Ter de recuar e corrigir publicamente uma afirmação pública é das coisas mais difíceis de fazer e, para quem está habituado, na sua qualidade de investigador, a ponderar cuidadosamente os vários aspetos de um qualquer problema, podendo então sentir-se seguro das afirmações que faz, é verdadeiramente doloroso.
Há duas semanas disse, em texto que teve alguma difusão, a propósito da “elevação” de Conimbriga a Museu Nacional que “a qualidade dos pareceres internos, ponderadas tomadas de posição em sede própria (a Secção especializada de museus, da conservação e restauro e do património imaterial do Conselho Nacional de Cultura) e apelos públicos muitíssimo significativos fizeram, no caso de Conimbriga, imperar o bom-senso. São devidos sinceros e respeitosos cumprimentos a todos os envolvidos, obviamente incluindo Ministério e Direção-Geral”.
No dia 22 do corrente mês de Março do ano de 2017 foi publicado no Diário da República o despacho 2458/2017 do Gabinete do Ministro Cultura que determina que o Museu Monográfico de Conimbriga passe a denominar-se Museu Monográfico de Conimbriga - Museu Nacional.
Ou seja, como se temia, mas erradamente preferi acreditar não ser possível conceber, muda-se gratuitamente a designação do Museu sem em nada atender à sua situação efetiva. O Museu continua remetido à estrutura flexível da DGPC, cuja orgânica não é alterada e o seu diretor mantem-se na situação de menoridade administrativa de chefe de divisão (que a situação é para durar, prova-o o facto de os Museus de Grão Vasco e da Música, cuja designação foi alterada há mais de um ano, continuarem administrativamente no mesmíssimo ponto em que estavam).
É por isso que venho aqui, contrito e com a cabeça coberta de cinzas, retratar-me da minha afirmação e substituí-la pela seguinte: “apesar da qualidade dos pareceres internos, de ponderadas tomadas de posição em sede própria e de apelos públicos muitíssimo significativos, não imperou o bom-senso”. Retiro os cumprimentos ao Ministério e à Direção-Geral, porque os não merecem.
A discussão em gabinete, após a reunião da secção especializada do CNC, só pode ter sido míope e a solução encontrada é medíocre. Para os responsáveis, a coincidência da designação da instituição com o seu propósito é matéria de nenhuma relevância, e importa a primeira porque desistiram de aprofundar o segundo. A existência, na dependência dos órgãos de governo do país, de uma pluralidade de instituições exercendo conjuntos de funções diferenciados, todos eles importantes e complementares, vai mais longe: não só é irrelevante, como é entendida como prejudicial – dá trabalho perceber o que cada um faz, sendo preferível um sistema huxleyano de alfas, betas e gamas.
E desta forma, o senhor ministro, poeta e embaixador, partureja um Museu Nacional que é Monográfico: o poeta terá acolhido o oximoro enquanto o embaixador tomou por boa a forma sem atender à substância, como soe acontecer (em ambos casos).
Mas, só podemos ficar gratos, verdadeiramente rendidos, esmagados até, pela oferta tão generosa deste conceito, o nacional-monografismo, que desde já se coloca como objeto de estudo da Wertbegriffe, da história das ideias políticas e da Geistgeschichte.
O que poderá este conceito significar? Peço antecipadamente desculpa pela rudimentaridade da análise, que se justifica pela novidade e pouco tempo disponível para aprofundar a magnitude da ideia, mas não resisto a exprimir as minhas primeiras impressões:
- Nacional haverá noção do que seja, dirá respeito ao país. Monográfico é um composto derivado do grego, de monos (único) e graphicos (representação). O conceito denotará, prima facie, o facto de no país se representar uma única coisa – ou uma ideia, um conceito, o que quiserem – de cada vez. Isto para mim é uma epifania.
Oh, penates de Camilo Castelo Branco! Oh, manes de Eça, de Oliveira Martins e de Santo Antero! Oh, espectros de António Sardinha, de Hipólito Raposo e de Teixeira de Pascoaes! Rejubilai! E oh, vós, estudiosos vivos das fímbrias e âmagos da alma nacional! Vede e contemplai com reverência. O senhor ministro explicou o problema português: é o nacional-monografismo! É o facto de só termos uma ideia de cada vez, o mesmo é dizer que não conseguimos alinhar duas! E não é isto o que, no nosso país, todos sentimos, todos os dias: que a tropa fandanga que nos saiu na rifa não acerta duas seguidas?! Para mim, o assunto está arrumado. Quanto à esdrúxula designação, consolemo-nos com o seguinte: aí pelo ano 80 da era, também Conimbriga foi crismada Flavia Conimbriga, e depois ninguém ligou, e o nome voltou à simplicidade original do nome que diz: “o lugar é alto e fortificado” - o que faz muita falta nos dias que correm, para se lidar com estes bárbaros a uma distância higiénica.
Virgílio Hipólito Correia, Museu Monográfico de Conimbriga
Este artigo segue o Novo Acordo Ortográfico.
Fotografia: Ruínas Conimbriga (retirada de: http://cm-condeixa.pt/turismo/patrimonio/museus/ruinas-de-conimbriga/).