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A importância das pedrarias no Património Religioso


Acompanhando a crescente preocupação da Igreja na inventariação do seu vasto e disperso património histórico-artístico que se materializou em inúmeras campanhas de inventário que, em vários casos, deram origem a publicações e exposições, foram estudadas muitas centenas de peças de joalharia e ourivesaria sob diversas perspectivas. Nestes estudos, além da abordagem à luz da história da arte, foram em muitos casos identificadas e classificadas as pedras que aí se encontravam engastadas.

Semelhante postura de estudo das gemas, tem presidido, igualmente, nos museus nacionais que, recorde-se, devem parte significativa do seu acervo religioso aos artefactos provenientes da extinção das ordens religiosas no segundo quartel de Oitocentos e das consequências da lei da separação já no início do Séc. XX. A colecção e tratamento desta informação técnica tem dado importantes contributos a vários níveis e que, aqui, se irão apresentar de forma breve. A razão pela qual aqui se abordam as pedrarias no património religioso, e não noutro, é no essencial devido a duas ordens de razões. A primeira, prende-se com as circunstâncias em que estas peças foram, ora concebidas, ou ora transferidas do universo profano para o devocional. Em determinados períodos da História, o louvor ao divino, tanto na construção de instrumentos da eucaristia e veneração dos santos, por exemplo, como nos ex-votos, está marcado pela grande riqueza artística e material de muitos artefactos, sendo a expressão de D. João V "para Deus o melhor" paradigmática neste particular. A segunda, deriva da essência conservadora da Igreja em manter, no geral, estas peças de marcado simbolismo espiritual sem grandes alterações ao longo dos tempos. Apesar da delapidação do seu património decorrente, por exemplo, das invasões francesas, da extinção das ordens religiosas e do anti-clericalismo da primeira república, a Igreja foi-o mantendo e protegendo em consideração da devoção dos seus fiéis. Daqui resulta que é no património de cariz religioso que reside o mais significativo acervo para os estudos da joalharia com pedrarias.

A identificação e classificação dos materiais gemológicos numa peça de joalharia, para alem de importantes como dados descritivos, por exemplo, em sede de inventário e exposição, são informações utilizáveis pelos investigadores na interpretação, por exemplo, do período de feitura das peças. Não raras vezes, as alfaias do culto apresentam um historial de adaptações estéticas e de enriquecimento gemológico que podem ser facilmente detectados com o auxílio das informações gemológicas. É possível, também, fazer interpretações do tipo sociológico relativamente à comunidade cristã devota, por exemplo, de determinado Santo numa determinada região e período da história. Casos interessantes estão identificados, por exemplo, na Ilha de S. Miguel com o culto ao Senhor Santo Cristo dos Milagres e no Santuário de Nossa Senhora de Vila Viçosa.

Na vertente da salvaguarda patrimonial, esta caracterização gemológica é da maior importância para a boa conservação e limpeza destas peças, visto que as técnicas de conservação e condições de manutenção das mesmas está intimamente ligada aos materiais da sua composição. Da mesma forma, numa intervenção de limpeza ou restauro, eventualmente necessária em virtude a antiguidade ou uso da peça, tem que se ter em linha de conta estas mesmas informações gemológicas para que os trabalhos decorram com o desejável sucesso. Dada a natureza preciosa destas pedras, por vezes de elevado valor pecuniário, um bom conhecimento das suas características e valor permitem um mais adequado planeamento das condições de segurança que devem presidir ao seu armazenamento ou exposição pública. O apuramento dos valores de seguro também pode depender da composição gemológica das peças, valores que são importantes para a salvaguarda deste património em sede de exposição residente ou itinerante.

Nesta breve contribuição pretendeu-se, por um lado, relevar o património religioso como vasta fonte para a interpretação da história da joalharia, na qual as pedras constituem uma vertente de cada vez maior relevo para os investigadores, e, por outro, salientar a importância que um bom conhecimento gemológico destas peças tem em aspectos mais práticos para a salvaguarda deste património histórico-artístico.

Observação preliminar na identificação das pedrarias na Capa do Ano Jubilar do Senhor Santo Cristo dos Milagres, Convento da Esperança, Ponta Delgada (foto Paulo do Vale)

Imagem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa adornada em grande aparato, sendo visíveis jóias que migraram do universo do profano para o devocional (foto Júlio Marques)

Relicário da Cruz do Santo Lenho da Sé de Évora onde se verifica grande riqueza gemológica, sendo uma das mais importantes peças para o estudo da utilização das pedrarias em finais do séc. XVII.

Foto Carlos Pombo Monteiro © Fundação Eugénio de Almeida/Arquidiocese de Évora

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