A Arqueologia está hoje plenamente articulada com as questões do ordenamento do território. Naturalmente, o pressuposto inerente à importância que lhe é dada reside na relevância social atribuída aos bens arqueológicos, encarados como herança finita do passado. Nesse sentido, a sua gestão, eventual “sacrifício” ou conservação pelo registo deve ser (ou deveria ser) muito ponderada e escrutinada, nomeadamente pelas populações envolvidas. Este pressuposto, é evidenciado nas convenções internacionais relativas ao património arqueológico, nomeadamente as de Lausanne e de Malta.
São precisamente estas preocupações que estão na base da mais vincada diferença entre as arqueologias portuguesa e brasileira: a designada Educação Patrimonial. Implementada de forma sistemática no Brasil, a partir de legislação específica, ocorre de forma pujante e obrigatória em associação a projectos de Arqueologia agregados à implementação de grandes obras. É evidente que, no Brasil, a sua emergência assenta numa perspectiva social e política claramente orientada para a cidadania, envolvendo comunidades locais e pessoal interveniente em tais obras, muitas vezes de grande impacto ambiental e social. A Educação Patrimonial, encarada como um processo educacional, visa o desenvolvimento das pessoas e, através delas, contribuir para a preservação patrimonial, tendo por base que apenas podemos respeitar e preservar aquilo que conhecemos e entendemos. Neste contexto, a interacção entre profissionais do Património e as populações de áreas específicas ou o pessoal afecto aos processos de construção civil a implementar, contribui para uma efectiva sensibilização e formação dos envolvidos, criando pontes de diálogo, de compreensão e participação em torno dos trabalhos de Arqueologia a promover no âmbito de obras. A difusão do modelo brasileiro poderia ser importante para reforçar, no contexto português, a capacidade de comunicação dos arqueólogos (e entidade tutelar do Património) com os seus interlocutores, contribuindo para a harmonização entre processos arqueológicos, ritmos de obra e sociabilização da Arqueologia, através da ligação aos cidadãos antes e durante o decorrer dos trabalhos. Apesar da esmagadora maioria da Arqueologia contemporânea acontecer a “reboque” de grandes obras, não devemos esquecer que ela prossegue objectivos específicos relacionados com processos educacionais, de produção de conhecimento e de salvaguarda patrimonial. Mais de quinze anos passados desde a emergência em Portugal de uma Arqueologia verdadeiramente profissional, continua a ser inaceitável a ausência de legislação específica sobre a sua sociabilização. Entretanto, ocorreram enormes projectos de obras abrangendo vastos territórios. De entre eles, destacam-se os casos da Barragem do Alqueva e as inúmeras auto-estradas que rasgaram o país, de norte a sul. O que sabem as populações sobre os milhares de sítios arqueológicos escavados e estudados? Que repercussões sociais ocorreram? Quantos casos implicaram articulação com escolas? Não tenhamos dúvidas: activar o Património passa por alterar mentalidades, interagir com populações e estimular envolvidos com a decisão e implementação de obras. No entanto, sem vontade política e legislação orientadora de objectivos a atingir, será difícil aos que ensaiam experiências por conta própria, atingir uma efectiva alteração da realidade.
Intervenção arqueológica em curso em palácio de Lisboa. Reunião com dono de obra e fiscalização.
Dia Aberto no Complexo Arqueológico dos Perdigões, vocacionado para a população de Reguengos de Monsaraz.
Lisboa. Escavação em curso no bairro da Bica.