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Museus, Património e acesso ao Ensino Superior: números que fazem pensar



Tendo recentemente sido levado a realizar exercício de balanço crítico, na área dos museus, do meio século que vivemos em democracia (ver “O sopro democrático nos museus portugueses”, livro da Conferência Internacional Aos museus, cidadãos!, organização conjunta do ICOM, internacional e nacional, e da Museus e Monumentos de Portugal. EPE), confrontei-me, entre muitas outras variáveis, com a necessidade em procurar dados objectivos que pudessem avaliar do real impacto das formações académicas superiores, de 1º ciclo e de 2º ciclo, nos domínios do Património Cultural e dos Museus ou, se que quiser usar os termos, da “patrimoniologia” e da “museologia”. 


No que se refere às formações de pós-graduação, quer dizer, de mestrado ou de 2º ciclo, já em 2020 tinha na Artecapital realizado uma análise crítica (ver aqui: https://www.artecapital.net/opiniao-210-luis-raposo-os-equivocos-da-museologia-e-da-patrimoniologia; também retomado em L. Raposo, Arqueologia, Património e Museus. Meio Século de Intervenção Cívica e Cultural, 2021: 543-550). Identifiquei nessa ocasião cerca de 25 cursos de mestrado nos domínios indicados, as mais das vezes, porém, com algum tipo de ligação com formações adjacentes, umas mais tradicionais (História, História da Arte, Arqueologia, Conservação e Restauro, Arquitectura…), outras mais inovadoras (Território, Desenvolvimento Local, Cultura Visual, Turismo Cultural, Sociedade da Informação, Sociedade do Conhecimento…). 


Afirmava então, nomeadamente, sobre esta profusão de formações e titulações:  


“O ‘mercado’ é avassalador e guloso por natureza. Está sempre à procura de novas e mais alargadas formas de ‘fazer dinheiro’, quer dizer de colocar sob a óptica da rentabilização financeira bens e serviços antes fornecidos em regime de interacção cívica, sem aparentes custos, ou seja, com os custos gerais que implica o contrato social, regido pelo Estado – a figura agregadora e gestionária que, no ambiente em que vivemos, as sociedades humanas encontraram há quase cinco mil anos, nos vales do chamado Crescente Fértil. Por arrastamento, onde há redução do valor a dinheiro, geram-se novas oportunidades de negócio – e mesmo antes dos museus propriamente ditos foi toda a indústria que gravita em seu redor, e igualmente as escolas de formação académica, que disso se aperceberam.  


O papel da universidade é neste particular especialmente relevante. Na luta pela sobrevivência foi deixando cair pouco a pouco, ou reduziu à essência mínima, as formações sólidas nos domínios científicos tradicionais, que tinham (como sempre tiveram) pouca procura. Foi assim que floresceu uma miríade de novas habilitações, baseadas em ensino ‘de largo espectro’ e sobretudo pós-graduadas, floresta (de enganos...) que desafia a mais exuberante imaginação. Basta percorrer as listas de mestrados e doutoramentos: uma verdadeira orgia, com mais marketing, do que economia; mais relações internacionais, do que direito… mais museologia, do que belas artes, história da arte ou arqueologia. E, enfim, mais patrimoniologia (que já existe), do que geologia, química, arquitectura ou qualquer outro saber científico relevante.” 


Mantenho tudo que disse e dispenso-me de o repetir aqui, até porque neste mesmo espaço já abordei também a matéria (ver, por exemplo, “Ainda o Museu do Aljube e o papel dos ‘museólogos’”, https://www.patrimonio.pt/post/ainda-o-museu-do-aljube-e-papel-dos-muse%C3%B3logos). 


Nunca cheguei, todavia, a abordar a questão da formação inicial, de licenciatura, ou de 1º ciclo se se preferir – e isto porque na verdade ela não existe de todo no domínio específico dos “estudos de museus” (ou museologia) e é reduzida no do património cultural, embora aqui possa ser alargado o foco para incluir dimensões como da performance, programação e da animação cultural. É este o exercício que faço agora. Na falta de estudos mais aprofundados, recorri aos dados disponíveis sobre o acesso ao Ensino Superior, em 1ª e em 2ª fases de colocação, nos últimos três anos académicos (2021/2, 2021/22 e 2022/23). Abaixo reproduzo, sob a forma de tabelas, os dados totais obtidos. E adiante, em corpo de texto, algum tratamento gráfico dos mesmos.  


Comecei por estabelecer quatro grandes categorias de observação: 1 – cursos especificamente de Património Cultural ou afins; 2 – Arquitectura; 3 – Ciências Sociais (Antropologia, gestão, Economia e Sociologia); 4 – Ciências Históricas (História, História da Arte e Arqueologia). Para cada área de formação, registei o número de cursos, o número de vagas, a média de vagas por curso e a média do último aluno colocado. 



 Quanto ao número de vagas, verifica-se que a categoria 1 (Património Cultural e afins) apresenta, de longe os valores baixos: média de 688/ano, na 1.ª fase de colocação, para o conjunto dos cursos observados nesta categoria, correspondendo a médias na ordem dos 30 alunos por curso. Quantitativos idênticos encontram-se na categoria 4 (Ciências Históricas): 623/ano, na 1ª fase de colocação, para o conjunto dos cursos observados, correspondendo a médias de alunos por curso apenas ligeiramente superiores (cerca de 40). Inversamente, em Na categoria 2 (Arquitectura) a oferta de vagas anual à semelhante (673), mas o número de significativamente superior (74). Na categoria (Ciências Sociais) regista-se uma importante diferença quanto ao número de vagas (2843), sendo, no entanto, a média do número de alunos por curso semelhante a de Arquitectura (à volta dos 70, entre os extremos de 45 e 94). 


Dir-se-ia, pois, que a categoria de Património Cultural não destoa das mais próximas (concretamente, Ciências Históricas). Assim é no que respeita à oferta de vagas. Mas não se passa o mesmo quanto à média de classificação dos últimos alunos colocados.  

 


Verifica-se aqui que a média de acesso é substancialmente mais baixa nos cursos de Património (nota do último estudante colocado na 1.ª fase: 12,7), Programação, Mediação e Performance (12,3) ou Animação Cultural (12,9), relativamente aos mais tradicionais, como História (15,5), História da Arte (14,7) ou Arqueologia (14,2). Médias de 15 valores na 1.ª fase para o último estudante à entrada encontram-se também nos cursos de Sociologia, Economia, Gestão ou Arquitectura. Ou seja, é evidente o menor apelo dos cursos específicos das áreas do património cultural para os estudantes, sendo ainda certo que na 2.ª fase apenas lograram colocar, no mesmo período observado, uma média de 74% das vagas disponíveis (quando nos restantes cursos aqui considerados houve mesmo necessidade de recorrer a reforço de vagas, conseguindo colocar 107% dos lugares inicialmente disponíveis para a 2.ª fase). 


Não está na minha intenção extrair neste texto grandes conclusões dos dados apresentados. O objectivo agora foi mesmo e somente o de os expor, porque tive necessidade de os coligir, tal como indiquei no início destas linhas. Mas uma coisa parece evidente: não obstante a menor oferta em número de cursos, de vagas totais e de vagas por curso, as formações de 1º ciclo de Património Cultural e afins não se afiguram particularmente sedutoras, nem sequer em confronto com as das Ciências Históricas, a que tradicionalmente se atribui menos atractividade, por falta de emprego. E tendo em conta as formações nesta área de 1º e de 2º ciclo (aqui também em Estudos de Museus), aquilo que se pode presumir é que muitos jovens continuam a procurar formações longamente sedimentadas, porventura mais generalistas, mas em relação imediata seja com os saberes que tradicionalmente estudam as colecções dos museus (História da Arte, Arqueologia, Antropologia, Ciências Naturais), seja com as disciplinas onde, de origem e mais aprofundadamente (Sociologia, Antropologia, Ciências Educativas e Comunicação, etc.), se desenvolvem as dimensões sociais, educativas e comunicacionais presentes nas actividades dos museus. 



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