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O que fica são os números? (ou uma reflexão sobre instituições culturais e os seus públicos)


A relação das instituições culturais com os seus públicos é indiscutivelmente um aspeto crucial da nossa atividade. Enquanto mediadores, cabe-nos uma grande responsabilidade na quantidade e qualidade do público que atraímos para a instituição que representamos. E se uma das formas de avaliar o trabalho realizado no serviço educativo é contabilizando os números, é também nossa responsabilidade refletir sobre a qualidade desses números, que é o reflexo da qualidade das atividades que propomos.

Se isto é verdade, sabemos que também é, ou pode ser, falso. Porque números são números, ou se cresce ou não se cresce, e mais é mais!... Se não atrai público, é como se não existisse, desce na escala de importância. E todos estamos de acordo quando comentamos que hoje em dia vivemos um esquema de rapidez e de oferta crescente. O que era importante ontem, hoje já passou! O que fica são os números.

Mesmo enquanto público, temos tanto por onde escolher que por vezes as boas opções passam-nos despercebidas e damos por nós a visitar esta ou aquela exposição imperdível (porque tem uma boa comunicação, está bem localizada, apareceu naquela reportagem) e a experiência é péssima, está cheia de gente, esperamos horas numa fila e vemos tudo a correr. Enquanto visitante de museus e exposições, eu sou avessa a multidões. Então a minha opção é sempre estudar qual a melhor hora para visitar a exposição ou o museu que quero ver (quase sempre perto da hora de fecho) e chego a optar por não entrar. Prefiro passar o meu tempo num museu obscuro mas quase vazio onde posso observar sem pressa a gola do vestido da santa que está na parede, a gastá-lo numa fila para ver em bicos de pés e por trás das cabeças dos outros o que toda a gente diz que tem de ser visto.

Por tudo isto, porque gosto de valorizar o impacto da experiência que não se pode contabilizar, sou avessa à valorização da quantidade em detrimento da qualidade no momento de analisar os números.

Por ironia do destino, se ao longo da vida profissional enquanto mediadora cultural já trabalhei em museus de renome (não precisam de fazer angariação de público, são atrações naturais) ou em exposições temporárias com um âmbito indiscutível, finalmente estacionei num arquivo municipal, com um acervo invejável mas com condições de atração do ‘grande público’ pouco competitivas (o que é um desafio, e uma sorte).

O arquivo tem público natural: historiadores e investigadores sensibilizados para a importância do acervo. Mas se é preciso mais público, temos duas hipóteses:

1) Conseguimos atrair mais desses? Não serão assim tantos… Mas vão aparecendo naturalmente sem ser preciso motivá-los.

2) Vamos tentar conquistar outros? Aqui, esbarramos com a barreira mais difícil de superar! Basta fechar os olhos e pensar no que é um arquivo: prateleiras até ao tecto, pastas cheias de documentos onde ninguém mexe há décadas, partículas de poeira suspensas no ar, um sítio parado no tempo. Esta é a nossa ideia pré-concebida e não interessa se é ou não é verdade!... Quem se lembra de visitar o arquivo com a família ao fim-de-semana?... Quem leva os filhos à exposição de fotografias do início do século?... Quem é o professor que liga a pedir para marcar atividades para os seus alunos?... Iam ficar surpreendidos!! São muitos mais do que se espera e são um público absolutamente fiel, que reconhece no arquivo um parceiro leal na divulgação do património histórico que é de todos nós e na preservação da memória da nossa cidade.

Esta relação entre o arquivo e os seus públicos foi crescendo em quantidade, facto que pode ser comprovado pelos números de público abrangido pelas atividades, através dos relatórios anuais. Não esquecemos também o crescimento em qualidade. Este pode ser muito mais difícil de contabilizar, muitas vezes só se vai mostrar daqui a alguns anos, mas não devemos descurá-lo. O risco é o de estarmos a receber público em grande quantidade, mas que entra e volta a sair do arquivo sem ter sido transformado. São números vazios, que alimentam a estatística mas não trazem satisfação a ninguém!

 

A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico.

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