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Blind Them With Science


Não o ia escrever. Não vos queria sabedores. Não o ia revelar: em criança tinha medo dos cegos. Porque me não viam. Nem sabiam de mim à distância. À distância reconheciam-me pela voz. É certo que quase todas as crianças têm medo de aleijões. Eu tinha medo dos cegos. A correcção política não se compadece com a real realidade das coisas; por isso, quem a prefira à animalidade que nos habita a todos interrompa por favor a leitura e feche os olhos. Para ver ao longe - muito longe - há quem atribua a Lippershey a invenção do telescópio nos alvores do século XVII com fins bélicos e ao serviço dos Países Baixos. Outros asseveram que foi um monge britânico do século XIV que o inventou, apontou para o chão e concluiu que não tinha préstimo para nada. Galileu assestou-o ao céu e alterou de uma assentada a visão cosmogónica e cosmológica da Europa. Ainda a visão e os cegos: os cegos que guiam outros cegos. No Metropolitano, na Baixa, no Evangelho Segundo São Mateus e numa tela de Bruegel, o Velho. O desamparo latente e efectivo: a eminência da queda e a queda consumada no mesmo enquadramento. O nosso? Há uns quantos lustros Boaventura Sousa Santos avisou-nos dos perigos emergentes dos ignorantes especializados. Agora que emergiram, se espalharam por todo o lado e tomaram de assalto o Poder, o castelo tem a bandeira às avessas face à ablepsia de todos menos dos que a hastearam dessa desesperançada maneira. Ignorantes especializados. Contaram-me que num programa de entretenimento cultural o curriculum vitae de Leonardo foi rejeitado pelo CEO de uma grande empresa por considerar o candidato demasiado eclético: disperso. Já se sabe, quem foi parar a Madagáscar agigantou-se ou ficou anão. The flight of the dodo. Só o do ponto de chegada, já que da ilha, por nanismo ou gigantismo, ninguém mais se evade. A mediocridade parece ter assaltado vários lugares de liderança e influência e já se sabe: se discutirmos com um estúpido ele puxa-nos para a arena da estupidez e vence-nos aos pontos. Também já Isaiah Berlin sabia muito bem que "a fox knows many things, but a hedgehog one important thing". Entre o deve e o haver de uma política para a fruição cultural os cegos vão guiando os outros cegos e tão pouco reparam nos ouriços e raposas que se lhes atravessam no caminho. Que seja. Let it come down. Noto que me centrei demasiado neles. E nós? Vamos cegar?

# OPINIÃO


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