O poder dos museus para transformar o mundo
Todos os anos, o ICOM - Conselho Internacional de Museus - sugere um tema que orienta museus por todo o mundo na celebração do Dia Internacional dos Museus, onde num ambiente festivo se procura reforçar os laços entre museu e sociedade através de várias atividades culturais.
Este ano comemora-se, no dia 18 de maio, e o tema é “O Poder dos Museus”. A conferência anual, também habitual do ICOM, a realizar-se entre 20 e 27 de agosto em Praga irá debater “como os museus podem tornar o mundo um lugar melhor”, refletindo sobre as mudanças globais e a criação de espaços seguros e abertos a todos.
Podem de facto os museus mudar o mundo?
Qual o poder dos museus?
Estas são questões que me acompanham há muitos anos e creio que o mesmo acontece com muitos dos profissionais que dedicam os seus dias a trabalhar em educação no contexto dos museus.
Acredito que os museus (e no meu caso concreto, os museus de arte) podem realmente intervir na sociedade e contribuir para tornar o mundo um lugar melhor. Através da educação, da relação museu-escola e museu-comunidades, de projetos participativos e de cocriação e da relação com a arte os museus ligam-nos ao mundo de forma completa: sensorial, plena e encantatória.
Através das suas coleções de arte os museus operam em três eixos de desenvolvimento significativos - individual, comunitário e societal[1]. No primeiro estamos a considerar o empoderamento pessoal do individuo; no segundo o empoderamento e validação de comunidades e no terceiro a transformação das mundividências e criação de novas relações do indivíduo com a sociedade e o mundo.
No campo do empoderamento pessoal argumenta-se que um relacionamento com museus e com as artes em geral, pode desenvolver impactos positivos relacionados com a autoestima, a confiança e a criatividade[2]. Para que este desenvolvimento possa acontecer de fato, é determinante partir da validação do património cultural, social e emocional que cada um traz consigo, da sua biografia[3] e que servem como início de relação com a obra de arte[4] e da interpretação critica e criativa que se estabelece com a mesma. São estas validações, este encaixar do que trazemos com o que estamos a descobrir, que vão atuar como um aglutinante para a nova construção de conhecimentos e que reforçam o acreditar em si mesmo, nas suas competências e capacidades, individuais e sociais, encontrando na relação com a arte uma contribuição para a compreensão de si enquanto sujeito.
Num primeiro momento a obra reflete-nos. As convicções, ideias e conceitos que trazemos connosco moldam as nossas primeiras interpretações e implicar o conhecimento pessoal de cada um na construção de um pensamento critico e criativo a partir da obra de arte e da criação a partir de referentes e práticas artísticas é validar o individuo e potenciar o seu crescimento e desenvolvimento, colaborando no desenvolvimento das suas competências cognitivas, críticas, expressivas e emotivas.[5]
Trabalhar a partir das obras de arte permite-nos a liberdade de falar de identidade, de emoções, de vivências, de vidas, as nossas e as dos outros. Este falar, no contexto em que nos situamos, pode implicar o criar, e aqui os sujeitos transformam-se em autores[6] que nos devolvem a sua interpretação das obras e pensamentos sobre si, as obras e o mundo numa forma de criação artística significativa da experiência de validação pessoal vivida.
Como empoderamento e validação de comunidades encontramos diferentes exemplos de trabalho de releitura e re-siginificação de obras e coleções por parte de comunidades que estiveram à margem nos processos de validação e construção de narrativas sobre estas ao longo da história, ou que não foram de todo consideradas e que agora os museus começam a ouvir e a procurar como parceiros num novo entendimento de cultura e história, plural, multicultural, intercultural[7] e participativo. Aqui atribui-se aos museus o potencial de atuarem como “agentes de mudança social, aproximando as pessoas, contribuindo para as comunidades locais, mudando as vidas das pessoas”.[8]
Ao agir desta forma os museus estão a atuar como incentivos de regeneração social, e empoderamento das comunidades[9], apoiando a sua autodeterminação e desenvolvendo a confiança e capacidade de “terem um maior controlo das suas vidas e dos locais que habitam”[10] promovendo a tolerância, o respeito intercomunitário e o desafio de conceções e estereótipos[11], acrescentando páginas esquecidas às histórias contadas.
Inclui-se ainda neste ponto a incorporação de várias vozes dos diferentes públicos – diferentes pessoas, na auscultação ao pensar o que é educação, mediação e programação nos museus, que promove o trabalho de parceria entre museus e comunidades ou públicos, processo que tem em si um poder transformador sobre os museus e os seus papeis a desempenhar num mundo em que querem estar implicados e contribuir para melhorar incluindo estas vozes e “novos atores no seu espaço de poder e representação, cumprindo a sua parte no contributo para a construção de uma visão de futuro mais sustentável e justa, de comunidades mais fortes, mais resilientes, mais democráticas, assumindo-se como espaços de criação, de reflexão, de construção e reconstrução, de reparação e de cuidado.”[12]
Na transformação das mundividências e criação de novas relações do indivíduo com a sociedade e o mundo situam-se as propostas que apostam no desenvolvimento e formação humana e que pretendem contribuir para os valores cidadania e direitos humanos agindo face a crises humanitárias e diferentes tipos de discriminação e injustiça social. Implica desafiar os conhecimento de cada um, as suas ideias prévias, conceções, conceitos e preconceitos num desejo de alargar a visão sobre o mundo e o que este pode vir a ser, com o museu enquanto ideia de espaço seguro para debate e pensamento critico que contribui para desejáveis mudanças transformadoras da sociedade.
Nas palavras de uma aluna do 12º ano do secundário, participante num dos projetos educativos da Fábrica de Projetos[13] de 2022 - Histórias a muitas vozes: “A arte é como uma ferramenta com funções muito importantes, alertam a população para o ataque aos direitos humanos, tenta alertar as pessoas para o fato de o racismo e a xenofobia serem problemas que precisam de ser erradicados. A arte ajuda-nos a pensar sobre os assuntos que precisamos de trabalhar.”
O que nos lembra que a frase de Mandela - “a educação é a mais poderosa arma pela qual se pode mudar o mundo”[14] e que os museus têm de fato um papel cívico a desempenhar no presente e de que “precisamos trabalhar juntos para realizar todo o potencial dos museus e descobrir como o foco centrado no ser humano e na ação social pode transformar a sua prática, o seu museu e a sua comunidade”.[15]
A arte, os museus e a educação e mediação museal permitem a criação de novas relações com diferentes assuntos ou temáticas e podem contribuir na visão de um mundo melhorado e de uma sociedade que se deseja mais justa e equitativa contribuindo para transformar ideias, alargar e transformar consciências a cada passo, cada gesto, cada projeto, criando novas relações do indivíduo consigo próprio, com a sociedade e o mundo.
O poder, e responsabilidade, dos museus está precisamente em como trabalhar as suas obras, com narrativas atuais e múltiplas, críticas, posicionando-se com as suas comunidades, dando resposta às necessidades e exigências destas, abordando os temas sociais da contemporaneidade, ajudando a trabalhar assuntos incontornáveis da sociedade e contribuindo para vários entendimentos do mundo, “com o objetivo de cooperar para a dignidade humana e para a justiça social, a igualdade global e o bem-estar planetário”[16], assumindo um papel ativo e um posicionamento critico e cívico, abrindo-se a múltiplas formas de trabalhar numa perspetiva de diversidade e inclusão com as diferentes pessoas, como um jogo dinâmico, em que as mais variadas peças se vão encaixando e criando uma nova construção de sentidos.
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