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“Sinta-se em Casa” - Sessões Descontraídas na Casa Fernando Pessoa


Clara Riso*


Usamos a expressão “Sinta-se em Casa!” sempre que queremos destacar o ambiente de hospitalidade que desejamos proporcionar a quem visita a Casa Fernando Pessoa. É um dos jogos de linguagem que nos são permitidos por trabalharmos num museu que tem a palavra Casa no nome.


Usámo-la quando a Casa Fernando Pessoa reabriu em agosto de 2020, depois de obras de requalificação que visaram tornar os espaços e a exposição mais acessíveis e acolhedores.


Quando no final de 2021 começámos a preparar o lançamento das Sessões Descontraídas na Casa Fernando Pessoa, tínhamos a intenção de tornar a visita ao museu uma experiência tranquila, segura, agradável e amigável para algumas pessoas que muito frequentemente se sentem desconfortáveis nos espaços culturais. Há certos “protocolos” que vigoram, de forma latente, nos museus: não se faz barulho, não se fala alto, não se corre, não se mexe…


Conhecíamos as Sessões Descontraídas nos espetáculos de dança e teatro, ou seja, no campo das artes performativas. Sabíamos que nessas sessões era previsível que houvesse interrupções, ruído, movimentações na sala por parte do público. E o público sabia que não seria alvo de olhares recriminatórios nem dos habituais “shhhhiu” que tanto constrangem.


As pessoas que não ficam fácil e voluntariamente silenciosas, quietas, atentas durante um intervalo de tempo longo, num espaço que não lhes é familiar, entre pessoas desconhecidas, podem, nas Sessões Descontraídas, sentir-se à vontade para fruir tranquilamente da experiência. São bem-recebidas e, como consequência, ficam mais descontraídas. Tal como quem os acompanha, família ou pessoas amigas.

Não sabíamos bem como trazer o conceito – e a prática – das Sessões Descontraídas para o museu. Como poderíamos adaptar os espaços e a exposição para preparar um ambiente seguro, desejável para receber visitas destes públicos.


Começámos por fazer formação com a APPDA-Lisboa, Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo (Inês Neto), e com a Acesso Cultura (Maria Vlachou). Nesta formação pudemos perceber melhor a que públicos se destinam as Sessões Descontraídas, que tipo de estímulos devemos ter em atenção, que comportamentos e reações devemos esperar, que situações de crise devemos antever.

A APPDA e a Acesso Cultura elaboraram um relatório para preparação das Sessões Descontraídas na Casa Fernando Pessoa, do qual constam 1) informações a incluir da História Visual, documento de que falaremos de seguida; 2) notas para divulgação das Sessões ao público; 3) orientações para a equipa da Casa Fernando Pessoa, detalhando pontos e aspetos concretos a ter em conta em cada piso da exposição; 4) sugestões.

Considerando estes elementos, pudemos então preparar os espaços, os materiais e a equipa para começar a fazer as sessões, e desenhar os materiais de comunicação para anunciar a existência do programa.

Foram elaborados documentos, disponibilizados online, para consulta anterior à vinda à Casa Fernando Pessoa para a Sessão Descontraída.


A História Visual é um documento essencial para conhecer os espaços antes de iniciar a visita. É composto por fotografias acompanhadas de texto breve e claro sobre entrada e circulação no museu, interação com a equipa, espaços e elementos que vão encontrar na exposição. É este documento que permite evitar situações de perturbação que o desconhecimento do espaço e dos ambientes poderia causar. Conhecendo previamente a História Visual, os visitantes vêm predispostos para o que vão encontrar, o que torna a visita mais controlada e tranquila. A História Visual está disponível no site da Casa Fernando Pessoa, português e inglês.



Igualmente disponível online está o Guião Pictográfico, documento que apresenta o museu e a exposição através de imagens e de frases curtas e objetivas. Foi uma sugestão deixada pela APPDA e pela Acesso Cultura no relatório que elaboraram, por ser considerado um importante elemento de apoio à visita. Foi elaborado por Célia Sousa / Centro de Recursos para a Inclusão Digital – CRID, Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Politécnico de Leiria.



Decidimos fazer a primeira Sessão Descontraída na Casa Fernando Pessoa no dia 18 de maio de 2022, Dia Internacional dos Museus. Nesse ano, o tema proposto pelo ICOM (International Council of Museums) foi “O Poder dos Museus” e incluía a seguinte afirmação: “O Poder dos Museus reside na capacidade de garantir espaços inclusivos, de diálogo e promoção de cidadania ativa, mas também espaços de bem-estar e deleite.”.

Desde essa data, fazemos uma manhã, bimestral, de Sessão Descontraída na Casa Fernando Pessoa. Entre as 10h e as 13h de um sábado, a cada dois meses, os espaços da exposição e a equipa de mediação estão preparados para receber quem sinta que, ao abrigo deste programa, pode ter uma experiência de visita ao museu mais de acordo com a sua expectativa, com o seu perfil, com o seu gosto. Ao chegar à Casa Fernando Pessoa, os visitantes vão encontrar a Casa especialmente preparada para os receber.

Na exposição a luz é ajustada: é aumentada ligeiramente em zonas mais escuras e pode ser temporariamente diminuída ou desligada, se necessário, em zonas onde é mais forte, como nos patamares das escadas entre pisos.


O som é também adaptado: em vários espaços há instalações sonoras que fazem parte da museografia cujo volume, nestas ocasiões, é reduzido.


Os elementos da equipa da mediação vestem, nessa manhã, um colete fluorescente para serem mais facilmente identificados pelos visitantes. A equipa recebeu formação sobre o modo adequado para comunicar com os visitantes e como atuar em situação de crise.


A lotação é controlada: não estarão mais de dez pessoas por piso simultaneamente.

São preparados dois espaços de conforto, um no Piso 3 e outro no Piso 0, para o caso de as pessoas sentirem necessidade de se recolher durante algum tempo num local que seja tranquilizador. Nestas salas, estão puffs para sentar, almofadas e alguns jogos manuais para ajudar a acalmar.


Quanto à divulgação do programa, recupero aqui a sinopse de apresentação: “as Sessões Descontraídas destinam-se a todos os indivíduos e famílias que preferem ou beneficiam de um ambiente mais descontraído num espaço cultural, reduzindo os níveis de ansiedade e tornando a experiência mais agradável. Por exemplo, pessoas com perturbação do espectro do autismo (PEA); pessoas com dificuldade intelectual e de desenvolvimento; crianças com perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA); pessoas com síndrome de Down; pessoas com síndrome de Tourette; seniores em estados iniciais de demência; pessoas com deficiências sensoriais, sociais ou de comunicação; famílias com crianças pequenas”.


Na verdade, temos tido alguma dificuldade em apresentar as Sessões Descontraídas. Neste, como em todos os programas com recursos específicos de acessibilidade, optamos por promover a participação de públicos mistos, em vez de fazer programas exclusivos para públicos com e sem necessidades específicas. Assim, a participação nas Sessões Descontraídas na Casa Fernando Pessoa está aberta a qualquer visitante. No entanto, sentimos necessidade de enumerar exemplos de públicos específicos aos quais as sessões se destinam em primeiro lugar, pois há ainda muitas pessoas que não sabem o que são as Sessões Descontraídas. Recebemos contactos de pessoas que nos perguntam de que se trata exatamente e, se desconhecem o conceito, presumem que Sessões Descontraídas são programas de jogo e brincadeira para crianças. Outras pessoas, nomeadamente alguns pais, estão já familiarizadas com o termo e fazem então questões sobre materiais de apoio e condições de visita.


Continuamos assim a procurar uma fórmula eficaz para divulgar o programa para que, por um lado, não crie equívocos sobre o que o visitante vai encontrar, mas que, por outro lado, não restrinja a participação de público ao fazer uma listagem – longa mas necessariamente restrita – de beneficiários das Sessões.

Já passou mais de um ano desde que iniciámos as Sessões Descontraídas na Casa Fernando Pessoa. Creio que somos dos poucos museus em Portugal a fazê-lo. Este ano, para o Dia Internacional dos Museus, fizemos um programa dedicado ao tema Literatura, Arte e Saúde Mental. No dia 18 de maio, dia de entrada livre, recebemos um grupo do Elo Social para a Sessão Descontraída, que nos deixou algumas sugestões de melhoria.


Temos intenção de preparar uma visita orientada à exposição, ou uma oficina relacionada com Fernando Pessoa e poesia, em formato de sessão descontraída. Pensamos implementá-la quando a equipa sentir que já ganhou a experiência necessária para tal. É provável – e desejável! – que no próximo ano possamos anunciar um novo programa, levando mais longe a prática das Sessões Descontraídas na Casa Fernando Pessoa, Museu de Literatura.


2022 ©José Frade


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*Clara Riso é directora da Casa Fernando Pessoa desde 2014.

A Casa Fernando Pessoa é tutelada pela EGEAC, empresa municipal de gestão cultural de Lisboa.


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