Os trajes tradicionais portugueses são uma parte importante da nossa cultura. A sua riqueza é inegável e considero ser elementar mostrá-los orgulhosamente nos museus nacionais - para inspirar os seus visitantes mas também para que as gerações futuras conheçam este legado.
Do traje festivo da Noiva do Minho ao da Nazarena, há todo um manancial por valorizar. Escolhi a Capucha de Burel que já inspirou várias empreendedoras e que terá tido, nas suas origens, inspiração oriental tendo chegado até nós através dos Árabes.
O que é a Capucha de Burel? Uma capa simples que cobre a cabeça e parte do corpo. É praticamente impermeável e usada por homens e mulheres nas diversas tarefas diárias, tendo múltiplos usos. Citando José Júlio César em Terra Portuguesa: «Nunca a fértil imaginação de alfaiate ou modista inventou peça de vestuário mais apropriada e útil».
Esta peça é comum na cor natural da lã mas também existe em preto (o Briche, para os dias festivos). É mais frequente nas zonas frias do centro e norte de Portugal e nas últimas décadas tem corrido mundo...
As Capuchinhas de Montemuro - http://capuchinhas.blogspot.pt/
Quem olhar hoje para uma colecção das Capuchinhas está longe de imaginar que esta aventura começou há mais de três décadas com a Capucha e outras peças tradicionais.
Na segunda metade dos anos 80, a aldeia Campo Benfeito (Montemuro) viu a escola primária ganhar vida pelas mãos de um grupo de mulheres que criou uma cooperativa apoiada pela Comissão para a Igualdade dos Direitos das Mulheres (CIDM) e pela Iniciativa Local de Emprego (do Instituto de Emprego e Formação Profissional - IEFP).
Alguns anos depois, surgiu a oportunidade de trabalhar com Helena Cardoso, por intermédio do CIDM. A estilista começou por desenhar algumas peças tradicionais e, anos mais tarde, com o apoio do programa da Siv Follin (Suécia) (1), passou a desenhar colecções na íntegra. Desde então, um rol de sucessos: oportunidades de comercialização na Suécia e o Prémio Internacional Criatividade das Mulheres em Meio Rural atribuído pela Women’s World Summit Foundation (2007).
Hoje, as Capuchinhas produzem e vendem vestuário artesanal de linho, lã e burel. São um excelente exemplo de empreendedorismo mas também de activação do património, por terem preservado as tradições da sua região. Todos os anos lançam alternadamente colecções de Verão e de Inverno pelas mãos da estilista Paula Caria.
Fotografia: As Capuchinhas. Todos os direitos reservados. 2006
Spot do Documentário de Francisco Manso: "Mulheres da Serra de Montemuro"
À Capucha! - http://cargocollective.com/acapucha/
Tudo começou quando Raquel Pais (2) conheceu Helena Cardoso: de um dos encontros, nasceu a ideia de dar à Capucha de Burel um visual mais contemporâneo. O resultado chegou à ComputerArts (3), revista de âmbito internacional dedicada ao design (digital e não só), e chama-se À Capucha!. Pretende promover o artesanato português através de uma abordagem mais urbana e jovem.
A equipa d’À Capucha! é composta por oito elementos, que procuram a internacionalização do seu trabalho. Em entrevista ao Público, Raquel Pais refere que “há outros produtos têxteis e acessórios a serem desenhados. Pretendemos criar uma marca e uma estrutura sustentável”.
A promotora, na página do projecto, identifica a missão desta iniciativa que é diferenciadora pela sua abordagem etnográfica: “ser uma expressão contemporânea da produção artesanal portuguesa que possa reconectar o consumidor com a história por detrás do objecto artesanal. Queremos aqui ilustrar o que a produção artesanal portuguesa tem de local e global, de popular e de sofisticada, de tradicional e de inovadora.”
Quem diria que a activação de uma peça de traje tradicional portuguesa como a Capucha iria gerar emprego e inovação nos dias de hoje? Não me canso de dizer que é tempo de valorizar o que temos de genuíno e único. E que essa valorização não deve ser feita só pela sociedade civil: as instituições públicas têm um papel elementar, como o comprovou o apoio da CIDM e do IEFP às Capuchinhas.
Não consegui encontrar uma Capucha na colecção permanente de nenhum dos museus nacionais de Lisboa, ou qualquer outro traje tradicional português. Estas peças só estão disponíveis através de marcação, em visita às reservas ou do Museu Nacional do Traje ou do Museu Nacional de Etnologia (não refiro aqui o Museu de Arte Popular, que continua sem colecção há muito).
Portanto, é certo que alguns (como por exemplo os turistas) estão excluídos de conhecer esta manifestação da nossa cultura. A alternativa será viajar por Portugal à procura de museus municipais como o do Traje de Viana do Castelo ou o Ecomuseu do Barroso, onde se encontram trajes tradicionais regionais. Não que este percurso por Portugal não seja interessante, porque o é (e muito). Mas relegar para segundo plano estas peças é perder uma oportunidade de mostrar aos nossos visitantes e gerações mais novas as raízes culturais portuguesas.
Fotografia: À Capucha! Fotografia de Maria João Ruivo. 2012
1 O apoio desta ONG manteve-se até 1995.
2 Designer portuguesa mestranda na Central Saint Martins College of Arts and Design em Londres.