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E se, em vez de conceito de museu, falássemos de museus?


O museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite.


Esta é a definição actual de MUSEU aprovada na 22ª Assembleia Geral do ICOM, realizada em Viena, a 24 de Agosto de 2007, resultado último de um conceito que durante 60 anos foi evoluindo e, de certa forma, construindo uma imagem referencial que tem funcionado como o azimute de uma instituição fundamental para a comunidade museológica.


Em Julho de 2016, realiza-se em Milão a 24ª Conferência geral do ICOM onde é designado um comité permanente para estudar um novo conceito de museu, aparentemente na procura de uma resposta mais consentânea com a contemporaneidade.


Conforme é possível ler no site do ICOM-Portugal, “O Comité sobre a Definição de Museu, Perspectivas e Possibilidades (MDPP, 2017-2019) [saído dessa reunião magna] tinha como objetivo oferecer uma perspectiva crítica sobre a atual definição e apresentar uma outra com abrangência internacional. Este comité conciliou um amplo diálogo e contributos de todos os membros do ICOM de todo o mundo e em Julho deste ano apresentou uma definição de museu para ser submetida a votação”, na 25ª Conferência, que se realizou muito recentemente em Quioto.


Com alguma surpresa, correu mundo o adiar da votação de uma proposta que não recebeu a unanimidade desejada, mas sim a oposição de um número alargado de Comités Nacionais. Mais surpreendente ainda, parece-nos, é a necessidade de estar a discutir uma questão que não sendo acessória, não nos parece ser urgente.


E essa não urgência prende-se com a premente necessidade da comunidade museológica em discutir e atuar em temas de fundo como o da percentagem do PIB reservada para a Cultura, que não para animação e festarolas tidas como Culture, e entender o papel extraordinário que podem ter os museus na definição de uma nova atitude dos poderes políticos neste campo. O que vemos, isso sim, é um silêncio quase generalizado dos museus sobre esta questão, quando poderiam ser um protagonista sério neste combate que não é panfletário, mas estruturante social e economicamente nestes tempos globais em que vivemos.


Os museus são espaços de intervenção cultural de grande importância. São muitas vezes o elemento referencial de uma comunidade. Uma espécie de LARGO da comunidade. O escaparate de uma vila, uma aldeia, um grupo profissional, uma instituição que ali se vê representada nos objetos expostos, nas memórias reescritas e mostradas, servindo, muitas vezes, de espaço de passagem de testemunho dos mais velhos para os mais novos, numa sociedade cada vez menos gregária. O museu funciona, pois, como depositário de representações culturais, de rituais de grupos, de linguagens expositivas, que lhe dão um papel fundamental na preservação do património cultural das sociedades.


Dissemos, os museus são… preferível será dizer “deveriam ser”.


No dia a dia, continua a existir uma espécie de categorização de museus que faz com que os mais pequenos, os que têm menores recursos financeiros, aqueles que pouco mais são do que espaços de representação museográfica, continuem num limbo de identificação que não lhes traz dignidade nem valorizam a comunidade onde estão inseridos e, pasme-se, por questões artificiais.


E isto porquê?


Porque “os museus”, continuam a não ter uma plataforma de referência técnica, um espaço de diálogo aberto e uma atitude educativa/formativa clara. Os grandes museus têm técnicos, espaço, equipas de restauro, apoio no design e na comunicação, enquanto os pequenos vivem no objetivo hercúleo de organizar uma ou duas exposições anuais e garantir o abrir e fechar portas a visitas guiadas e a actividades “escolares”.


Porque continua a faltar um diálogo entre o museu e a comunidade em que se insere, para além da concretização de uma comunicação efectiva com os outros museus, maximizando recursos, esforços técnicos e divulgação.


Porque na ausência de redes de cooperação “reais”, onde se definam linhas estratégias concretas, calendários e objetivos consentâneos com o papel dos museus na criação de públicos e de hábitos de consumo, que valorizem o que se expõe e o que se salvaguarda, justificando desta forma o investimento e os recursos investidos, seria fundamental a abertura de um canal de comunicação que permitisse a institucionalização permanente desses diálogos e que se poderia consubstanciar, por exemplo, na criação de planos de actividades conjuntos.


E esse canal de comunicação deveria servir, igualmente, para que houvesse entre os técnicos um discurso mais claro, mais objetivo, mais universal, sobre o papel do museu, e que, estranhamente, ainda não se encontra. Por esse país fora o que mais se verifica é um discurso museográfico e uma atitude museológica que varia em função de tiques elitistas ou práticas de monólogo enquistadas e surdas. Um discurso onde, de forma definitiva, se valorizasse de igual forma o objecto e o contexto em que ele aparece; o actor e o espaço de representação; o “degustar” da estética, da função e do papel do objecto exposto, mas também do como se mostra a informação chegando a todos e aos mais variados públicos; que provoque a reflexão e a dúvida perante discursos antropo-histórico-qualquer-coisa preconcebidos.


Na ausência de uma unanimidade na definição clara de um conceito teórico de Museu, que tal fazer um esforço claro e objetivo para fazer dos museus espaços “ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite".


Para começar, de novo, que tal começar por discutir mais os museus que temos do que conceitos-chave para museus que não queremos!

 

O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico.


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