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A Fundação Millennium BCP e o Mecenato Cultural


A conversa

Numa tentativa de encontrar alternativas ao financiamento estatal que conhece hoje tempos difíceis, o mecenato cultural e o financiamento privado são matérias que estão cada vez mais na ordem de trabalhos das principais instituições culturais do país.

As estratégias de financiamento proporcionadas por fundações e outros organismos de gestão privada cujo propósito se enquadra na acção cultural são, hoje, uma componente indispensável do financiamento da Cultura.

E se, por um lado, temos instituições que elegem, dentro do domínio da Cultura, as áreas às quais atribuirão financiamento, por outro, temos equipamentos e estruturas culturais que procuram aproximar-se e beneficiar do apoio concedido por aquelas entidades. Importa assim perceber os critérios que norteiam uma entidade mecenática na escolha da sua área preferencial de apoio financeiro.

Foi com o propósito de ficar a conhecer as principais motivações por detrás da acção mecenática da Fundação Millennium BCP que a patrimonio.pt esteve à conversa com Fernando Nogueira, Presidente da Fundação, nomeado no final de 2012 com mandato de três anos, depois de exercer o cargo de Secretário-geral durante 4 anos, entre 2008 e 2012: razões da estratégia que tem orientado as atenções da instituição, questões relacionadas com as diversas frentes de acção no campo da protecção e divulgação do património cultural, principais objectivos a médio e longo prazo foram alguns dos temas abordados, numa conversa tida na sede da Fundação, junto ao Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros e por ocasião da exposição Baixa em Tempo Real.

A Fundação

Já são mais de 20, os anos da Fundação Millennium BCP: em 1991, o então Banco Comercial Português decidiu destinar uma parcela da sua capacidade de investimento a iniciativas direccionadas para o bem comum que, simultaneamente, tivessem a capacidade de reflectir os valores associados à marca financeira – segurança, solidez, salvaguarda de bens, perenidade.

A escolha de acções patrocinadas pela Fundação procura assim contribuir para enaltecer estes valores, trabalhando a Fundação em 4 grandes áreas: Cultura, Educação, Investigação e Beneficiência, mas sendo a área da Cultura aquela que tem ocupado a maior fatia do orçamento, disposto num Plano Estratégico Quinquenal e aprovado por um Conselho de Curadores. De acordo com os dados disponibilizados pela Fundação sobre os apoios concedidos ao sector da Cultura e do Património nos últimos três anos, 2010 contou com um valor na ordem dos 965 mil euros, representando 68% do valor total de apoios concedidos, enquanto que em 2011 foram gastos 627 mil euros, num total de 56% dos apoios e 2012 contou com 728 mil euros, correspondendo a 55% dos apoios.

Nesta área da Cultura que nos importa aqui, a Fundação tem dado destaque ao património e à museologia. Museus como o Nacional de Arte Antiga, do Azulejo ou do Chiado têm sido instituições continuamente apoiadas por considerar a Fundação que é uma forma de contribuir para o reforço da identidade de Portugal nas matérias que melhor distinguem o país. A numismática é outro campo fortemente patrocinado já que o Banco tem a terceira melhor colecção de moedas de Portugal. Áreas portanto "em tudo relacionadas com o nosso ADN português, com o que nós somos", nas palavras do Presidente da Fundação.

Mas este apoio aos traços distintivos, nos domínios culturais, do que é português – com o financiamento a projectos museológicos, a aquisições de importantes obras de arte - lembre-se o caso do Álvaro Pires de Évora –, a projectos na área da Arquitectura - o apoio à Trienal de Arquitectura - ou a intervenções de conservação & restauro - com, entre outros, o caso do restauro da pintura Calvário do Museu de Arte Sacra do Funchal -, não se esgota, de facto, nesta dimensão exclusivamente da ordem financeira: o projecto Arte Partilhada Millennium BCP - 100 anos de Arte Portuguesa é um bom exemplo da profundidade de acção da casa. Trata-se de uma exposição de pintura com obras de importantes artistas portugueses - parte integrante da colecção de mais de 3000 obras da Fundação - e que ilustram os principais movimentos artísticos, desde o naturalismo à arte contemporânea. A exposição tem duas particularidades: por um lado, é itinerante com o objectivo de fazer chegar a Arte àqueles que, eventualmente, com mais dificuldade poderiam ter acesso a estas matérias. Mas também inclui, por outro lado, a elaboração de materiais didácticos, com o propósito de levar mais gente a perceber efectivamente o que está exposto, procurando assim fomentar um verdadeiro gosto pelos conteúdos abordados na exposição, considerando Fernando Nogueira que "ninguém pode gostar do que não percebe".

A Fundação tem assim como trave mestra a partilha do saber, a acessibilidade à Cultura. É também no seguimento deste fio condutor que a Fundação procura ter um papel activo na dinâmica cultural da zona da cidade em que se insere: Fernando Nogueira sublinha aquilo que considera ser uma verdadeira obrigação da Fundação de contribuir activamente para a animação cultural na Baixa lisboeta, destacando, neste âmbito, a iniciativa de mostra de sardinhas inserida nas Festas da cidade e que em tudo se relaciona com a componente patrimonial de época romana da sede da Fundação - antigo núcleo de preparados piscícolas em actividade desde o século I d.C. até IV d.C.

O Sector

É por estar tão por dentro das dinâmicas do sector do património e da museologia que a Fundação opina tão apropriadamente sobre os desafios vividos actualmente neste campo. Questionado sobre o que se pode esperar da próxima década e sobre o papel ocupado pelo mecenato cultural na dinamização da actividade deste sector, Fernando Nogueira afirma: "O grande desafio é fazer-se uma gestão racional dos recursos disponíveis, sendo necessário seguir as boas práticas e os bons exemplos". Aponta, neste campo, a Parques de Sintra – Monte da Lua, empresa privada de capitais exclusivamente públicos, gestora dos monumentos de Sintra, como o caso de sucesso a seguir.

Também na área da museologia, que tem merecido particular atenção da entidade, Fernando Nogueira sugere uma revisão da lógica do financiamento público, com uma continuada partilha na distribuição das receitas mas criando a possibilidade de parte do rendimento obtido ser re-injectado no próprio museu angariador. Sobre o perfil dos responsáveis de equipamentos culturais reforça a imperiosidade de deterem conhecimentos na área da gestão: "É crucial" sublinha "que haja uma noção da importância da dimensão económica e comercial que possibilite a sustentabilidade das estruturas."

O Futuro

Aberto a novos projectos, novas ideias que possibilitem o reforço da linha de orientação e dos valores pelos quais a instituição Fundação BCP e a marca BCP se pautam, Fernando Nogueira não vira a cara ao futuro e a novas formas de interacção entre a comunidade e o saber: na exposição "Baixa em Tempo Real" patente até 30 de Março na Galeria Millennium, os meios interactivos e as novas tecnologias ocupam lugar privilegiado na mediação com o visitante, numa clara procura de conseguir tornar a matéria cultural mais atractiva a mais gente e a um público, também, mais jovem.

De facto, os mais jovens são um novo enfoque estratégico da acção da Fundação, em diferentes planos: um exemplo será, na nova exposição a inaugurar em Setembro comissariada por Raquel Henriques da Silva e dedicada ao Naturalismo português, a existência, pela primeira vez, de um Serviço Educativo permanente. Acresce que todas as exposições itinerantes têm uma relação próxima com as escolas da região onde circulam, procurando a Fundação estabelecer contactos com os serviços escolares das câmaras envolvidas para organizar diferentes visitas orientadas.

A Fundação Millennium BCP continua assim a reforçar a sua importância estratégica no sector da Cultura e, mais em concreto, na área do património: venham mais projectos, mais intervenções, mais participação e partilha colectiva.

Nota Editorial

A patrimonio.pt procurou ainda dados relativamente ao mecenato cultural em Portugal. A ausência de estudos que reúnam dados de vários agentes nesta área é transversal, já que, contactando o Observatório das Actividades Culturais confirmámos que os últimos dados remontam a 1998, ao estudo “10 anos de mecenato cultural em Portugal”. Sendo a dimensão numérica uma componente fundamental da avaliação do potencial e da capacidade de produzir riqueza de um campo como o da Cultura, este será, portanto, um tema ao qual a patrimonio.pt voltará em breve.

 

PRINCIPAIS PROJECTOS DA FUNDAÇÃO:

- Baixa em Tempo Real - exposição organizada em parceria com o Departamento de Museologia da Universidade Lusófona que explora a dimensão histórica e actual da zona da Baixa lisboeta recorrendo a recursos tecnológicos e plataformas interactivas e, também, com conteúdos acessíveis a públicos com dificuldades auditivas, visuais e motoras;

- Arte Partilhada Millennium BCP - exposição itinerante com obras pertencentes à Fundação Millennium BCP que sintetiza um século de pintura a partir da escolha de uma pintura por cada artista marcante do século XX;

- Arte Partilhada Millennium BCP – Abstracção – mostra itinerante de pintura comissariada por Raquel Henriques da Silva com cerca de 70 obras do abstraccionismo português;

- Redes sem mar: 12 tapeçarias da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre; 12 Fotografias e 1 Vídeo da Colecção Millennium BCP - exposição itinerante com peças da colecção de tapeçarias do Millennium BCP;

- Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros - NARC - um espaço do Millennium BCP situado na Baixa de Lisboa que explora e dá a conhecer um espaço com mais de 2500 anos de história.

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