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Nós temos sorte!


Qual a razão pela qual digo que nós, cidadãos, em 2019 temos sorte?

Reparem:

Um amigo, Álvaro Gomes (O nome da pedra, Porto: 2010), pede-nos para reflectir, e salienta: “D. Afonso Henriques nunca teve o privilégio de ler D. Dinis, nem D. Dinis teve o privilégio de ler Camões, nem Camões leu Eça de Queirós e também não conheceu Paris como cidade da luz, não teve hipótese de atravessar a Ponte ferroviária Maria Pia no Porto e não viu o Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa. Mas Eça também não teve hipótese de ler Fernando Pessoa, nem Fernando Pessoa teve o privilégio de ler Virgílio Ferreira, Torga ou Saramago e não teve hipótese de ver a Ponte da Arrábida.”

De facto, nós temos à nossa disposição toda esta grandiosa herança.

Mas, porque temos este privilégio, também temos responsabilidade acrescida.

Esta grandiosa herança obriga-nos a assumir uma enorme responsabilidade como cidadãos.

Como cidadãos companheiros de uma aventura não escolhida, que é viver num mundo que nos aconteceu. Um mundo que aconteceu a todos e não só a alguns. Todos chamados e nenhum escolhido para acertar. Um mundo que aconteceu a todos em face do mesmo desafio. Um desafio para os que pensam, os que fazem, os que entendem, os que ensinam, os que lutam.

Como cidadãos temos a obrigação de futurar resultados, converter e adaptar processos, reinventar sistemas, entender a passagem permanente de um mundo a outro.

Por exemplo, habituei-me, jovem, a ter sempre um dicionário à minha beira. Um pouco mais tarde recebi como presente a actualização da enciclopédia que transitara do meu pai. Aos 40 iniciais juntaram-se 10 volumes. Proporcionalmente aumentaram os problemas de prateleira para tanta coisa. Um mero problema de espaço.

Agora, os mais novos quase não usam dicionário. Em contrapartida usam um vocabulário mínimo nas SMS que enviam e que geralmente escrevem com os dois polegares.

Quando vejo isto, recordo que Shakespeare usava cerca de 24 mil palavras.

Hoje falar-se-ia de gigabytes.

Hoje, eu resolveria facilmente o problema de falta de espaço nas prateleiras substituindo a enciclopédia com um mero “disco externo”.

Nós, nas Humanidades (eu sou arqueólogo), estamos entusiasmados porque é crescente o número de livros publicados em todo o mundo. Mas devemos estar assim tão entusiasmados quando as tiragens são cada vez mais pequenas?

No entanto, sabemos que as tiragens são mais reduzidas mas, em contrapartida, chegam a mais pessoas.

Reconhecemos, porque já é uma realidade assumida, que as redes sociais estão mudar “tudo”.

Os nossos trabalhos científicos e as nossas dissertações já estão disponíveis online.

Mas, tal como termos sorte em 2019 por termos acesso aos ensinamentos de mais autores, também temos mais responsabilidade pela qualidade que agora transmitimos online. Um erro é visto por mais gente. A responsabilidade do rigor aumentou.

Um comentário despropositado é ouvido em todo o mundo. Um destes exemplos foi a proposta online do presidente Trump de “'bombardear' com água” a Notre Dame a arder.

Mas há indicadores interessantes que também nos fazem pensar: reparem numa carruagem de metropolitano, ou numa sala de espera de um aeroporto ou de uma estação de comboio, e notam que são muitas as pessoas, jovens e menos jovens, com um livro na mão.

Ao mesmo tempo, ouve-se mais música e até há sinais de que as pessoas estão a ir cada vez mais aos museus, estão a visitar monumentos e sítios históricos.

Quero crer que temos sorte, apesar de tudo…

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