O PROBLEMA
O Debate mais uma vez resvala para a lógica de cada um dos lados. Nos Debates continua a ser impossível conciliar e equilibrar os objetivos do Interesse Privado(aumento do lucro e sua distribuição por um grupo restrito) com os objetivos do Interesse Público (concretizar o direito de todos ao Património do Estado que pertence a Portugal e aos cidadãos). Tenho referido várias vezes que a dificuldade está na conciliação. E que é fácil fazer a apologia de cada um dos lados. Esses dois lados existem e coabitam todo e qualquer País, Cultura ou Nação. São componentes constitutivos da matriz antropológica do fazer humano. Razão pela qual é impossível a um excluir o outro, apesar das ideologias de cada lado desejarem essa diluição facciosa.
A consequência dessa incapacidade de conciliar os dois lados está demonstrada vezes sem conta na prática das últimas décadas. Sucede-se e alterna como em Sísifo. Ora se democratiza o acesso sem olhar aos custos; ora se restringe o acesso sonegando o legado patrimonial à maioria a quem pertence (transforma-se a cultura e o património num condomínio fechado para recreio de quem pode pagar, e até se lhe atribui prémios).
Ambas as fações vão para conferências, colóquios, e outros sítios mediáticos mostrar despudoradamente, quantas vezes através de belas apresentações multimédia, os gráficos e os indicadores de cada uma dessas suas lógicas. Uns, mostram os gráficos do aumento da receita e dos visitantes à custa da perda de visitantes nacionais (chegando a atingir 90% de visitantes estrangeiros, e os 10% nacionais serem, ainda por cima, de determinadas classes de portugueses/as com um rendimento nitidamente maior do que a maioria). Outros, deixam para os contribuintes a fatura de uma exponencial despesa pública sem retorno ou sustentabilidade. E andamos neste fado, que, pelo que se vê agora no atual Debate, teima em não mudar.
(Capa: Belém visto do Padrão dos Descobrimentos (Fotografia retirada de: http://en.wikipedia.org/wiki/Belém_(Lisbon))
Palácio da Pena, Sintra (Fotografia retirada de: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Palácio_da_Pena,_Sintra_(1)_-_Mar_2010.jpg)
OS CONSTRANGIMENTOS DO CONTEXTO E DA CONJUNTURA
• Na atual conjuntura política, social e económica que o País e a Europa atravessam bastará elencar «Medidas, Ações, Domínios, Finalidades (visão, missão, estratégia), Objetivos, Metas, Tarefas, Indicadores, e Meios de verificação»? Não será necessário tomar em consideração os constrangimentos do atual contexto, porque são fatais para o insucesso ou êxito da implementação prática do que se promete para os próximos anos? Por exemplo, haverá possibilidade de mudar as leis e regulamentos atuais com a mesma facilidade do que no passado? O cenário macroeconómico nos próximos anos afetará e restringirá a procura interna (os visitantes e investimento nacional na Cultura)? O desemprego (jovem e não-jovem) terá uma oportunidade para colaborar nos projetos da Cultura e Património face à situação atual de vínculo laboral da Administração Pública? O que se promete foi concebido e desenhado acautelando este constrangimento? Os concursos com a duração de cinco anos que se fizeram na Administração Pública para dirigentes afetarão a implementação do que se promete nos próximos anos e impedirão o rumo sufragado pelos eleitores nas próximas eleições? O que se promete foi concebido e desenhado acautelando este constrangimento?
• Os fundos europeus de financiamento da Cultura e do Património estarão disponíveis em que semestre de que ano? O que se promete está formatado de modo a ganhar esse apoio comunitário? Isto é, está alinhado com a Estratégia de Desenvolvimento que esses fundos comunitários defendem, concretamente com o PNUD, ENDS, “Europa 2020”, “Europa Criativa”? Ou o que se promete dá uma preponderância excessiva à perspetiva Identitária e Conservacionista em detrimento da perspetiva Desenvolvimentista que guia a atual aplicação europeia desses fundos? O que se promete está formatado de modo a transformar todas essas ambições e objetivos em Programas elegíveis para financiamento por esses fundos comunitários?
• O que se promete está formatado de modo a realizar essa nova convergência e abertura entre o Estado e a Sociedade exigida pela atual conjuntura nacional, europeia e internacional? E está formatado de modo a permitir fazer isso de modo quantificado, com despesas elegíveis perfeitamente definidas, permitindo um escrutínio e uma avaliação quantitativa?
• A Administração Pública (serviços, departamentos, recursos) é a mesma de há cinco anos atrás? A resposta e apoio que pode dar à governação nos próximos anos será idêntica? Quantos técnicos qualificados se vão reformar nos próximos anos, e em que serviços?
• Será possível doravante não haver uma conciliação entre o Interesse Público e o Interesse Privado? Será possível propor e prometer fugindo à co-responsabilização entre o Estado, os agentes culturais, a iniciativa privada (famílias e empresas), os desempregados, e os que têm emprego? Será possível e legítimo continuar a dizer que o Estado «vai fazer isto, aquilo e aqueloutro»; em vez de passar a dizer-se que o Estado coloca à disposição das pessoas, das empresas e da sociedade meios e recursos no contexto de uma nova oportunidade de relação e participação? Será possível não dizer que, doravante, o resultado do sucesso ou insucesso no alcançar dos objetivos e metas depende deste novo compromisso de responsabilidade partilhada?O que se promete foi concebido e desenhado acautelando esta realidade atual?
• A transformação do que se promete em Programas não será o método que melhor permite a convergência entre o Estado e a Sociedade (entre o esforço de racionalização do Estado, o investimento das Famílias e das Empresas, e a participação dos Cidadãos) e que melhor potencia uma Relação Contratualizada (através de Contratos-Programa e respetivos Regulamentos), permitindo monitorizar e avaliar os Resultados dessa contratualização, definir as despesas elegíveis, balizar o orçamento, permitir a figura de gestor de projeto/programa, agilizar as relações entre o Estado e a sociedade, permitir a participação de recursos humanos não vinculados à administração pública? Não seria através deste método que se atrairiam mais recursos, se captava mais investimento através da responsabilidade social corporativa e empresarial, do mecenato, benevolato, e voluntariado? Não seria assim que o que se prometeficava explícito e sem ambiguidade permitindo uma oportunidade concreta e efectiva de participação e investimento?
Novo Museu dos Coches, Belém (Fotografia retirada de: http://www.publico.pt/local/noticia/novo-museu-dos-coches-ja-tem-quatro-viaturas-e-as-pecas-das-reservas-1618231)
A PROPOSTA
OBJETIVO: Transformar a Cultura e o Património em Desenvolvimento.
Investir no contributo da Cultura e do Património para acrescentarem benefício à economia, proporcionarem emprego qualificado, aumentarem a competitividade e a atração de investimento em serviços de valor acrescentado, desenvolverem o turismo, permitirem a todos os portugueses visitar e usufruir o património que lhes foi legado e que lhes constrói a Identidade, e afirmar Portugal no contexto global.
MEDIDA 1: Programa Reestrutura: Reformar e modernizar os serviços públicos de Cultura e Património.
(i) Objetivo: Tornar mais eficazes e eficientes os serviços e infraestruturas do Estado que gerem a Cultura e o Património. De investir na reforma e modernização dos serviços públicos através de uma ação sistémica e integrada, com o objetivo de racionalizar e potenciar os recursos existentes nos diversos serviços e infraestruturas do Estado. De reforçar a ação transversal da política de Cultura com as outras áreas da governação, privilegiando a inclusão do Património no Conceito Estratégico Nacional de Defesa em articulação com as políticas de Defesa, Negócios Estrangeiros e Economia, e a inclusão da Educação Patrimonial nos conteúdos curriculares do ensino básico e secundário em articulação com as políticas de Educação.
(ii) Impacto: A medida tem impacto na diminuição dos custos de contexto; em ganhos de eficácia e eficiência na utilização dos recursos públicos e no aumento da qualidade dos serviços de cultura e património tutelados pelo Estado; e no reforço da pertença e identificação da população portuguesa com os valores patrimoniais de Portugal.
MEDIDA 2: Programa Investe: Reabilitar e restaurar o Património.
(i) Objetivo: Reabilitar, conservar, restaurar e modernizar o Património Nacional, colocando à disposição da sociedade, da iniciativa privada, e dos agentes culturais uma oportunidade de participação no Investimento em parceria e cooperação com o Estado e as Autarquias.
(ii) Impacto: A Medida tem impacto na Sustentabilidade do Património, na diminuição da despesa afeta ao Orçamento de Estado, no aumento do Investimento privado no Património, e contribui para tornar Portugal num Destino Cultural mais competitivo e atrativo à escala global.
MEDIDA 3: Programa Convida: Aumentar o acesso e a acessibilidade à Cultura e ao Património.
(i) Objetivo: Investir no aumento do Acesso e da Acessibilidade à cultura e ao património, colocando à disposição da sociedade, da iniciativa privada, e dos agentes culturais uma oportunidade de participar e investir num programa cultural de lazer, eventos, e formação nas infraestruturas de património afetas ao Estado. Por cada cinco visitantes estrangeiros tem que ocorrer, no mínimo, cinco visitantes portugueses.
(ii) Impacto: Aumento do Acesso e da Acessibilidade ao património, concretamente no aumento das visitas, no aumento da transferência de conteúdos, no reforço da formação técnica e científica dos profissionais da cultura e do património, no aumento de conhecimento sobre a cultura e o património português, no aumento da oferta e da qualidade de serviços culturais nas infraestruturas de património afetas ao Estado.
Claustro da Sé Catedral de Évora (Fotografia retirada de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Évora)
Porém, para tudo o que se prometa e para qualquer debate que se desencadeie, jamais se poderão alterar as seguintes duas realidades:
1 - AS FONTES DE FINANCIAMENTO EFETIVAMENTE DISPONÍVEIS
Estas são de facto as fontes de financiamento disponíveis em Portugal na atual conjuntura:
• Transferência corrente de recursos contratualizados com as instituições do Sistema da Culturaatravés de contratos-programa (o que impede, no presente e futuro, o aumento de custos relativamente ao esforço financeiro do Estado relativamente ao definido nos Orçamentos de Estado anteriores);
• Investimento privado (das famílias e empresas), através das visitas e do consumo dos serviços prestados pela Cultura e pelo Património; a que acrescem as receitas provenientes da responsabilidade social corporativa e empresarial, do mecenato, benevolato e voluntariado;
• Recurso a fundos comunitários, dos programas “Estratégia Europa 2020”, “Europa Criativa” e outros;
• Orçamentos de funcionamento das entidades envolvidas na responsabilidade pública e privada pela Cultura e Património de Portugal.
2 – OS FATORES DA VERDADEIRA SUSTENTABILIDADE EM VEZ DE ILUSÕES E PROMESSAS
Estas são as condições que balizam quaisquer ideias ou promessas para aquilo que se promete:
• Os recursos disponíveis;
• A garantia duradoura de sustentabilidade;
• Um novo contrato de confiança e de autonomia entre o Estado, os agentes culturais, e a iniciativa privada;
• A ambição de transformar a Cultura e o Património Português num efetivo fator de Desenvolvimento.
CONCLUSÃO
Em vez de se repetir sempre o mesmo Debate, e o impasse que ele teima em reproduzir sem solução, não será o momento de adoptar uma nova relação de compromisso e responsabilidade entre o Estado e a Sociedade na área da Cultura e do Património que inicie um novo caminho? Não é chegado o momento, por exemplo na área do Património, de iniciar uma reforma que faça a convergência científica e técnica da arquivologia, biblioteconomia, documentação e museologia?
A ver vamos…
Pedro Manuel-Cardoso
Antropólogo e Museólogo. Pós-Doutorado pela Universidade de Lisboa. Fundador e diretor do Museu da Gestualidade desde 1994. Autor do "Museum Preliminary Program" na área da gestão museológica. Destaca do seu contributo científico a descoberta da "Estrutura da Relevância". Em 2012 dá início ao movimento Impronuncialismo.