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Ana Carvalho


Nome completo: Ana Alexandra Rodrigues Carvalho

Local e ano de nascimento: Torres Vedras, 1977 Formação académica: Doutoramento com especialização em Museologia (Universidade de Évora)

Cargo actual ou último cargo desempenhado: Actualmente sou investigadora de pós-doutoramento no Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da Universidade de Évora.

Como foi o seu percurso profissional? Por onde começou e por onde passou?

É um percurso atípico, mas onde encontro um fio condutor, o fascínio pelo património. Começa com o desenho - das fachadas antigas, do património religioso às ruínas - era então o encantamento pela passagem do tempo, pela mudança e pela perda. Depois (e nesse seguimento) veio o interesse pela conservação do património, com o bacharelato. O gosto pela investigação nas ciências sociais foi despertado ainda na licenciatura com as disciplinas de História e História da Arte e de Cultura Portuguesa. Comecei por estagiar no Museu de Vila Franca de Xira (2003) ao mesmo tempo que continuava os estudos, com um mestrado em Museologia. Nesse tempo, foi o primeiro confronto entre a teoria e a prática, e respectivas dissonâncias.

Mais tarde, surgiu a oportunidade de trabalhar com a Universidade de Évora num projecto internacional sobre inventário do Património Cultural Imaterial (PCI), tendo em conta o (novo) quadro internacional introduzido pela Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial da UNESCO, em 2003. Esta Convenção veio dar visibilidade a uma dimensão do património que sempre existiu, mas que no contexto das políticas públicas não lhe era atribuído o mesmo valor que a um edifício ou sítio. Da Convenção saiu, assim, um novo conceito operativo – o PCI, ou seja um património vivo (com uma dimensão material e imaterial), que faz parte da identidade das pessoas e das comunidades, transmitido de geração em geração. Além disso, a Convenção veio chamar a atenção para o papel das comunidades, que deixaram de ter, pelo menos atendendo ao discurso da UNESCO, um papel passivo. Daí resultou a possibilidade de analisar qual o papel e o contributo dos museus na valorização e salvaguarda do PCI. Foi este o racional que esteve na base da minha dissertação de mestrado (2009) e que depois deu origem ao livro: “Os Museus e o Património Cultural Imaterial: Estratégias para o Desenvolvimento de Boas Práticas (Colibri, 2011).

A partir deste primeiro estudo, que era centrado nos museus em geral, fez sentido prosseguir com a investigação e a escolha recaiu sobre museus etnográficos. Porque estes museus são, do meu ponto de vista, os que mais desafios têm enfrentado nas últimas décadas no que diz respeito à relação com a contemporaneidade, com as questões da identidade nacional, as identidades múltiplas, o PCI e a diversidade cultural, o diálogo intercultural, incluindo as questões da migração. Por essa razão escolhi três museus com estatuto de museu nacional para comparar. Dois museus no contexto internacional, um no Reino Unido (World Museum Liverpool) e outro na Suécia (Museum of World Culture), e, em Portugal, o Museu Nacional de Etnologia. Daí resultou a tese de doutoramento que depois foi publicada na Colecção Estudos de Museus da Direção-Geral do Património Cultural – “Museus e Diversidade Cultural: Da Representação aos Públicos” (Caleidoscópio, 2016).

Onde está hoje e o que faz?

Sou desde 2015 investigadora de pós-doutoramento (com o apoio de uma bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia) no Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades (CIDEHUS) da Universidade de Évora e faço parte da equipa da Cátedra UNESCO em Património Imaterial da mesma Universidade. Neste projecto estudo as implicações da Convenção para a Salvaguarda do Património Imaterial (2003) da UNESCO na política nacional - que interpretações, que dispositivos e que impacto? - incluindo a problematização do papel dos museus neste contexto.

Paralelamente, participo em dois projectos editoriais distintos. Faço parte da comissão editorial da revista MIDAS – Museus e Estudos Interdisciplinares desde a sua fundação, em 2011, um projecto interuniversitário, juntamente com Alice Semedo, Paulo Simões Rodrigues, Pedro Casaleiro e Raquel Henriques da Silva. É uma revista científica dedicada aos museus enquanto campo de trabalho e reflexão interdisciplinar, em formato digital e acesso aberto. Além disso, coordeno o Boletim do ICOM Portugal desde 2014, momento em que passei a integrar os corpos gerentes desta associação. Trata-se de uma publicação digital com objectivos de partilha de informação e de reflexão sobre matérias ligadas ao sector dos museus.

Participo, deste 2017, no projecto Mu.Sa - Museum Sector Alliance (http://www.project-musa.eu) por parte do ICOM Portugal, parceiro deste projecto. O projecto Mu.Sa (2016-2019) tem como objectivo criar um conjunto de ferramentas educativas que promovam o desenvolvimento de competências digitais nos profissionais de museus, através de sistemas de formação em e-learning, onde se inclui a concepção de um MOOC (Massive Open Online Courses) e de um curso de especialização. É financiado pelo programa Erasmus + e é coordenado pela Hellenic Open University (Grécia). Para além do ICOM Portugal, o consórcio conta ainda com mais dois parceiros portugueses: a Universidade do Porto e a empresa Mapa das Ideias. Acrescem ainda oito parceiros: Melting Pro Learning (Itália), Link Campus University (Itália), National Organisation for the Certification of Qualifications and Vocational Guidance (Grécia), Symbola - Foundation for Italian Qualities (Itália), The Institute of Vocational Training AKMI (Grécia), Istituto per I Beni Artistici Culturali e Naturali della Regione Emilia Romagna (Itália), ICOM Grécia e Culture Action Europe (Bélgica).

Sou blogger nas horas vagas. Faço a gestão do blogue “No Mundo dos Museus” desde 2006, apesar de várias metamorfoses...

Até ao presente e do ponto de vista profissional, qual elegeria como o projecto mais relevante que levou a cabo, para o sector do património? Considero, para mim, que o projecto mais relevante é a investigação de pós-doutoramento que estou a desenvolver no momento, por ser o culminar de várias experiências e aprendizagens; além disso, por encontrar argumentos, motivação e, por sua vez, relevância para a desenvolver. Se é entendido como relevante para o sector do património ou qual será o seu impacto já é outra questão que não consigo avaliar.

E qual ‘aquele projecto’ que ficou por fazer ou completar?

Na verdade não olho para trás nesse sentido. Há sempre ideias que surgem e depois não são desenvolvidas pelas mais diversas razões, muitas vezes independentemente da nossa vontade. Mas fazendo essa retrospectiva não há “aquele projecto” que tenha ficado por fazer. Prefiro pensar nas muitas possibilidades de projectos futuros que estão em aberto.

Qual a experiência humana que mais o marcou ao longo da sua vida profissional (colega, chefe, grupo de trabalho)?

O nosso trabalho é, acima de tudo, marcado por pessoas, por essa interacção. Em jeito de balanço, há pessoas que têm sido determinantes no meu percurso profissional, pela sua generosidade e partilha, e às quais estou grata. Uma delas é o Filipe Themudo Barata (Universidade de Évora), com quem trabalho há 12 anos. Mas há várias outras pessoas, que em momentos diferentes e com níveis de interacção distintos me têm inspirado a fazer melhor. Entre estas destaco: Clara Frayão Camacho, Maria Vlachou, Alice Semedo e Raquel Henriques da Silva. E a nível pessoal tenho a sorte de ter pessoas extraordinárias que me acompanham e que moldam definitivamente a forma como vejo a vida, incluindo a vertente profissional.

Em retrospectiva, e numa escala de 0 a 10, como classificaria o seu percurso profissional?

Não uso uma escala para medir o meu desempenho profissional, penso que cabe aos pares fazer essa avaliação nos momentos destinados a esse efeito. Mas procuro exigir de mim própria o melhor que puder em cada tarefa que tenho em mãos, tendo em conta os conhecimentos e a experiência que vou tendo, e as ferramentas de que disponho a cada etapa. Acho que é o dever de cada um dar o melhor de si, de outra forma tudo isto fará pouco sentido.


Se voltasse atrás, fazia algo diferente?

Não. O que lá vai lá vai, diz a canção. Procuro aprender com os erros e com as lições de cada aprendizagem, de cada experiência de trabalho, mas também da vida pessoal, e capitalizar isso no que estou a fazer no momento.

Que conselho daria a quem está hoje a iniciar a sua carreira profissional nesta área?

Curiosamente, esta é uma questão que também tenho presente em algumas entrevistas que tenho feito com profissionais mais maduros. A minha convicção é de que devemos fazer coisas que nos apaixonam, essa é a grande alavanca para nos sentirmos realizados naquilo que fazemos, e nesse sentido acredito que o nosso contributo, seja ele qual for, também será melhor ou pode ter mais utilidade para outros. A motivação é, por isso, fundamental e deve ser continuamente trabalhada do ponto de vista das competências - as que já temos e aquelas que vamos construindo e consolidando - para nos ajudar a colocar em prática os projectos que idealizamos e que sentimos que podem acrescentar alguma coisa. E depois, é necessário muito trabalho e investimento ao longo do caminho, e um q.b. de persistência e resiliência.

O que deseja para o sector do património em Portugal, no presente e no futuro mais próximo?

Um dos problemas mais graves que identifico no presente é um certo desnorte nas políticas públicas para o património e para os museus. Acima de tudo, precisamos de uma estratégia. Uma estratégia por parte da tutela que interligue o que se defende em teoria, em parte espelhada na legislação que enquadra os museus e o património, e depois a canalização de esforços através da distribuição equilibrada e sustentável de recursos: financeiros, mas também de recursos humanos, de acordo com objectivos pensados a curto e médio prazo.

Precisamos de mais profissionais no sector dos museus e do património, e a capacitação dos existentes, através de formação contínua. As equipas de museus estão cada vez mais envelhecidas e reduzidas por força da crise. Não é um problema só dos últimos anos, mas a verdade é que se agudizou bastante. É preciso abrir os museus a novas gerações de profissionais, com equipas inter-geracionais e diversas. Mas, de facto, esta não é assumida como uma questão prioritária na política museológica, e para a qual não há solução à vista, como, aliás, se constata no recente comunicado do ICOM Portugal no seguimento de uma audiência com o Ministro da Cultura (cf. http://icom-portugal.org/2018/04/18/comunicado-icom-dia-internacional-de-monumentos-e-sitios/).

Outra questão central é a necessidade de lideranças mais fortes e comprometidas que possam levar o sector mais adiante.

Por outro lado, é essencial reforçar competências, como seja o trabalho em equipa e a comunicação (bem e de modo eficaz), entre outras. Infelizmente, e de um modo geral, estas são soft skills que não podemos dar por garantidas nas equipas. Há muito a fazer... Acredito muito no capital humano como factor diferenciador para se poder caminhar, efectivamente, no sentido do desenvolvimento do sector dos museus e do património. E, acima de tudo, para se poder oferecer um serviço público de qualidade e com real impacto junto dos públicos e da sociedade.

As sugestões de Ana Carvalho:

Citação: “Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes" (Ricardo Reis); “Se queres ir rápido vai sozinho, se queres ir longe vai acompanhado” (provérbio africano)

Livro: The Art of Relevance da americana Nina Simon. Fora do universo profissional: O Principezinho, de Antoine Saint-Exupéry

Música: "Fligth from the City", do compositor islandês Jóhann Jóhannsson

Projecto: Acesso Cultura (https://acessocultura.org), “Quem é Quem na Museologia Portuguesa” (Instituto de História da Arte da Universidade Nova de Lisboa), Mu.Sa – Museum Sector Alliance (http://www.project-musa.eu)


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