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O Património contra o Desenvolvimento: o caso do Estádio Nacional


Faz hoje 75 anos que o dito “Estádio Nacional” foi inaugurado pelo então Presidente do Conselho, Dr. António Oliveira Salazar. A promessa de uma intervenção do Estado no “Vale do Jamor” em Oeiras para construir um “complexo desportivo, símbolo da Nação Portuguesa” fora feita por António Salazar em 1933. A obra foi avocada pelo ministro das obras públicas, Duarte Pacheco, e entregue ao arquiteto Jacobertty Rosa (ficaram de fora os arquitetos concorrentes, Cristino da Silva, Constantino Constantini, Francisco Caldeira Cabral, Konrad Wiesner e Jorge Segurado).

Há 75 anos, nesse dia 10 de junho de 1944, então chamado o Dia da Raça Nacional, e quatro dias após o Dia D (desembarque na Normandia), ainda ressoavam por todos os jornais as palavras do Presidente Eisenhower. Cerca de 60 mil pessoas assistiram a essa inauguração. E ouviram da Tribuna os inflamados discursos, que a maioria dos historiadores atuais apelidam de “propaganda fascista” (para não citar outros vitupérios piores), concretamente (passo a citar):

"Salazar, devemos-te a esperança, devemos-te a paz, devemos-te o presente, mas a partir de hoje a nossa dívida tornou-se ainda maior. Devemos-te a certeza, devemos-te a alegria e devemos-te o futuro! Em nome de todos nós, em nome de todos aqueles que hão-de vir depois de nós mais forte e mais saudáveis, Bem hajas, Salazar, por teres cumprido a tua promessa. Obrigada pelos séculos fora. Obrigada para sempre".

Ao que António Salazar retorquiu, também da mesma Tribuna: "Tal como as montanhas, a história só se vê à distância. Um dia, daqui a muitas décadas, alguém se debruçará sobre a história que aqui vivemos hoje."

Ora, chegados ao dia de hoje, de facto, passaram mais de sete décadas. O Estado foi continuando a intervencionar o referido “Vale do Jamor” a seu belo prazer, na mesma lógica centralista, expropriadora e solitária de há 75 anos.

Não achou necessário ouvir a voz do escrutínio democrático das pessoas e empresas que votam e vivem em Oeiras. Até foi constituída uma “Liga dos Amigos do Jamor”, que apresentou recentemente à Direção-Geral do Património Cultural um projeto de “classificação” que abrange 230 hectares (incluindo o atual Estádio Nacional e as edificações que o Estado foi lá construindo).

Este caso merece análise e ponderação. Porque é um caso típico de uso do Património para salvaguardar uma memória que prejudica o Desenvolvimento das pessoas e empresas que vivem num Território (Oeiras). Basta parar na estação ferroviária da Cruz Quebrada para verificar a degradação e a falta de qualificação do território que esse projeto patrimonial provoca. O custo de manutenção dos edifícios e infraestruturas agravar-se-á com o tempo, constituindo uma despesa que o Estado abandonará à sorte do orçamento municipal, mais ano menos ano. Hoje já é difícil, mas a história desse ónus ainda será pior se deixarem passar as décadas que António Oliveira Salazar imaginou (mesmo sem intenção ou maldade, permitam que o diga).

A Museologia Social obrigou a Museologia Tradicional a aceitar uma evidência, que hoje é aceite por todxs: «de que o Património deve ser um fator de Desenvolvimento humano, social e cultural das populações e do território onde vivem. Que a voz desse escrutínio democrático nunca deve ser obliterada nas decisões sobre a instalação e gestão do Património».

Espera-se que a Direção-Geral do Património Cultural, os governantes, e os partidos políticos assumam as suas responsabilidades neste caso. Não façam a mesma intervenção centralista, expropriadora e solitária de há 75 anos.

A proposta que sugiro é: «Não decidam sem integrarem esse acto de salvaguarda patrimonial num Plano de Desenvolvimento Integrado do Vale do Jamor construído pelo Município de Oeiras». Proponho um novo paradigma para a resolução deste caso, que obriga a uma nova relação entre o Estado, a Fundação Universidade de Lisboa e o Município de Oeiras.

Não usem o Património contra o Desenvolvimento.

 

Texto originalmente publicado em Museum - UC no dia 10 de Junho de 2019.

O autor utiliza o Acordo Ortográfico.

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