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Capital Humano ao serviço do Património


Existe lugar para a Cultura e para a Arte num contexto de crise em que as economias ocidentais estão envolvidas? Para que nos servem os bens culturais, no cenário actual? E o imenso património arquitectónico artístico com que fomos abençoados pelas gerações anteriores? As respostas às perguntas anteriores podem ser evidentes para muitas pessoas. Alguns, mais apaixonados pelo tema, defenderão a sua importância incontornável. Outros, ditos pragmáticos e pouco dados a devaneios poéticos, dirão que devemos concentrar os nossos recursos em áreas de impacto social imediato, mais visíveis e (seguramente) mais populares. Na minha óptica, para sermos verdadeiramente objectivos, devemos clarificar qual o papel que queremos que a Cultura desempenhe no contexto das sociedades actuais – para avaliarmos então qual a “compensação” social, quais as metas, qual o impacto que desejamos.

Infelizmente, para muita gente (e aqui encontramos muitos decisores políticos), a Cultura continua a desempenhar um papel meramente estético, decorativo e lúdico – no fundo, preservar o já existente e entreter o público. Será este, porventura, o entendimento de muitos anteriores governos, a avaliar pela componente dos orçamentos de Estado dedicados à Cultura. Mas, mais do que o volume financeiro, é talvez mais sintomática a atitude de despejar algum dinheiro avulso, sem estratégia, muitas vezes apenas para serenar e satisfazer algumas clientelas mais barulhentas.

E qual a nossa estratégia? Será que preservar a cultura é apenas tentar manter o nosso património histórico e arquitectónico – fazendo reparações avulsas em castelos ou igrejas? E será que devemos encarar a cultura contemporânea como uma mera produção de objectos e eventos culturais padronizados, como concertos, exposições, filmes, peças de teatro ou esculturas?

No meu entender, a Cultura deve ser entendida como criatividade, como motor do desenvolvimento pessoal, do espírito crítico e da inovação. Deve ter uma relação de simbiose com a educação e a formação (essencialmente, dos mais jovens) e, através da partilha de novos saberes e conhecimentos, promover uma sociedade mais participativa e exigente. Este é o papel da cultura nas sociedades modernas, verdadeiramente desenvolvidas e qualificadas. E, factor não negligenciável, deverá ser uma realidade que crie empregos e riqueza nas comunidades que nela apostarem.

Mas como fazer acontecer? Tal pressupõe, pois, ter uma Cultura e um acesso à criação artística não apenas de elites, mas que conte com o empenho, entusiasmo e participação de toda a Comunidade. A criação e fruição cultural devem ser feitas com envolvimento de escolas, associações, fundações, empresas e outros agentes vivos das sociedades. O mecenato cultural por parte de empresas e outras instituições deve ser promovido e multiplicado (e cada vez mais incentivado a nível fiscal).

Penso que um país com a história e a riqueza cultural de Portugal pode e deve fazer mais e melhor e utilizar esta sua realidade como vantagem competitiva. Não pretendo, nesta breve opinião, dar respostas definitivas sobre esta área. Não sou, neste âmbito, uma autoridade científica e credenciada. Apenas, como cidadão, que profissionalmente trabalha nas áreas de gestão de capital humano, tentar lançar ideias sobre como potenciar e valorizar parte do nosso património cultural – e refiro-me, em particular, ao nosso património edificado.

Temos, neste âmbito, uma riqueza enorme a preservar: castelos, vilas amuralhadas, igrejas, mosteiros, palácios, sítios arqueológicos, centros históricos em cidades pequenas ou médias, pequenas capelas abandonadas nos meios rurais. Uma boa parte deste património está em mau estado, degradado após décadas de incúria e de insuficiência orçamental. Não é preciso ir às pequenas localidades do interior – descobrem-se, em Lisboa ou Porto, inúmeros pequenos recantos que carecem de intervenção.

Todo este património é valioso para usufruto cultural das comunidades locais mas é também um investimento fantástico, de elevadíssimo potencial para uma das nossas actividades-chave: o turismo.

Faça-se um cadastro mais rigoroso do que temos, recupere-se a totalidade ou parte deste património e não tenho dúvidas que teremos uma oferta mais atractiva para um chamado turismo cultural, produto com elevadas taxas de crescimento em todo o mundo. Muitos já o fizeram antes, colocando estas causas da recuperação ou revitalização como desígnio nacional: fizeram-no as lindíssimas cidades francesas no pós II Guerra Mundial ou mesmo em Portugal com os projectos de investimento de Duarte Pacheco, na década de 1930, para recuperação do nosso património arquitectónico.

Para o fazer necessitamos de capital humano, em funções mais ou menos especializadas. Desde engenheiros, arquitectos, técnicos de restauro, responsáveis de obra, pedreiros, pintores, até aos mais operacionais. Temos, felizmente, esse capital humano e – por vicissitudes do contexto actual do mercado de construção/ imobiliário – com elevado nível de disponibilidade. Efectivamente, estima-se que o sector da engenharia/ construção dispense nos próximos anos centenas de milhares de profissionais. Esse capital humano, se desejar manter-se neste sector, terá de partir para grandes projectos de infra-estruturas no exterior ou reconverter-se, passando de uma focalização nas obras públicas e na construção civil para uma atenção à reabilitação do edificado.

Temos outro capital humano, não tão especializado que, por virtude da elevada taxa de desemprego, pode ser motivado para colaborar, de modo complementar, nestas tarefas. Numa altura em que as ditas profissões técnicas estão a ser de novo extremamente valorizadas, pode até significar para muitos cidadãos desocupados uma oportunidade pertinente de reconversão profissional.

Em síntese, tenho percorrido diversas cidades e locais históricos na Europa e no Mundo. Vejo e aprecio a monumentalidade desses locais e tenho a plena convicção de que Portugal não é inferior. Apenas está mais mal estruturado, menos cuidado e é menos divulgado. Se colocarmos o nosso Capital Humano e o nosso Talento português ao serviço desta causa, poderemos aproveitar este enorme potencial e tirar daqui excelentes retornos económicos e sociais.

Restauro da Estátua Equestre de D. José I, no Terreiro do Paço em Lisboa

(imagem retirada de http://www.publico.pt/local/noticia/d-jose-i-e-o-seu-cavalo-vao-deixar-de-ser-verdes-ate-ao-verao-1573511)

Oficina de Conservação e Restauro

(Imagem retirada de http://www.iao.ual.pt/noticia.aspx?id=706)

Carlos Sezões é Partner da Stanton Chase Portugal, uma das 10 maiores multinacionais de Executive Search, dedicada também às áreas de Gestão de Talento e Coaching. Licenciado em Gestão de Empresas, possui uma pós-graduação em Marketing e um Executive MBA. Para além da sua actividade profissional, é coordenador do Grupo de Trabalho de Capital Humano da SEDES.

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