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Where is my mind



Estou como todos vós (nós). Farto disto. Não entrarei em mais explicações do que afirmar o óbvio: isto é o Covid19 e suas sociais repercussões. Ir além seria a logomaquia do que todos já sabemos.


Ontem estive para trazer para casa O Tempo. Esse Grande Escultor da Yourcenar. Em lugar dele vieram As Cores da Infâmia, o último que escreveu Cossery. Na minha dinâmica interior aqui e agora são os três da mesma igualha: o tempo de Yourcenar, as cores de Cossery e where is my mind dos Pixies. Eis hoje a hora de me expor ao anátema dos que não são, como eu o sou, filhos de Twain.


Yourcenar: afinal o livro está em casa da minha mãe. Aliás foi o seu exemplar que li. Há 28 anos, uma vez. Agora levem a sério o resto do parágrafo como bem entenderem. O que jamais caiu no olvido: a absência de fontes para a linguagem oral dos séculos passados, resolvida pelos róis de confessados do Santo Ofício. Um tempo de social agressividade endémica. Finalmente a decrepitude que torna bela a estatuária helénica que foi concebida numa em tudo diferente cosmogonia do belo. Manteremos nós a noção do longo tempo, que emagrece a importância que nos atribuímos, e seremos capazes de salvar os vindouros? Com que palavras? De medo ou exortação? É que somos os músicos desta bitter sweet simphony que é uma mudança de época. Esta conjuntura é tão fracturante como a Revolução Francesa. Vem aí algo completamente diferente e não temos forma de descortinar como e o quê.


Cossery: limito-me a uma citação. «Não há nada mais imoral do que roubar sem riscos. É o risco que nos diferencia dos banqueiros e dos seus émulos que praticam o roubo legalizado com cobertura do governo». [sic]


Basta conhecer um mínimo da história do século XX para ter a certeza de que não somos um povo de brandos costumes. É só olhar para a intensa e recorrente mortandade beligerante, ali ao Campo Pequeno, onde morriam baleados aos 300 de cada vez entre civis milicianos, guardas, marinheiros e militares: entre a implantação da I República e o 28 Maio de 1926. Do Golpe Militar até à Constituição do Estado Novo em 1933, Salazar - nos bastidores e depois na boca de cena - unificou facções, nivelou oposições e pacificou todos dentro da União Nacional. Brandos costumes durante quatro décadas não acabam de supetão entre cravos. Ei-los na docilidade com que felizmente (mas de maneira acrítica) respeitamos as normas de protecção instituídas. E um olor às escaramuças dos anos dez, numa hostilidade social que se começa a tornar preocupante; na acrimónia entre alguns cidadãos. Não é só a ignorância a mãe de toda as guerras. O medo também é.


Por isso, para uma fruição o mais próxima possível do equilíbrio, social, lúdica e cultural, é imperativo que se promovam campanhas não só de protecção e distanciamento social, mas também, e muito, de proximidade social – o mais possível de proximidade – por meios que garantam a protecção da saúde de todos.


Um eficaz e notável exemplo a seguir são as recentes (e agendadas) iniciativas colectivas da patrimonio.pt: podemos estar sete na sala, muito bem. Mas há mais de 300 connosco. Protegidos. Caso contrário, quer parecer-me, ficaremos mais tarde ou mais cedo como escreveram os Pixies:


«Your head will colapse

But there's nothing in it

And you'll ask yourself

Where is my mind?»


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