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Activação do Património


Volto a falar de pessoas. Das que nos enchem a alma, o coração e a vida. Das que dão novas texturas e cores aos nossos dias, pelo que criam e partilham connosco, pelos universos que constroem e pelos valores que transmitem às gerações futuras.

Se o Produto Interno Bruto se medisse pelo valor dos seus recursos humanos, cultura e história, Portugal estaria no patamar dos grandes! Seríamos oficialmente um país rico. Mas as métricas continuam a ser financeiras e portanto somos um país pobre. Questão que para mim será sempre bivalente: somos financeiramente pobres porque estamos a endividar o Estado (e gastamos demais o que é do Estado!) mas também porque produzimos pouco face ao que consumimos. Se bem que na minha opinião a nossa principal pobreza está intimamente ligada a uma das nossas riquezas: falhamos na valorização do que temos (e somos). Ponto fraco tão grave quanto o primeiro: não nos tira no imediato o pão para a boca mas tira-nos algo muito precioso que é a capacidade de gostarmos mais de nós - o nosso amor-próprio.

Gostar de nós não deve ser encarado pela perspectiva narcisista (literalmente o ser que se olha ao espelho e diz “que belo sou”) mas pela valorização do que é nosso. Às vezes parece que nos está no sangue preferir o que vem de fora e absorver as coisas boas que os outros nos apresentam (quase em regime de exclusividade)... O que até é positivo pela abertura de horizontes que proporciona mas torna-se nefasto quando com isso preterimos o que temos.

Figura feminina desenhada por António Ramos Rosa em 1996. Propriedade Patrícia Valinho

Um dos pilares desta crise está no desequilíbrio da nossa balança comercial. Importamos mais do que produzimos. Depois há ainda outras questões (igualmente relevantes) como o desnorteio estratégico e o facto de gastarmos mais do que temos. Mas estes tópicos levar-me-iam a outros debates que não quero abordar agora.

Voltemos aos consumidores portugueses e ao poder que têm na valorização do que é seu (estando implícito o poder do cidadão participativo). É muito frequente ouvir nas ruas “se eu mandasse neste país”... São tantos os que desconhecem o poder do consumidor! A decisão entre consumir isto e não comprar aquilo tem um poder enorme e não podemos continuar a esquecê-lo. Já há excepções mas temos um longo caminho a percorrer; não podemos continuar a esquecer-nos do que é nosso e de quem somos; quanto mais não seja porque ninguém se vai lembrar por nós.

Figura feminina desenhada por António Ramos Rosa em 1996. Propriedade Patrícia Valinho

Iniciativas como “Compro Nosso”ou “Movimento 560” (e outras acções de particulares) têm vindo a incentivar o consumo do que é feito em Portugal. Já na cultura e património, esta energia não tem tido tanto impacto. Apesar da nossa cultura chegar a todo o mundo nas suas várias formas artísticas, a imprensa continua a dar-lhe parco destaque. Regra geral, só se chega aos holofotes mediáticos depois de ter havido reconhecimento externo. É quase como se precisássemos de uma validação do exterior para avançar com o reconhecimento público.

É certo que há excepções. Mas seria tão bom se a excepção fosse a regra... 2013 roubou-nos figuras ímpares da nossa cultura que só foram celebradas depois da morte. Indigna-me. Choca-me que os nossos heróis culturais tenham mais destaque mortos que vivos. Frustra-me saber que, depois de terem dedicado uma vida inteira ao serviço da cultura do seu país, lhes tenhamos dado em troca 60 segundos televisivos (no máximo) em cada um dos jornais da hora de jantar e uma página (se tanto) nos jornais diários.

Longos Caminhos, Eduardo Nery 1980. Página do Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian (in http://cam.mediadepo.net/media/w640/h/files/inarte/7931.jpg)

Tenho dificuldade em perceber porque (des)activamos o nosso património humano e imaterial desta forma. É que o mais importante são as pessoas. São elas que constroem a nossa história, que nos consolidam a memória colectiva. Se não formos nós a valorizar o que temos e somos, poucos o farão por nós. Talvez haja correlação entre o relevo que damos às figuras vivas da cultura portuguesa com a nossa auto-estima. Ou entre a nossa tendência para a tristeza (o fado, a saudade) e o reconhecimento póstumo... Por vezes parece que os nossos melhores não são suficientemente bons para gostarmos deles (e de nós).

Pois bem: lanço a todos um repto de “combate”! Vamos contrariar esta tendência a partir deste ano? Vamos assumir o papel de embaixadores da cultura portuguesa, cá e além fronteiras? Celebremos quem somos, conheçamos os nossos heróis culturais e as suas obras. Festejemos aqueles que levam um pouco de nós a todo o mundo e perpetuam a memória portuguesa.

A Gaivota, por Nadir Afonso. Imagem divulgada pelo canal Facebook Nadir Afonso (https://www.facebook.com/nadirafonso)

Comecemos por homenagear a obra dos que nos deixaram em 2013. Para que não caiam no esquecimento. Vivam António Ramos Rosa! Eduardo Nery! Nadir Afonso! Urbano Tavares Rodrigues!

«Não posso adiar o amor para outro século Não posso Ainda que o grito sufoque na garganta Ainda que o ódio estale e crepite e arda Sob montanhas cinzentas E montanhas cinzentas Não posso adiar este abraço Que é uma arma de dois gumes Amor e ódio Não posso adiar Ainda que a noite pese séculos sobre as costas E a aurora indecisa demore Não posso adiar para outro século a minha vida Nem o meu amor

Nem o meu grito de libertação Não posso adiar o coração»

António Ramos Rosa, in "Viagem Através de uma Nebulosa"

Não adiemos mais o nosso amor-próprio para outro século. A factura é demasiado cara... Viva a cultura portuguesa (viva e morta)!

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