando a” importância de transformar a prática acrítica em prática como produção de pensamento crítico, criativo e artístico”7.


A importância do fazer artístico e os seus processos e técnicas estão interligados com a relevância do pensamento que geram e implicam. São ferramentas de exploração e compreensão do mundo e não se podem resumir a decorações em capas de trabalhos, decorações para festas, painéis temáticos ou reproduções de obras sem aparente relação com um conteúdo ou contexto crítico.

É na exploração do fazer artístico em que se desenvolvem o pensar e fazer criativo e artísticos. É quando se pensa com o corpo, a ponta do lápis e as cores das tintas que se acionam novas formas de pensamento, que conjugam hands-on, minds-on e hearts-on8, e se criam novos lugares de pensamento e de criação. Lugares “para além do possível“ porque “fazer não é necessariamente sinónimo de aprender se a ação requerida não se inserir num desafio de tipo cognitivo que levante questões e dote a experiência de sentido”8.


É importante e urgente operar esta transformação e abraçar o conceito ou ideia como motor e a partir deste permitir que se gere uma didática de pensamento crítico, criativo e artístico em que as artes e a cultura visual são dispositivos produtores de pensamento. próprio e coletivo, consciente, que expande a nossa consciência e nos enraíza na vida e no mundo a que pertencemos.

É urgente colocar a arte na vida e a vida na arte e viver este todo como espaço para perguntas, dúvidas, experimentações e erros. É urgente transformar a sala de aula em lugares de voo e os museus em laboratórios de pensamento e juntos ensaiarmos novos futuros educativos vivendo a arte como parte de nós.


É o momento de pensarmos sobre o que fazemos, como o fazemos e para quem o fazemos e a partir do poder transformador da arte construirmos as práticas do futuro.


Andreia Dias*, julho 2023


 


*LUGAR: https://gulbenkian.pt/cam/agenda/cam-em-movimento-lugar/, projeto da Fábrica de Projetos gulbenkian.pt/descobrir/geral/fabrica-de-projetos-2/ do serviço educativo do CAM é um projeto de educação e criação artística com as escolas centrado na ideia de Lugar enquanto espaço de construção de identidade, de relação, de memória e de narrativa, defendendo uma sociedade plural com múltiplas vozes e lugares de fala e o desenvolvimento de um pensamento crítico e criativo fomentador de debate, imaginação e criação (de futuros). Desenvolvido ao longo de todo um ano letivo com 4 escolas, 7 professoras, 4 mediadoras, 163 alunos (as) dos 3ºs e 4ºs anos e o artista Márcio Carvalho. Escolas EB1 Mestre Arnaldo Louro de Almeida - 2 turmas de 3ºano e 2 turmas de 4º ano; EB1 Mestre Querubim Lapa – 1 turma de 3º ano; EB1 S. Sebastião da Pedreira – 1 turma de 3ºano; EB 1 Castelo – 1 turma de 4º ano. Coordenação e mediação: Andreia Dias Mediação: Andreia Coutinho, Joana Simões Piedade, Mariana Faria.


1 ACASO, M. (2014). La educación artística no son manualidades. Los libros de la Catarata

2 frase do aluno Benjamin na conversa de inauguração da obra Lugar(es), obra participativa do projeto Lugar https://www.facebook.com/fcgulbenkian/posts/660514799438691?ref=embed_post

3 frase do aluno Vasco em relação ao seu trabalho da sessão Lugar Transformação, do projeto Lugar

4 ACASO, M, & MEGÍAS, C. (2017).Art Thinking: como el arte puede transformar la education. Grupo Planeta. p.117; 7p.82

5 GARCÉS, M. (2013), Un mundo común, Barcelona, Galaxia Gutenberg. p.99 6 BARROS, A.R.S. (2016). Abordagem Triangular no ensino das artes e culturas visuais: uma breve revisão. FAFIBE. p.480 https://www.academia.edu/39643819/Abordagem_Triangular_no_ensino_das_artes_e_culturas_visuais_uma_breve_revis%C3%A3o

8 SILVA, S.G. da & BARRIGA, S. (2007). Serviços educativos na cultura. Coleção Públicos n2. Setepés. p.63

A autora utiliza o Acordo Ortográfico.


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