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A importância da Linguagem Clara na comunicação cultural


Em 2019 realiza-se a 3.ª edição do Prémio Acesso Cultura – Linguagem Clara, que, nas duas edições anteriores, se apresentou sob o nome de “Linguagem Simples”. Penso que a mudança na designação é pertinente, embora estejamos a falar da mesma coisa: comunicar com clareza e de maneira acessível com o nosso público.

O objetivo da Acesso Cultura com a atribuição deste prémio é “motivar os profissionais a estudar, implementar e dar a conhecer as boas práticas neste âmbito.” É precisamente o que este texto também procura.

A preocupação com a Linguagem Clara surge, historicamente, de iniciativas governamentais. Nos anos 70 do século XX, diversos países do mundo (nomeadamente os Estados Unidos da América, o Canadá, o Reino Unido e a Suécia) começaram a implementar normativas que apelavam à redação de documentos oficiais utilizando as bases da Linguagem Clara.

Longe de ser um assunto ultrapassado, cada vez existe maior preocupação por parte das instituições oficiais — e não só — pela escrita clara.

Em 1998, a União Europeia lançou uma primeira versão do guia prático “Redigir com Clareza”. Um ano depois, em Portugal, o Decreto-Lei n.º 135/99 já falava de comunicar com os cidadãos usando “linguagem simples, clara, concisa e significativa” e, em 2011, começaram a publicar-se em linguagem clara os resumos dos novos decretos-lei e decretos regulamentares.

Outros exemplos são as “Diretrizes federais para a Linguagem Simples”, da Plain Language Action and Information Network, ou as conferências internacionais organizadas pela Plain Language Association International desde 1995.

Esta associação internacional define a Linguagem Clara desta maneira:

“Uma comunicação está em linguagem simples se o texto, a estrutura e o design são tão claros que o público-alvo pode facilmente encontrar o que precisa, entender o que encontra e usar essa informação.”

As regras para construir um texto simples são fáceis de explicar. Estamos a falar essencialmente de textos com frases curtas e parágrafos estruturados por temas e por nível de relevância. Textos escritos com um vocabulário simples, onde os termos mais técnicos estejam explicados. Em suma, textos claros, concisos e legíveis; textos acessíveis a um público vasto.

Observar estas regras, adequadas a qualquer tipo de texto, faz ainda mais sentido quando escrevemos para suportes de comunicação cultural, nomeadamente painéis expositivos ou brochuras de espetáculos.

Numa sala de exposições, os leitores estarão, eventualmente, rodeados de ruído e, com uma iluminação pouco adequada, poderão sentir-se cansados após pouco tempo de visita. São diversas as condicionantes que afetam a capacidade de leitura e que se tem de tomar em consideração. Ao escrever, temos de conseguir cativar a atenção do leitor e facilitar-lhe a leitura, com um texto estruturado fácil de ler do início ao fim.

Vou centrar-me nos textos para painéis expositivos e de espaços interpretativos, porque são aqueles a que me dedico profissionalmente.

Antes de começarmos a escrever os conteúdos para os painéis de uma exposição, convém saber o que pretendemos transmitir – o tema principal – e quais os objetivos que queremos alcançar.

Podemos pretender transmitir factos provados, dar informação rigorosa com o objetivo de que o visitante adquira algum conhecimento sobre determinado assunto. A maioria das exposições segue este caminho.

Podemos decidir abordar questões mais controversas, das quais existem diversas interpretações ou pontos de vista, tendo em vista fazer os visitantes participarem nestas dúvidas e encorajar a sua reflexão.

Delaware

Fotografia1.

Ou podemos, ainda, apresentar informação tão impactante, que o seu objetivo seja fazer repensar opiniões ou mudar hábitos quotidianos.

Forced from home

Fotografia 2.

Mar de plástico

Fotografia 3.

Ao começar a escrita, teremos de pôr em prática as regras da Linguagem Clara, o que não é tão simples como pode parecer a priori. Fazê-lo obriga-nos a medir cada palavra, pesar cada frase e a colocarmo-nos no lugar do visitante.

As boas práticas costumam aconselhar que, para textos de exposições, se tome como referência a competência na leitura de jovens de 12 anos de idade. Escrever com essa faixa etária em mente vai-nos obrigar a deixar de fora muito do conhecimento acumulado sobre um determinado tema. Não faz sentido sobrecarregar o texto com um volume desproporcionado de nomes de artistas ou autores, tendências, referências, citações ou conceitos complexos. Não será a parede de um museu o lugar adequado para essa informação.

As folhas de sala ou alguns equipamentos interativos podem ser uma boa alternativa para colocar conteúdos complementares que interessem a públicos específicos, como o público especialista ou o público infantil. Já os catálogos expositivos serão, sem dúvida, um bom suporte para os conhecimentos académicos.

Nos textos de painéis expositivos pode (e deve-se) apresentar informações mais descontraídas, como curiosidades, testemunhos, analogias com o quotidiano ou perguntas-resposta. Este tipo de textos ajuda a criar alguma empatia nos visitantes e leva-os a fixar mais facilmente os conhecimentos.

É particularmente recomendável aplicar estas regras, quando pretendemos comunicar com um público o mais abrangente possível. Haverá visitantes que dominam o tema tratado e outros que o desconhecem. Alguns estarão habituados a visitar museus, enquanto outros estarão a ter essa experiência pela primeira vez. Serão de diferentes idades e variadas origens culturais. Mas todos eles têm de se sentir acolhidos e no lugar certo.

Cabe recordar que ninguém é especialista em todas as áreas do conhecimento. Um cientista pode sentir-se completamente perdido numa exposição de arte contemporânea, assim como um historiador de arte pode não entender nada numa exposição sobre o genoma humano. Mas tanto um como o outro conseguirão aproximar-se destes conteúdos, se forem trabalhados para serem acessíveis.

Antes de dar por concluído um texto, é essencial testá-lo para confirmar se os objetivos estabelecidos foram alcançados. Podemos fazê-lo criando um focus group, ou grupo de discussão, sempre que tenhamos o cuidado de nele incluir indivíduos representativos do nosso público alargado.

Por fim, entra em ação um aliado indispensável de um texto expositivo claro: o design gráfico acessível. As regras básicas da acessibilidade visual realçam a importância de escolher tipos de letra e tamanhos que facilitem a leitura, de garantir o contraste entre a cor das letras e a cor do fundo, de justificar o texto apenas à esquerda para não alterar o espaçamento entre palavras, entre outros cuidados a ter.

Contudo, para além destas questões, o design gráfico permite tratar de maneira diferente os diversos tipos de informação apresentada. Por exemplo, o primeiro parágrafo de um painel, caso funcione como introdução, pode ter um tamanho de letra maior ou então as curiosidades podem distinguir-se do restante texto com cores de letra e de fundo diferentes. Desde que não se abuse destes recursos, eles podem ajudar a tornar o painel mais dinâmico e cativante.

A seleção adequada das imagens, a utilização de gráficos ou infografias e a inclusão de objetos físicos podem ser estratégias complementares para ajudar a explicar e contextualizar as palavras ou os conceitos mais complicados.

Se olharmos para os painéis expositivos do ponto de vista da teoria da comunicação, o museu (emissor) pretende divulgar o seu património e a sua temática (mensagem) ao visitante (recetor), através dos suportes expositivos (canal) com recurso a informação textual e gráfica (código). Se os textos não são claros para o visitante, compromete-se este sistema e a comunicação não é bem-sucedida. E sem comunicação não se alcança a divulgação, que, juntamente com o estudo, a preservação e a valorização, é uma das principais missões destes espaços.

O cientista e museógrafo barcelonês Jorge Wagensberg dizia que o visitante deve sair de um museu com mais perguntas do que as que tinha ao entrar, ou dito de outra maneira:

“A transcendência de um museu não se mede pelo número de visitantes, mas pela conversa que gera.”

Penso que este é um bom propósito para os textos de exposições. Ao serem claros e acessíveis, conseguem divulgar e, mais importante ainda, gerar conversa, despertar a curiosidade e provocar a reflexão.

1: Exposição permanente “Delaware: um estado, muitas histórias”, da Delaware Historical Society. Estruturada com base numa parede central com vitrinas que podem ser vistas dos dois lados, convivem e complementam-se, na mesma exposição, duas visões da História. De um lado, apresenta-se “Discover Delaware”, com uma visão oficial da História do estado desde 1600 até ao presente. Do outro lado, “Journey to Freedom” apresenta a História do ponto de vista dos afro-americanos e a sua luta pela conquista dos Direitos Cívicos. Os mesmos objetos são interpretados de maneira diferente, dependendo do lado a partir de onde são observados.

©Delaware Museum Association

2: Exposição “Forced from Home”, dos Médicos Sem Fronteiras, sobre a crise mundial dos refugiados.

©Elias Williams

3: Exposição itinerante “Mar de Plástico”, organizada pela Campanha Ocean Action, que pretende refletir sobre o problema do lixo marinho.

©CIIMAR – Campanha Ocean Action

 

Elisabet Carceller é museógrafa e gerente da Formas Efémeras, empresa que desenvolve projetos culturais ligados à museografia, à interpretação do património, à didática e à criação contemporânea. Recebeu uma menção honrosa no Prémio 'Acesso Cultura – Linguagem Simples' 2018 e é membro integrante do júri de 2019.

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