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Entrevista - ARQUEOLOGIA DE SALVAGUARDA - Lei, Território e Desordem


No passado mês de Novembro, decorreu o lançamento do ensaio "Arqueologia de Salvaguarda - Lei, Território e Desordem" de Alexandre Sarrazola. A entrevista com o arqueólogo percorreu alguns dos principais tópicos do seu ensaio e foi mais uma oportunidade para reflectir sobre a importância da divulgação do património cultural junto do público generalista.

“Arqueologia de salvaguarda – Lei, Território e Desordem”, o título que atribuiu ao ensaio é ousado e quase impossível de ser ignorado. Quer falar-nos um pouco sobre ele?

Foi escolhido já com o livro quase terminado. Concordo que é uma provocação. Todavia, rima com o conteúdo do ensaio que deliberadamente é, assim o espero, educadamente malcomportado e sobretudo anti political correctness. Não me parece que estejamos a viver um tempo em que nos possamos dar ao luxo de sermos politicamente correctos. Caso contrário, corremos o risco de cair na lamentação de Rimbaud na Chanson de la plus haute Tour, «par delicatesse j'ai perdu ma vie».

Neste ensaio, conseguiu sintetizar várias ideias e argumentos que já tinha vindo a transmitir em diferentes espaços e inclusivé na patrimonio.pt. Sentiu que havia necessidade de sintetizar toda esta informação?

Sim, na patrimonio.pt e nalguns artigos e sessões públicas de pendores diversos. Quando aceitei o desafio da Alexandra Carvalho Antunes (coordenadora da Editora Mazu Press) afigurou-se-me que era de facto já tempo de condensar num volume o que tinha começado a dizer há precisamente 20 anos. E “sintetizar” parece-me de facto o termo justo: quis expor o máximo de informação no mínimo de palavra. E dar a oportunidade de o ler àqueles que não frequentam os meios formais ou informais do património. Em suma, a pretensão foi divulgar.

Qual a sua opinião sobre a considerável diferença entre o número de acompanhamentos arqueológicos de obras públicas e privadas e o número de escavações e prospecção/ levantamento patrimonial?

A quantidade de acompanhamentos é muito mais expressiva por 3 ordens de razões. Primeiro porque a lei impõe a realização desses trabalhos, o que é um dado positivo. Segundo porque esse mesmo corpo jurídico é intrinsecamente permissivo e exige muito menos trabalhos de escavações do que seria correcto e necessário, o que é evidentemente mau. Finalmente os trabalhos de acompanhamento redundam amiúde na detecção de sítios arqueológicos e a sua consequente escavação, o que acaba por equilibrar um pouco as coisas. Talvez o melhor dos mundos possíveis na ironia de Voltaire.

O seu ensaio apoiou-se em três estudos de caso da Lisboa Ribeirinha. No entanto, pelo país, haverá outros casos passíveis de se enquadrarem no mesmo contexto…

Claro que sim. Elegi 3 casos de estudo em que estive envolvido na Lisboa Ribeirinha, mas há muitos mais. Nesse contexto, eu próprio estive envolvido em muitos mais. E poderia ter escolhido casos fora dessa temática náutica/ portuária chegando muito provavelmente às mesmas conclusões. Por exemplo, as obras da SIMTEJO, SIMLIS e SIMRIA nas quais também trabalhei. A escolha da Lisboa Ribeirinha foi emocional. Tenho estado muito envolvido nesse projecto e quanto mais me embrenho na temática mais neófito me sinto, o que suponho ser saudável.


Para o Alexandre, existe um problema de divulgação da arqueologia e do património arqueológico junto do público em geral: nas poucas iniciativas que procuram contrariar essa linha, considera que a mensagem é bem transmitida?

Sim e não. Vou dar-lhe dois exemplos. Na Arqueologia no Bairro promovida pelo CAL (Centro de Arqueologia de Lisboa da CML) essa mensagem é muito bem transmitida com notável sentido de cidadania no que concerne à integração do público não especializado. No caso, por exemplo, do Lisbon Story Centre é, na minha opinião, francamente mau: é caro e por isso não inclusivo, é eivado de incorrecções e simplificações históricas e assume ab initio que as pessoas são estúpidas, estupidificando conteúdos e opções expositivas. Ora, as pessoas não são estúpidas e noto que recebem com agrado um discurso para todos mas sem condescendências.

No seu entender, quais são os mecanismos necessários, para além da divulgação, para despertar o interesse do público em geral para a importância da salvaguarda do património arqueológico e, nesse seguimento, garantir um maior envolvimento e preocupação activa da população?

A Educação. Uma política para uma educação humanista e integradora. Mas também lhe quero dizer que enquanto o Orçamento de Estado para a Cultura (e tendemos a esquecer que o Estado também somos nós) se mantiver nos limites da pobreza envergonhada vamos sempre ter políticas culturais a vacilar entre o provincianismo e o novo-riquismo. Por exemplo em Espanha, França e nos estados Unidos, a cultura é objecto de investimentos sérios com um retorno sólido de dimensão internacional. Aqui não. Temos vergonha. E temos também a última palavra dos Lusíadas: «inveja». É uma pena.

Tem conhecimento de que forma este tipo de questões tem sido debatida e tratada noutros países europeus?

Sim. Nos casos que conheço como profissional ou observador circunstancial, o tema é profunda e amplamente debatido com consequências reais para o incremento cultural. No património, veja-se a política cultural da autarquia de Barcelona, em Nova Iorque a polémica em torno dos Cloisters ou do Templo de Dendur, ou as preocupações em torno do novo museu nacional de Muscat. Em Lisboa, temos alguns dos meus museus preferidos, é certo. Porém, tenho que admitir uma certa propensão para admirar a decrepitude.


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