Carolina Silva *
O projecto de investigação Youth in Museums – Educational provision and professional training for youth in contemporary art museums, pretende investigar como é que os programas educativos e de formação profissional para jovens, entre os 15 e os 25 anos, em museus de arte contemporânea, criam oportunidades para o seu desenvolvimento pessoal, social e profissional, fora da educação formal[1]. Usando uma abordagem de investigação participativa, o projecto tem como principal parceiro o Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT) em Lisboa e propõe analisar o potencial de uma estrutura de programação por etapas para envolver os jovens – nomeadamente a combinação de iniciativas de curta duração, longa duração e profissionalizantes.
Esta abordagem de programação é já um traço comum aos programas para jovens em museus internacionais, nomeadamente nos Estados Unidos da América e no Reino Unido, onde as primeiras iniciativas para jovens – como público independente, em museus de arte contemporânea datam do início dos anos 90[2]. Duas razões principais explicam a evolução para uma programação por etapas (tier-based programmes). Por um lado, a demanda dos próprios jovens que, ao chegarem ao limite de idade dos programas continuados que lhes eram dirigidos, queriam novas possibilidades para dar continuidade à sua relação com a instituição, coincidindo também com o período em que procuravam as suas primeiras experiências profissionais. Por outro lado, os próprios museus aperceberam-se gradualmente do capital humano que estavam a criar ao desenvolver iniciativas continuadas com jovens, e o potencial da sua participação na programação para os seus pares.
A ideia de percurso está assim implícita no planeamento de uma programação que oferece aos jovens diferentes e graduais pontos de entrada no museu. A hipótese inicial da minha investigação era analisar e testar esta abordagem de programação dentro uma única instituição, o MAAT. Olhando tanto para os programas já existentes, nomeadamente o Laboratório Artístico e o Programa de Estágios, estabelecidos, respectivamente em 2016 e 2007, e propondo um programa piloto, um Coletivo de Jovens que convida os jovens, entre os 17 e os 24 anos, a participar ao longo de oito meses em projectos colaborativos com artistas e os seus pares. No entanto, ao mergulhar no terreno e em conversa com outras instituições culturais e com os próprios jovens, a pressuposição é agora a de que este percurso pode ser feito e pensado de forma interinstitucional. Ou seja, pode haver uma articulação entre instituições – a nível da programação e da comunicação, que permita aos jovens experienciar em diferentes espaços culturais programas que se complementam. Esta movimentação já existe de forma intuitiva, no entanto, pode ser potenciada através de uma articulação mais estreita e consciente entre instituições.
Pensar o território para pensar a programação cultural?
Apesar de, como referi, o foco do projecto ser o MAAT e a sua programação para jovens, interessava-me desde o início mapear o território em que o museu se insere, nomeadamente o eixo de Belém, Ajuda e Alcântara. Um maior conhecimento desse território e dos seus interlocutores socioeducativos e culturais, atendendo às diferenças socioeconómicas entre os jovens que residem nestas freguesias[3], é relevante tanto para a análise da programação já existente para jovens, como para o desenho de novas tipologias de programação e estratégias de comunicação e recrutamento, assentes numa premissa de proximidade. Esta abordagem não é nova, sendo uma prática comum em muitos museus internacionais e, mais pontualmente, a nível nacional[4].
A participação continuada dos jovens, como visitantes independentes, em museus e noutras instituições culturais é potenciada: 1) Pela proximidade física ao museu/instituição, principalmente quando se pretende envolver jovens com condições de acesso à cultura menos favorecidas; 2) Pela sua motivação intrínseca, ou seja, o interesse pessoal e ou profissional nas áreas de acção das instituições; 3) Pela confiança em si mesmos e nos outros – instituições e interlocutores (mediadores de museu, professores, pares); e 4) Pela experiência prévia positiva em eventos ou programas de curta duração em contextos semelhantes[5]. Em suma, conhecer e ouvir os públicos que se querem envolver é uma mais valia para a sustentabilidade e relevância de uma programação cultural participativa.
O cronograma inicial do projecto dedicava o primeiro ano ao mapeamento do território, e incluía diferentes acções como workshops nas escolas, grupos focais com interlocutores socioeducativos, identificação de associações juvenis que actuam neste território, com fim a criar uma rede de conhecimento local. No entanto, a pandemia trocou um pouco as voltas ao calendário e, por uma questão de disponibilidade e de relações já existentes, o primeiro contacto foi feito com os interlocutores culturais locais, nomeadamente instituições ligadas à arte contemporânea ou que trabalham com jovens[6]. Definiu-se assim o que hoje chamamos de eixo B.AL.A (Belém-Alcântara-Almada-Ajuda), que se estendeu entretanto a Almada, e inclui o MAAT, a BoCA – Biennial of Contemporary Art, a Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea, as Galerias Municipais e o LU.CA – Teatro Luís de Camões.
Em diálogo com todos ficou clara a diversidade, embora fragmentada e nem sempre visível, da programação existente para jovens. A BoCA Sub-21, um programa continuado para jovens dos 16 aos 21 que tem acompanhado cada edição da bienal desde 2017; o Herbário Criativo, um projecto de residências artísticas de verão para crianças e jovens, realizado na Casa da Cerca desde 2009; o Coletivo de Curadores, um projecto continuado de curadoria participativa codesenvolvido entre a Casa da Cerca e a Culturgest para jovens entre os 16 os 19 anos; o workshop Uma peça a quatro mãos das Galerias Municipais, que lançou em tempo de pandemia o convite a participantes entre os 10 e os 18 anos para criarem uma obra em colaboração estreita com artistas convidados; os projectos Verdes Anos e LABOR, iniciativas continuadas de residências artísticas em escolas, desenvolvidos, respectivamente pelas Galerias Municipais e o LU.CA; ou a oficina multimédia Manifesta-te, orientada pela artista Leonor Bettencourt Loureiro no LU.CA, para jovens entre os 15 e os 17 anos de idade.
Pensar sobre esta programação e partir dela para projectar o futuro foi o mote para as primeiras sessões do Laboratório de Escuta – Jovens, cultura, participação.
Laboratório de Escuta - Jovens, cultura, participação
O Laboratório de Escuta pretende criar uma plataforma de diálogo crítico entre pares sobre as experiências e interesses de cada um, em articulação com a programação para jovens de cinco instituições. São lançadas três questões de partida aos jovens: O que te atrai e afasta dos espaços culturais da tua cidade? O que mudarias na programação existente? Qual a voz que queres ter num museu, ou num teatro? Relativamente aos participantes, foi lançada uma open call para jovens entre os 15 e os 25 anos, sendo a sua participação remunerada, simbolicamente, com um vale presente de 15€. Até ao momento foram realizadas 9 sessões, das 12 planeadas no total, e contaram com a participação de trinta e dois jovens, sendo que alguns participaram em mais de um encontro.
Em termos de formato o Laboratório de Escuta combina três influências, a do youth advisory board, um formato muito utilizado nos museus que querem envolver os jovens activamente na programação que lhes é dirigida dentro da instituição[7]. Neste caso é um grupo consultivo do projecto que actua em articulação com as cinco instituições participantes. A ideia de assembleia participativa, que foi um dos primeiros formatos discutidos, mas que pelas restrições impostas pela pandemia, nomeadamente o limite do número de participantes, não foi possível concretizar e, daí, se ter optado por uma abordagem mais focal e informada pelas dinâmicas das rodas de conversa, que pressupõe um exercício partilhado de escuta e fala.
Cada sessão é organizada com uma ou mais das instituições participantes e centra-se num tópico – tema, questão, programa, específico relevante para reflectir sobre a programação existente ou para definir novos projectos com e para jovens. Dos diversos encontros já desenvolvidos no âmbito do Laboratório de Escuta, destaco um tema recorrente pela relevância para o argumento deste texto – a ideia de rede. Esta é talvez a palavra mais referida tanto pelos interlocutores culturais como pelos jovens. Por um lado, as vantagens das instituições culturais trabalharem em rede, o que permite não só um maior alcance da sua programação como uma continuidade na participação dos jovens. Por outro lado, a oportunidade que os jovens identificam em expandirem as suas redes, quando trabalham com outros jovens, com os quais não se cruzariam no seu percurso de educação formal, e com profissionais de áreas em que eventualmente querem trabalhar no futuro.
Implícita na imagem da rede está um princípio de movimento, ou circuito, como alguns jovens definiram. Uma forma de encurtar distâncias, tanto entre instituições e o público jovem, como entre as próprias instituições, seria criar ou simplesmente comunicar de forma articulada, uma programação que oferecesse aos participantes diferentes oportunidades para vivenciar, aprender ou usufruir activamente dos espaços culturais que lhes são conhecidos ou, muitas vezes, desconhecidos.
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