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Museu, entre o imparável, o incansável e a embriaguez


A próxima conferência geral do ICOM, já em Setembro deste ano, no Japão, Kyoto, a décima quinta desta organização de museus, tem como mote “Museus como plataformas culturais: o futuro da tradição”. Está a ser debatida, e terá certamente uma evolução no encontro mencionado, a definição de museu. A que está em vigor, como muitos saberão, é “O museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite.”

Na minha opinião não está ultrapassada, muita da sua substância ainda é actual e faz sentido. O universo museológico tem uma panóplia de desafios pela frente. O objectivo do ICOM, ao que parece, não será alterar por completo a mesma, mas antes alargar o seu âmbito e incluir, eventualmente, novas responsabilidades. Já considerada a espinha dorsal do ICOM, a definição que se pretende que seja tão consensual quanto possível, deverá ir acompanhando a realidade contemporânea e, desejavelmente, perspectivar o futuro.

Com efeito, um museu para além das suas funções ligadas à valorização da herança cultural consagradas na definição vigente (o que já não é pouco) deve assumir um papel de centro difusor (e produtor?) de cultura, de conhecimento e formação ao longo da vida, de promotor da cidadania activa e de coesão social, de âncora de desenvolvimento, o que deve ir além dos “fins de educação, estudo e deleite”. Conhecemos vários casos em que o surgimento de um novo museu foi motor de revitalização urbana ou de regeneração de uma região, ou até, em alguns casos, contributo para a imagem de um país. É evidente que pela diversidade de museus, tipologias e respectivas dimensões (não necessariamente as físicas), nem todos podem assumir esse papel, embora todos os que forem enquadráveis e dignos dessa designação serão essenciais, à sua escala, na sua missão cultural e social.

Não embarquemos, no entanto, em utopias. O museu pode fazer muito, pode fazer mais, mas não pode fazer tudo. Sem dúvida, os museus contribuem a vários níveis para um mundo melhor, mas se por um lado são instituições especiais, multifunções, intérpretes e mediadores da realidade heterogénea, ou pelo menos de grande parte dela, quase que as catedrais laicas dos dias de hoje, por outro, não fazem milagres e não lhes podemos exigir o impossível e a salvação do universo, como algumas narrativas aparentam fazer passar…

Há situações muito díspares entre museus, em certos casos e em bom rigor nem deveriam ser assim denominados, outros que são pouco visitados e muito pouco conhecidos do público em geral, outros ainda que o são em excesso e sofrem com a massificação do turismo, devendo empenhar-se em estratégias para dosear a adesão em massa, manifestamente prejudicial à conservação e segurança das colecções, bem como à vivência da experiência museológica, que para o visitante comum ou médio, à partida (e com algum optimismo), deseja uma combinação entre conhecer mais e fruir melhor, juntar o útil ao agradável poderemos resumir.

Roc Laseca, no seu El Museo Imparable[1] (agradeço ao Juan Gonçalves esta dica de leitura), refere-se a este como “o dispositivo necessário para levar a cabo uma titânica tarefa de carga paradoxal: expor para cegar, oferecer tudo publicamente para reduzir o programa teleológico da modernidade à catalogação económica e administrável do novo homem museal desideologizado e colocar o mundo à distância para tentar impedir o cerco dos fenómenos em favor da sobrevivência dos dispositivos que os representam”. Expressa ainda a existência de “uma nova tipologia museal, um monstro libertado (e liberal) que se move comodamente no que poderemos chamar de mudança entre a institucionalidade genuína e a branda.”

O Museu deve ser um conceito e uma instituição que seja incansável numa marca humanista da globalização ou até um centro que rume num outro sentido, que siga outros caminhos? Que replique e aprofunde a padronização ou sublinhe a diferença e a diversidade? Deve ser, sobretudo, um espelho bem limpo da sociedade, do seu processo histórico, da sua identidade ou um intérprete activo no processo de análise e modificação da imagem que surge nesse espelho? Ambos? Possível? Desejável?

No ano em que se evocam os cem anos do nascimento de Sophia de Mello Breyner Andresen, deixo-vos este poema da sua autoria, do livro O Nome das Coisas:

“MUSEU

Aqui – como convém aos mortais –

Tudo é divino

E a pintura embriaga mais

Que o próprio vinho”

Da esquerda para a direita: Museu da Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva, Centro Cultural de Belém, Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía.

 

[1] LASECA, Roc, El Museo Imparable. Sobre institucionalidad genuina y blanda, Ed. Metales Pesados, Santiago do Chile, 2015.

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