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Inverno Museológico


Apesar das notícias e acontecimentos recentes, animadores para alguns, olhados com reserva ou desconfiança por outros, que indiciam uma revitalização da Rede Portuguesa de Museus (RPM) e do programa ProMuseus, de resto se for realizada com verdade e rigor é desejável e muito útil, é preciso analisar as necessidades dos museus portugueses de uma forma mais panorâmica, abrangente e a vários tempos, seja curto, médio ou longo. Fui daqueles que apelou, até aproveitando este espaço de opinião, a uma verdadeira revitalização da RPM e dos seus meios materiais e humanos para uma valorização e qualificação dos museus em Portugal e a importância do trabalho em rede, independentemente da natureza das tutelas, melhorando a cooperação institucional e das equipas (que vão escasseando…). Voltarei a este meu parêntesis e à sua centralidade numa política museológica nacional.

Por falar em tempo, estamos na fase derradeira do quarto ano da presente legislatura, com um programa de governo viabilizado pelo Parlamento (“política cultural” incluída…) em final de 2015, com quatro orçamentos de Estado que deveriam conceder as condições para que o mesmo fosse aplicado, já sem falar que vamos no terceiro titular governativo da pasta da cultura. Dito isto, opto nesta ocasião por passar adiante ou dar de barato se quiserem (apesar de ir sair bem caro) o cativante ministro das finanças e a dependência excessiva, directa ou indirecta, que as instituições privadas do sector cultural têm face à esfera estatal. Mas regressemos ao universo museológico propriamente dito, às suas carências e urgências, nomeadamente daqueles que são de gestão do Estado.

Palácio Nacional da Ajuda - Ala Poente.

Há uma realidade que muitos já conhecerão, que preocupará verdadeiramente alguns, nomeadamente o ICOM Portugal e mais algumas vozes (https://www.publico.pt/2018/05/18/culturaipsilon/opiniao/18-de-maio-dia-internacional-dos-museus-o-dever-da-indignacao-1830159) e cuja perpetuação da ausência de uma resposta tende a tornar-se assustadora, para não dizer catastrófica a prazo. Estou a referir-me em concreto ao tal parêntesis incluído acima, à falta de renovação das equipas dos museus, já de si escassas na esmagadora maioria dos casos. Muito do pessoal que compõe o corpo técnico, e não técnico também, das instituições museológicas está tendencialmente, ainda que de forma cada vez mais acelerada pela voracidade do tempo, a envelhecer (em bom rigor ninguém escapa a essa dinâmica…), a aproximar-se da reforma e urge que sejam encontradas soluções para aquilo que é, manifestamente, um problema. E está longe de ser pequeno. O testemunho deve ser passado de forma gradual e consistente, evitando-se assim a lesiva ausência de respostas ou que surjam de forma repentina, desorganizada e assim, muito provavelmente, desajustada e insuficiente.

Para que tal se verifique deve ser repensado de forma muito séria, isto é, deve ser encarado como algo prioritário, a política de contratações de pessoal qualificado para as instituições públicas, nomeadamente os museus, monumentos e sítios arqueológicos geridos directamente pelo Estado. Se tal pura e simplesmente não acontecer ou se acontecer de forma parcelar e tardia, poderá ser, efectivamente, tarde demais (passando a redundância, ainda que propositada) em muitos casos. Torna-se particularmente grave quando está em causa património cultural e o serviço público de cultura, área que, como tenho insistido, se reveste de uma importância real e estratégica sem par.

Deve ser equacionado, entre outras medidas, a abertura de concursos externos (ou outra solução equiparada, desde que eficiente e eficaz) que venham colmatar essas lacunas e constituir um refrescar coerente dos recursos humanos, técnicos superiores, conservadores, museólogos nomeadamente mas não só, e contemplar uma maior especialização de carreiras técnicas que dêem espaço próprio ao trabalho de investigação, um dos motores da vida dinâmica, e que se deseja actualizada, dos museus, com impacto positivo a diversos níveis: nos percursos museológicos, na gestão das colecções, na divulgação do conhecimento, seja por via de exposições temporárias e respectivos catálogos, seja por via de outras publicações, na educação e na comunicação patrimoniais.

Palácio Nacional da Ajuda - Sala D. Luís.

No limite, o garante da sua continuidade, da missão cultural e social dos museus, da transmissão dos testemunhos a todos os públicos, a todos os cidadãos, um contributo da maior relevância para a construção da memória colectiva, o reforço da identidade nacional, da nossa auto-estima, da cidadania activa, assim como um passo à frente no sentido da coesão territorial. Se o inverno demográfico afecta, e muito, o desenvolvimento e equilíbrio do território nacional, aquilo que apelido de inverno museológico, também. Deve ser, a montante, passado o testemunho de técnico mais experiente para outro devidamente qualificado, valorizado, e que dê continuidade a todo o trabalho desenvolvido e a desenvolver. Reflectir, iluminar, agir e evoluir. Só assim poderemos transitar de um inverno museológico para um renascimento que faça florescer instituições que, objectivamente, tornam o mundo melhor.


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