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Nada é como esperamos?


A 7 de Abril de 2003, era lançada a Revista Património online: quis-se em papel ainda, porque era em papel que se lia mas faltou-nos o último patrocinador que nos teria permitido sustentar a impressão da revista até esta ganhar asas. Já tínhamos pensado nisso e mais convencidas ficámos que, não havendo já dinheiro a circular para permitir a impressão de uma revista como a que tínhamos desenhado, esta tomaria então a forma revolucionária, à data, da impressão virtual. Nunca pusémos em causa a pertinência dos conteúdos.

Quem éramos nós? Três jovens empreendedoras, da área da internet, da comunicação e do património que, unidas por amores diferentes a este bem cultural, mas igualmente convencidas da importância de agitar as águas nesta área, convencemos a EPAL, a Gulbenkian e o Banco de Portugal a apoiarem-nos nesta iniciativa.

Iniciativa revolucionária sim por ter tomado, numa altura em que o consumo dos conteúdos periódicos ainda se fazia maioritariamente em papel, a via do digital; mas revolucionária também por pretender trazer para o público em geral assuntos tão da academia, ou tão dos técnicos do sector, querendo, com tanta força, que o património fosse realmente e crescentemente de todos.

Foi 1 ano o tempo desta aventura sensivelmente, gémea da década negra que veio a pintar o Mundo Ocidental desde então e até hoje, de forma agora já não negra, mas tão clara aos nossos olhos.

Quase 10 anos passados, os conteúdos são consumidos de forma crescente online; a internet impôs um acesso e partilha da informação jamais experimentado anteriormente. O património, esse, deixou de ser uma coisa (tão) estranha para os portugueses: quer pela relação mais humana originada pela consideração do património imaterial; quer pelos vários selos de Património da Humanidade que ganhámos nesse período; quer ainda por iniciativas como os vários Festivais que atravessam o pais, os programas “As 7 Maravilhas...”, ou “Os Grandes Portugueses”; o desenvolvimento do turismo interno do interior assente nos recursos culturais do território; ou, finalmente, a senda de romances históricos ou biografias romantizadas sobre personagens do nosso passado comum. Temos de acrescentar ainda a revolução dos Serviços Educativos dos museus, palácios e monumentos que, mesmo sem um Programa Oficial de Educação Patrimonial, tornou “banal” para a generalidade dos miúdos a “ida ao museu”.

Houve assim uma massificação do consumo de património que deixou de ser, para muitos, uma coisa impenetrável, de uns “esquisitos”, para passar a ser algo de corrente, normal e gratificante no seu consumo de entretenimento e na ocupação de momentos de lazer. Não deixa de ser relevante, a este propósito, o aumento que se verificou nos primeiros 6 meses de 2012 da frequência de museus, palácios e monumentos em Portugal: como se, em tempo de crise, o património surgisse como uma oferta segura para as opções de entretenimento familiar, e com uma boa relação “value for money” (vejamos aliás como reagem estes consumidores ao aumento de tarifas de entrada anunciado pela DGPC para 2013).

Mas estávamos em 2003: pois não só convencemos instituições poderosas e prestigiadas a juntarem-se ao nosso projecto, como chegámos à fala com variadíssimos responsáveis da época ou profissionais do sector. Foi o caso das 3 entrevistas que levámos a cabo durante a breve existência da Revista Património Online. Uma delas, a de Elísio Summavielle (ES), recuperamo-la aqui.

Recuperamo-la porque, à data, ES era sub director-geral da DGEMN – uma realidade que nos parece distante agora –, tendo depois vindo a ser Presidente do IGESPAR que extinguiu a Direcção-Geral, Secretário de Estado da Cultura e, no presente, novamente responsável pelo sector do Património com novos “super-poderes” ao agregar todas as instituições do sector no seio da Direcção-Geral do Património Cultural.

Recuperamo-la também porque o que “ouvimos” de ES em 2003 é, essencialmente, a apresentação de um fio condutor de raciocínio sobre gestão patrimonial e que consideramos que este tem vindo a prosseguir ao longo da última década, nos vários cargos que desempenhou.

Mas também recuperamo-la porque é o último testemunho da defesa de um Estado interventor em matéria de obra, assente na vastíssima e reconhecidamente valiosa “Escola da DGEMN”: depois deste momento, o Estado em Portugal deixou de ter competências neste domínio, entregando ao mercado privado a execução de todos os serviços. Um Estado que é assim, hoje, muito mais um gestor destes bens: normalizador e fiscalizador e sem capacidade para executar pequenas, importantes e fundamentais intervenções de manutenção.

O que é para nós relevante constatar – constatação que perpassa quer na entrevista de Natália Correira Guedes recentemente publicada aqui na patrimonio.pt, quer neste diálogo com Elísio Summavielle em 2003 – é que, em qualquer um dos sistemas patrimoniais desenhados até agora, jamais se procedeu à imperiosa e insubstituível definição de uma Estratégia Patrimonial a médio e longo prazo.

De facto, estes avanços e recuos, omissões, esquecimentos, adormecimentos que marcam 30 anos de actuação Estatal em matéria de Património (temos dificuldade em intitulá-la de “política”...) resultam, em nosso entender, da ausência de uma clara, discutida e assente definição de atribuições e de estratégia à la longue.

Fôra feita essa reflexão e determinada a consequente política – para lá de ciclos políticos, para lá da fulanização de cargos, respeitando o tempo do património – talvez se tivesse concluído então, como afirma Elísio Summavielle em 2003, da importância e do menor custo de deter uma Escola como a da DGEMN, operativa, com capacidade e know-how de manutenção, nas competências do organismo estatal de património. Alienando-se antes matérias eminentemente de natureza comercial (como é o caso, para nós evidente, das lojas de museus e palácios, da bilhética, e dos serviços de visita guiada), serviços que excedem, em muito, o papel de um Estado: claramente um tema a discutir aqui na patrimonio.pt.

Catarina Valença Gonçalves

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