Um arco efabulado: são assim todas as histórias para quem as estudou até ao alburno mais matricial. Aristóteles, Syd Field, e Todorov dizem todos o mesmo – teatro, cinema, narrativa – o último da forma mais simples e por isso mais próxima da queirosiana real realidade das cousas: as histórias têm todas o mesmo diagrama:
Princípio: equilíbrio que é alterado por um incidente incitante. Essa alteração provoca o conflito que se arrasta ao longo da parte mesial da narração. E o resultado do conflito, o final, e outra vez o equilíbrio, mas um outro, novo nas dinâmicas relacionais dos protagonistas. Um mundo diferente.
Um mundo já diferente. Há poucas semanas, tive o privilégio de regressar às já distantes viagens ferroviárias de Cascais, no Tua e em Krumlov, onde as fardas dos guarda freios são como o burgo da Boémia: uma memória em movimento contínuo de zootropo a passar outra vez na nossa tela mnemónica. Aqui tão perto, em Belém.
*
«Em viagens de longo curso, desde que a adultícia me deu carta verde para viajar conforme me apraz, que levo mais milhas terrestres ferroviárias na mochila que aeronáuticas na bagagem». Era esta a frase de abertura. Todavia destinos longínquos a tornam apartada da realidade.
Na real realidade das cousas, tenho mais léguas de comboio na Europa e África magrebina que aquelas que se iniciam com a cordialidade da locução «This is your captain speaking». O tempo da Glasnost levou-nos por sobre a já vetusta aduana de Irun-Hendaia para Krumlov, Bratislava e Cracóvia. Levou-nos de Lisboa à fronteira por sobre as solipas de uma via eivada de esforço, maestria e história.
Comboios, cordialidade e história: eis o que encontramos com empática cortesia na exposição patente na Junta de Freguesia de Belém. A história da ferrovia nacional e suas carruagens, locomotivas e gentes. Imagens e preciosos objectos de um passado remoto mas não tanto – eu tenho 50 anos e viajei em muitos das carruagens puxadas pelas máquinas ali em protótipo à escala, na minha memória de criança que nasceu em 1970, enormes! Hoje sou um adepto da reabertura de todas as linhas em hibernação por exemplo no Norte do País: só dou o caso da chegada à estação de Barca de Alva; que desperdício um tal monumento devoluto e seus comboios guardados.
O que acontece a Xerazade se não tiver mais histórias para contar ao Sultão? Morre. Com um anfitrião como José Manuel Pinheiro, não há nada a temer. As suas histórias são como as cerejas: «mais, conte mais». Metade do encanto desta notável exposição reside na fábula e seu narrador José Manuel Pinheiro: porque face a uma história bem contada (como já devo ter dito aqui mas nunca é demais evocar) não somos ricos nem pobres, sábios nem ignaros, novos nem velhos. Nesta viagem e com este contador, somos todos iguais.
É natural sairmos para os Jerónimos a pedir, como Matt Berninger, One More Second.
«Either way, we're gonna miss it. When it's gone.»
Comments