O Património não serve para nada, a Arqueologia tão pouco e a Cultura nada é. O discurso a mote do Passado redunda invariavelmente numa logomaquia tendente a organizar o caos e o absurdo com que a memória nos confronta na espuma dos dias. Tão somente porque o Passado já não existe e o Futuro também (ainda) não, uns quantos de nós persistem levar o tempo numa dúplice mimese de Ulisses e Penélope, tecendo, viajando e temendo que Ítaca se afunde e nós com ela.
O chapéu de Rolin, a besta primordial de Chatwin, a mão de Nooteboom e as Viagens de Battuta e Mandeville engrossam o volume de signos sugados pelo vórtice final do esquecimento: aquele em que cada palavra perderá enfim os seus significados para alívio dos que ainda cá estiverem. Porque a linguagem é um empecilho para a consciência e qualquer alinhamento de palavras uma repetição da igualha do paradoxo extremo oriental: A próxima frase é falsa. A frase anterior é verdadeira.
A Poética é imitação. A Política é acção. O Conhecimento é criação. Não: a prevalência de sujeito sobre objecto redunda numa replicação de fancaria da desgraça de Pigmalião e o seu inverso conduz ao destino de Plínio-o-Velho assomando-se à beira do vulcão. A iconoclastia enobrece o Presente. A piromania dá-lhe sentido e a lobotomia é a única saída para o pensamento e seus frutos contemporâneos. Os archotes de Alexandria, as cinzas de Dresden e os obuses de Palmira remanescem como exemplos da única saída sustentável para uma Cultura Absoluta.
Entre o deve e o haver de uma ética para a cultura dos alvores do século XXI, enterrada que está a sua diletante noção barthesiana, o imperativo categórico kantiano é um nado morto e a liberdade positiva de Isahia Berlin exige nanismo e acefalia. Ruido, distorção e rapacidade constituem a única via salubre para guilhotinar silêncio, clareza e generosidade. Um humanismo europeu ocidental e as vias possíveis da sua reprodução politica não tem viabilidade a não ser por meio da urgente adopção de uma visão pyongyaniana do Direito, da Ciência e da Cultura.
Para um refloruit totalitário da cosmogonia de Aristóteles e do eugenismo de Platão é imperativo recuperar o sentido prático de Tomás de Torquemada: purgar a diferença, aniquilar o outro, pugnar pela imposição de um sereno e apaziguante status quo que nos proteja da nefasta influência da diversidade, do pluralismo e da transversalidade humanista e seus disruptivos efeitos na ordem da medieva Ecúmena.
E principalmente esquecer que o Presente, por vezes, se assemelha com as linhas que por antinomia escrevi. Espero que a ironia - impercetível na voz gravada - passe no verbo escrito. É por certo ironia, mas não nos matem os nossos ídolos.