Recentemente, tive a oportunidade de participar na apresentação dos estudos prévios desenvolvidos sobre um território formalmente designado por “serras do Porto”. Ao longo da vida, quer como investigador, quer como gestor de património, tenho participado em inúmeras reuniões em que se apresentam ideias e projetos. Mas, nesta sessão, surpreendi-me.
Surpreendi-me porque três municípios (Gondomar, Paredes e Valongo) tiveram a iniciativa de se associar para criar uma paisagem protegida regional (Diário da República de 15 de março de 2017), agregando espaços vizinhos, uma paisagem cultural de cerca de 60 mil hectares, assumindo um território que, embora dividido administrativamente pelos três, é agora reconhecido como “homogéneo”, constituindo uma unidade paisagística onde se integram as Serras de Santa Justa, Pias, Castiçal, Flores, Santa Iria e Banjas.
Surpreendi-me porque os resultados científicos são já evidentes, apesar da investigação multidisciplinar estar ainda em desenvolvimento, pretendendo-se que evolua, proporcionando perspetivas transdisciplinares.
Surpreendi-me porque percebi na expressão dos três autarcas o reconhecimento de que este território, para além dos limites administrativos, é enriquecido pela perceção de um “outro território”, tal como foi usado, e explorado, ao longo dos séculos, resultado do casamento do trabalho do homem com a natureza.
Como arqueólogo, especialmente interessado nas marcas romanas em toda a bacia do rio Douro, no norte da Meseta, saliento a indústria mineira e, especialmente, a exploração do ouro nas “Serras do Porto”. Sei que está a ser cuidadosamente identificada e que, como é justificadamente defendido por investigadores que trabalham ativamente, há anos, sobre esta paisagem milenar, permite pensar que estamos perante um dos maiores complexos mineiros romanos do mundo.
Surpreendi-me porque ouvi os autarcas defenderem a gestão integrada, e participativa, deste “novo território” que resulta da junção de espaços “retirados” dos três municípios, assumindo um papel ativo na prossecução do “estudo, conservação, valorização e usufruto sustentado”.
Surpreendi-me porque o trabalho está a ser realizado por equipas que integram harmoniosamente docentes universitários, investigadores e técnicos das autarquias, na perspetiva de agregar conhecimentos, juntar esforços e incentivar relações sociais, também com as populações. As metodologias de abordagem mostram-se diferentes das habituais em Portugal, procurando agora verter uma gestão conjunta para este “território”, bem diferente do mero somatório de interesses pessoais ou de pareceres técnicos institucionais.
Mas as “Serras do Porto”, tal como desejado nos seus regulamentos, são um território para ser fruído, para ser valorizado pelo usufruto dos cidadãos. Apesar da simpatia que a economia tem pelas atitudes que induzem o uso intenso, o abuso do uso do espaço pode transformar-se num dos maiores fatores de risco, apesar de se dever analisar cada situação, caso a caso, na medida das diferenças e especificidades.
Surpreendi-me, também, porque os responsáveis deste “novo território” salientam a necessidade de desenvolver ações concentradas e concertadas, procurando evitar que riscos combinados lhe provoquem danos irreversíveis.
Julgo que “este território milenar merece um futuro sustentado”. Julgo que é de louvar quem assim pensa e atua. Lembrei-me dos atributos que Marco Túlio Cícero, no séc. I a.C., apontava aos bons líderes: “dedicação no trabalho, capacidade de decisão nas situações desafiadoras, energia na ação, rapidez na execução, bom senso nas previsões”.
* O texto foi escrito de acordo com o Novo Acordo Ortográfico.